Estado Profundo versus América Profunda, por Rogério Mattos

Mais do que mil teorias da conspiração diferentes, a desconfiança em relação a movimentos de massa se consolidou depois das “revoluções coloridas”. O que se vê é a cisão dos EUA como consequência da cisão anterior entre as elites atlanticistas.

América Profunda e Estado Profundo

Estado Profundo versus América Profunda, por Rogério Mattos

Depois das imensas provocações da OTAN contra a Rússia que tiveram seu auge entre 2014-16, ou seja, até o período da eleição de Trump e do Brexit, cada vez ficou mais claro que a orientação unilateral dos poderes fáticos e financeiros ocidentais sofreu uma ruptura. A campanha anti-Rússia ficou a cargo dos democratas e liberais, enquanto havia uma distensão das tensões militares. Por outro lado, o processo de regionalização das economias ou o anti-globalismo se tornou evidente no Atlântico norte.

Como disse em uma série de outros textos, parecia haver um racha entre as elites. De um lado, uma orientação liberal-financista e outra para o que no nazismo se chamou de “sangue e terra”. O modelo econômico único imposto após o fim da URSS não existia mais. Esse é um movimento relativamente recente e peculiar a Europa e aos EUA: países sem história recente de lideranças públicas comprometidas com o desenvolvimento nacional, muito menos partidos políticos populares organizados, de massa ou o histórico de lutas, como na América do Sul, contra as ditaduras e neoliberalismo. Para eles, em medida maior do que para nós, parece que a única escolha é entre o velho capitalismo ou a anarquia.

Dias antes do assassinato de George Floyd, John Biden fez um brutal auto-ataque à sua candidatura quando disse a um jornalista negro que, “se você for um negro verdadeiro, então não vota em Trump“. Alguns podem achar que ele está certo, porém sua declaração tem características nitidamente racistas. Parece que não há opções viáveis nos EUA. Mal comparando, é quase como se tivéssemos uma eleição entre Ciro Gomes e Doria. Só que as coisas são mais loucas: o proto-nacionalismo e a retórica inflamada faz o primeiro ser parecido com Trump, enquanto o outro, com sua plataforma liberal/libertária, o aproxima dos democratas.

Há meses, talvez mais de um ano, análises políticas bem informadas vem alertando sobre a iminência de uma guerra civil nos EUA. Chega a ser engraçado que o assassino de Minneapolis apareça logo depois da declaração desastrosa de Biden. Afinal, por mais certo que esteja, dificilmente um negro irá aceitar que um branco lhe fale o que é ser ou não um negro. É como se a comum brutalidade americana, plasmada nas pernas de um policial, tivesse dado sobrevida à campanha democrata.

Mais do que mil teorias da conspiração diferentes, a desconfiança em relação a movimentos de massa se consolidou depois das “revoluções coloridas”. O que se vê é a cisão dos EUA como consequência da cisão anterior entre as elites atlanticistas.

Daniel Estulin aponta para diferentes projetos globais, respeitando as características nacionais e regionais de cada país e suas elites. Com o fim do modelo BRICS, que uniria o projeto da Grande Eurásia com a América do Sul, se tornou hegemônico no Ocidente os dois modelos em disputa nos EUA e Europa. De um lado, a City de Londres e Wall Street (Nova Babilônia) e de outro o grupo que perdeu a II Guerra e agora reagrupa suas forças, o que o investigador chama de Internacional Negra. Traduzido: o Estado Profundo e a América Profunda agora estão em disputa dentro do território americano.

Com os novos movimentos de rua se espalhando no mundo todo, a coronacrise deixou explícito como se baseia bem mais em componentes informacionais do que biológicos. Uma crise informacional pode desaparecer rapidamente quando outra crise passa a ocupar as telas de computadores, televisões e celulares. Talvez não seja por acaso que o infame Neil Ferguson, também conhecido como “professor lockdown”, tenha dito agora que a quarentena vertical tem o mesmo efeito que a quarentena horizontal.

Os prognósticos para o futuro próximo são tenebrosos, pelo menos se imaginarmos pelos olhos dos “homens verdadeiramente nobres” do lorde Bertrand Russell. Como disse em artigo passado, não houve qualquer consenso entre cientistas, muito menos base empírica suficiente para se decretar uma pandemia a nível burocrático, ou seja, via OMS. Assistimos a um gigantesco experimento de engenharia social que, sob as desculpas mais piedosas, foi imposta a mais da metade da população mundial.

A guerra civil nos EUA foi exportada com uma facilidade incrível. Aqui no Brasil não faltariam casos para se conseguir uma ampla mobilização contra o racismo ou pela democracia. O caso Marielle já em passado remoto e o caso dos 80 tiros são exemplares. Caso se importe a lei marcial que se quer impor nos EUA e a guerra contra a população, iremos assistir a uma dupla justificativa para a falência de qualquer aparente democracia no Ocidente.

O aumento dos casos de coronavírus relacionados às aglomerações e as medidas policiais para se conter as manifestações, irão dar o suporte médico e político para o confinamento generalizado e a supressão das garantias individuais. Como se pode ver em análises minimamente ilustradas, a crise econômica real só começará no outono do hemisfério norte, ou seja, a partir de setembro.

Será quando os efeitos do lockdown planetário serão sentidos na economia real, com consequências bem piores do que a crise de 1929. Naquele período, existia o mínimo de base industrial e uma força muito menor do sistema financeiro. A quebra atual será bem mais ampla e generalizada. Não haverá flexibilização quantitativa capaz de detê-la. Com o pressuposto do confinamento geral e da lei marcial, o cenário com a crise econômica explodindo é verdadeiramente de arrepiar.

Mas não só. Filtrando as coisas para a realidade brasileira, não se duvida da capacidade da polícia ou o exército exercerem seu arbítrio. A quarentena será sempre uma espécie de farsa pelo simples fato da economia nacional estar ancorada no setor informal e no de serviços, além do Estado não ter capilaridade suficiente no país para impor medidas restitivas no médio ou longo prazo. No Rio de Janeiro, por exemplo, cidade divida pelo maciço da Tijuca, é muito óbvio como funciona o “fique em casa”. Nas pequenas e médias cidades do estado, isso chega a ser motivo de piada.

Novamente, como disse no último artigo, não existe solução para o país se continuar como agora sem governo algum (e isso faz tempo; em maio do ano passado houve o acordão revelado pelo Toffoli entre STF, a Câmara e o executivo; o governo já estava para cair). Igualmente, é importante a retomada do discurso histórico do PT, traduzido no 1º turno das eleições de 2018 na denúncia do golpe de Estado e nos referendos revogatórios contra as medidas do programa econômico de Temer-Bolsonaro. Não há retomada possível com a lei do teto e a pulverização dos direitos trabalhistas. Se pessoas do tipo do lorde Bertrand Russell sonham com um futuro tão macabro para os próximos meses, o único futuro possível para o país é a retomada de um governo nacional-popular e, no plano internacional, o sonho dos BRICS. Assim, nos importará muito pouco a briga das elites decantes do Atlântico norte diante de um povo degradado por décadas de livre-mercado e falta de educação crônica.

PS: Peço desculpas aos leitores do GGN pelo meu último artigo publicado. Ele acabou saindo sem formatação alguma, como se fosse um único e longo parágrafo. No editor de texto parece tudo normal, mas dependendo de como a gente faz a edição, não sei por qual mistério o código da página não entende os parágrafos. Acredito que agora tenha feito da maneira correta.

Redação

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