Faltou combinar com os eleitores, por Guilherme Scalzilli

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Sugerido por Sniff

De Le Monde diplomatique Brasil

TERCEIRO TURNO?

Faltou combinar com os eleitores

Ao analisar os seus resultados, as recentes eleições para o congresso e executivo apontaram para um desejo de continuidade, o ímpeto de mudança que teria dominado o país era mais um desejo dos comentaristas do que um diagnóstico preciso.

Por Guilherme Scalzilli

O último processo eleitoral brasileiro foi marcado pela continuidade. A maioria absoluta dos deputados federais e estaduais reelegeu-se. (1) Metade dos senadores em fim de mandato alcançou o objetivo. Dos dezoito governadores que tentaram permanecer no cargo, onze conseguiram. Oitenta milhões de votantes endossaram a polarização entre PT e PSDB, rejeitando as candidaturas presidenciais alternativas. Cerca de 54 milhões optaram depois pela via situacionista, dando-lhe a quarta vitória seguida.
 
Os resultados frustraram as expectativas de renovação acima das médias históricas (2) e, principalmente, de uma derrota do governo federal. Isso aconteceu porque o ímpeto de mudança que teria dominado o país era mais um desejo dos comentaristas do que um diagnóstico preciso. Em outras palavras, a perspectiva de transformação do cenário político baseou-se na projeção de anseios setorizados e teve natureza essencialmente propagandística.
 
O equívoco nasceu nos consensos do campo midiático sobre as manifestações populares do ano passado. Ansiosos para domesticar a perigosa simbologia dos protestos e sua polêmica pauta original, certos observadores apressaram-se em acomodá-los sob um denominador comum. O suposto desejo coletivo de mudança foi então adotado como fator identitário e unificador do fenômeno heterogêneo e caótico das manifestações.
 
Essa leitura também ajudava a neutralizar ideologicamente a militância. Uma reação generalizada “contra tudo que está aí” dispensava plataformas e condicionantes sociais ou partidárias. Era a essência positiva de qualquer atitude rebelde, inclusive quando os seus argumentos se mostravam rasteiros, como nas falácias sobre os gastos com a Copa do Mundo. (3) O mesmo valia para a ilusão “tática” dos blocos mascarados. (4)
 
Logo a mídia passou a instrumentalizar a revolta com fins eleitorais. A condenação do radicalismo das ruas serviu para reforçar sua antítese pacífica e ordeira, a mudança pelo voto. O mantra apaziguador “a resposta será dada nas urnas em outubro” virou moda na imprensa corporativa, adquirindo uma tonalidade pedagógica de forte viés autoritário.
 
Claro que todos previam a influência desse discurso na disputa presidencial vindoura, fortemente plebiscitária e polarizada. A naturalização do mote novidadeiro disseminava e fortalecia o apelo de qualquer candidatura oposicionista que se tornasse competitiva. E conferia uma fachada isenta ao antipetismo preponderante nos veículos.
 
A jogada tinha algum respaldo histórico. Nas pesquisas de 1989, por exemplo, a mudança política foi o motivo mais citado para a decisão final de voto, particularmente a dos eleitores do vitorioso Fernando Collor. (5) Em 2002, a metáfora da esperança brandida por Luiz Inácio da Silva utilizou apelo semelhante. (6)
 
Ao longo de 2014, contudo, a novidade sucumbiu à vulgarização midiática. Repetido nos slogans de Dilma Rousseff (“Muda Mais”), Aécio Neves (“Muda Brasil”) e Marina Silva (“Coragem pra mudar o Brasil”), o conceito diluiu-se até perder o sentido. Serviu tanto para o governo acenar com melhorias quanto para a oposição amenizar seus elogios aos programas federais. Virou um rótulo camaleônico a serviço do oportunismo.
 
Parece inegável que as narrativas mudancistas do marketing eleitoral dialogavam com efetivas demandas da sociedade. Mas as versões jornalísticas desses anseios tomavam-nos como parte do legado subjetivo dos protestos, e não como suas causas, exagerando a possível influência deles sobre as urnas. Se as manifestações escancaravam a falência do sistema representativo, (7) dificilmente prenunciariam uma guinada institucional que dependesse da própria estrutura sufragista caduca.
 
