Ética em Maquiavel, por Rodrigo Medeiros

A crise de representação política em nosso país merece reflexão. Os manifestantes que participaram dos protestos anti-Dilma domingo na Avenida Paulista demonstram baixa confiança nos políticos (clique aqui). De maneira geral, 73% não confiam nos partidos, 70% não confiam nos políticos e 57% confiam pouco na imprensa. Nesse contexto, busquei reler um artigo que escrevi sobre Maquiavel (clique aqui). Creio que o florentino ainda tem algo a nos dizer.

Em 2013, o clássico “O príncipe” de Maquiavel completou 500 anos. Publiquei então um artigo buscando mostrar que a ética na política não é exatamente a mesma dos indivíduos. Segui, de certa forma, a formulação de Max Weber para as éticas da convicção (consciência individual) e da responsabilidade (consequências coletivas). Vejamos sucintamente algumas poucas questões pertinentes ao tempo presente.

Escrito no contexto específico de uma Itália fragmentada em principados, o pensador florentino deixou marcas profundas na filosofia política. Dificilmente se pode dizer que exista apenas um Maquiavel. Seus ensinamentos influenciam muitas pessoas no presente e muito provavelmente deverão continuar influenciando no futuro. Se Maquiavel continua tão capaz de nos perturbar, é porque talvez ele possa ter alguma razão.

Para o cientista político João Pereira Coutinho (“Folha de S.Paulo”, 26/11/2013), “no palco, tudo é luz e fantasia. Atrás do palco, existem muitas vezes situações de trevas em que, em nome do bem comum, o príncipe tem de cometer males inevitáveis”. Talvez a verdade seja mesmo invariavelmente insuportável para os seres humanos e, nesse sentido, o pecado de Maquiavel foi ter nos acordado para a ilusão de uma imagem virtuosa própria que gostamos de cultivar.

Maquiavel ressaltou os papeis da virtude (republicana) e da fortuna (circunstâncias) para o sucesso dos governantes. A atuação em benefício exclusivamente próprio não consta no rol de virtudes maquiavélicas. Um ponto que creio ser sempre merecedor de atenção diz respeito ao capítulo XXIII do seu clássico, de como se devem evitar aduladores. As escolhas de assessores próximos e colaboradores operacionais são fundamentais para o êxito do príncipe no governo, principalmente em tempos de crises e turbulências.

O maquiavelismo existia bem antes de Maquiavel, que o descreveu de maneira muito pedagógica e assustadora. Quem simploriamente acredita que o autor de “O príncipe” não se preocupava com o povo, recomendo uma leitura mais atenta do texto. Na dedicatória para Lorenzo de Medici, ele afirma: “para conhecer a natureza dos povos é mister ser príncipe, e para conhecer a dos príncipes é mister ser povo”. Afinal, a solidariedade costuma ser maior quando o povo participa do governo. Em uma nação não corrompida, na qual as instituições mantenham o bom exemplo e as virtudes, os cidadãos são estimulados a priorizarem os interesses coletivos.          

Rodrigo Medeiros é professor do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

Rodrigo Medeiros

2 Comentários

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  1. É impossível resumir
    É impossível resumir Maquiavel ao livro “O Príncipe”. Prefiro o “Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio”, obra escrita sem o propósito deliberado de servir como um programa de ação visando a unificação da Itália pelo Borja a quem Maquiavel encomendou sua outra obra. No livro referido pelo autor Maquiavel valoriza o absolutismo. Na que citei ele trata dos fundamentos de um regime republicano levando em conta a História republicana romana tal como descrita por Tito Lívio. O único problema desta obra é que Maquiavel não questiona o discurso liviano (mediado pela sua clara opção pelos patrícios), nem coloca em dúvida os fatos narrados (coisa que tem sido feita pelos historiadores modernos).

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