Os prognósticos de renovação eleitoral falharam ao simplificar demais as motivações do voto no país. Fizeram de um fenômeno socioculturalmente delimitado um microcosmo representativo da maioria, ignoraram os enormes contingentes populares que não aderiram à febre reivindicatória e desconsideraram os estímulos morais e pragmáticos do chamado “eleitor não-racional”, decisivo em qualquer disputa. (8)
 
Misturando estratégia publicitária com análise conjuntural equivocada, a apologia da mudança pelo voto iludiu os círculos oposicionistas a ponto de comprometê-los moralmente com a fantasia redentora. O espírito vingativo que se apossou dos derrotados é consequência direta dessa perplexidade rancorosa contra os eleitores que baldaram suas previsões.
 
1 – http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/10/1528106-camara-tera-em-2015-o-maior-numero-de-novos-deputados-desde-1998.shtml
 
2 – http://www.estadao.com.br/infograficos/a-renovacao-politica-nas-assembleias-legislativas,273210.htm
 
3 – http://guilhermescalzilli.blogspot.com.br/2014/07/manipulacao-impune.html
 
4 – http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1613
 
5 -Carreirão, Yan de Souza. “A decisão do voto nas eleições presidenciais brasileiras”. Florianópolis: Ed. Da UFSC; Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2002, p. 81-86.
 
6 – RUBIM, Antonio Albino Canelas. As imagens de Lula presidente, 2003. in FAUSTO NETO, Antonio (Org.s) Lula Presidente: televisão e política na campanha eleitoral. Porto Alegre: Hacker Editores / Unisinos, 2003. p.43.
 
7 – http://www.idelberavelar.com/archives/2014/04/o_enigma_de_junho_parte_iii_os_protestos_de_2013_e_a_quebra_do_pacto_lulista.php
 
8 – Silveira, Flavio Eduardo. “A decisão do voto no Brasil”. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 182-190.
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

12 Comentários

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  1. “Vontade de mudança”  foi um

    “Vontade de mudança”  foi um ímpeto notadamente midiático para tentar tirar o PT do governo federal. Exclusivamente.

    A mesma coisa vai voltar a acontecer em 2018.

    Ocorre que se a situação econômica do país, (refiro-me a real, a verdadeira, a do dia a dia, não as “crises econômicas da mídia”) , estiver boa e estável, o eleitor também não vai querer mudar coisa alguma.

     

    PS:: Lembam da tal consultoria Empiricus? Acabou a eleição e eles não anunciam mais nada. Sumiram com suas ameaças de “fim do Brasil” e “defenda-se da Dilma”.

    Deve ter acabado a verba para a publicidade. Gastaram muito…

    Alguma dúvida que era apenas uma deslavada forma de fazer propaganda eleitoral ?

     

  2. Não existe crime perfeito? É

    Não existe crime perfeito? É o que mais existe no mundo e explico:

       Mais de 85 por centos dos crimes cometidos no Brasil não saão solucionados,tornando-os perfeitos mesmo não sendo essa a intenção. E nos paises ditos de primeiro mundo a taxa é menos, mas não muito.

           Pra ter apetite dos investigadores o falecido precisa ser uma pessoa razoalvemente importante ou de vasta repercussão.

                Razão pela qual o ”golpe ” noBrasil é impossível

                    Fico assistindo as séries da tv americana, e mais dou risada do que fico apreernsivo.

    Criminal Minds ultrapassa o ridículo: Seu formato é de um psicopata que comete crimes hediondos, NO F B I tem uma nerd em computação que sabe das pessoas do planeta em segundos.A equipe se dirige a cidade e convoca os policiais. Mas nenhum deles nunca resolveu crime algum. Só o F B I que resolve de uma maneira sureal.Vale por aqauele rapaz que demostra conhecimento e uma frase marcante no final dita por algum escritor famoso.

               Os atores ganham a taça de péssima interpretação.Candidatos todo ano ao Oscar Framboeza.

                NCIS, CSI NY, CSI MIAMI,HANIBAL ETC , é tudo igual. 

                      Não são atores em  fim de carreira.Mas são atores que nem tiveram começo de carreira.E nunca terão.

                   Um produtor deveria bancar um  seriado mais próximo da realidade: Crimes não resolvidos–vasto assunto pra um bom roteirista.

                     Por incrível que pareça Law e Ordem e HOUSE são os que ainda se salvam. O primeiro por histórias interessantes e reais e o segundo pelo aator principal.

                   E agora apareceu o excelente The Neswsroom COM DUAS temporadas excelentes e o primeiro episódio da terceira, mediano.

    The Good Wife ainda é o melhor seriado da tv paga.—E vai ficar mais interessante agora que Will foi assassinado.

                          Sem golpe!

  3. o conluio direita, capital

    o conluio direita, capital financista e grande mídia golpista aproveitou

    as manifestações de 2013 para mobilizar tanta gente nas ruas.

    parece que a maioria percebeu a fria en que

    estava entrando e as manifestações perderam a força.

    cabe agora aos partidos progressistas e aos movimentos

    sociais politizar todas as questões para convencer a esse

    expressivo número de manifestantes o que está

    em jogo na política e na economia brasileiras.

  4. Qual é a próxima ação de marketing?

    E os black blocs?

    Sumiram assim que começou a campanha eleitoral, não eram mais necessários para criar o clima de conturbação institucional.

    Vamos recordar, de junho de 2013 até agora, já tivemos: #vemprarua, #blackbloc, #nãovaitercopa, #sosforçasarmadas e está se encerrando a #impeachmentjá.

    É só ver as fotos, é sempre o mesmo público alvo.

      1. Anarquistas anacrônicos e black blocs.

        Não, não foram. Nenhum black bloc foi preso. Eles eram defendidos por uma turma estranha que se denominava de “advogados ativistas” que se apoiava na tese de que nenhum black bloc detido em flagrante podia ser indiciado porque agiam mascarados e, assim, não havia como comprovar a autoria dos delitos. Alegavam também que, embora formassem uma organização paramilitar, com sites que definiam ordens e comando, não haveria lideranças a serem responsabilizadas – era a tal “organização horizontal”. É ridículo, mas colava, sabe-se lá porquê. Delegados não os indiciavam.

        Quem foi preso foi pessoal da extrema esquerda, anarquistas anacrônicos. O pessoal da Sininho. Que não percebeu que a arregimentação da extrema direita havia acabado. Para esses não teve colher de chá e a polícia voltou a ser a de sempre.

        Foram presos também os assassinos do cinegrafista da Bandeirantes. Mas não sei se o cara que atacou os policias com um canivete ou o que agrediu o coronel respondem processo. Para a turma que incendiou o fusca com a família dentro, nada aconteceu.

  5. A análise do Guilherme é

    A análise do Guilherme é muito boa. Parabéns.

    Apenas faltou registrar a inteligente sacada da campamha de Dilma (João Santana foi brilhante) no sentido de ‘embarcar’ na construção hegemônica midiática do discurso da mudança (a propaganda do Itáu centrada na expressão ‘mudança’ também foi acintosa e a da Justiça Eleitoral suspeita) mas marcando a diferença desse discurso oposicionista velado, ao apontar também as conquistas desses 12 anos “O que tá bom vai continuar/o que não tá a gente vai melhorar”. 

    Esse o ‘drible da vaca’ que a campanha de Dilma (uma campanha sem apoio da mídia corporativa) deu na oposição, que teve a mídia corporativa como centro da campanha, daí o panfleto da Veja ao final.

    E Guilherme acerta quando escerve que Dilma venceu porque o seu discurso de campanha teve mais adesão no eleitorado (mudar sim, mas preservando os ganhos),  daí que a oposição (e a grande mídia) não conseguem entender e muito menos aceitar (mas o discurso da mudança é nosso… )Daí o discurso golpista.

  6. A resposta foi dada nas

    A resposta foi dada nas urnas, realmente. A resposta à manipulação midiática e aos que queriam mudar o governo para não mudar mais nada. 

    “Perdeu, Playboy”

  7. avanço

    Mas a mudança que muitos querem é para avançar, não retroagir. Os parcos ganhos sociais dos últimos doze anos, chamados de “bolsa esmola” pelos “analistas” do espectro veja-feicibuqui-millenium-demos-tucanos é realmente muito pouco como objetivo final. Há que se ultrapassar essa fase e avançar para uma etapa com maior “sustança”, infra-estrutura, crescimento de renda, produção, saude publica além do “mais médicos”, educação básica de valor, enfim avançar. O que o eleitorado sinalizou não foi nada das interpretações delirantes de parte de nossa mídia cartelizada e da oposição hiócrita, mas foi que o governo atual está devendo, e quer mais, no entanto, também não quer perder o parco avanço conquistado.

  8. FALTOU falat de The

    FALTOU falat de The mentalist

       Há um ator nipónico que é uma aberração da natureza;O colega dele consegue ser pIor.E anamodada do colega é vice campeâ fa péssima representaçãso;

                  A campeã da péssima interpretação é chefe de todos– divindindo a ”honra” como roteiristsa que éruim de doer a alma;

                            Incrivelmente o ator prinincipal da série é um dos mais bem pagos dos E U A;

                      Até que ele é o único que é menos ruim como ator.

                          Mas o roteirusta e diretor merecem uma nota congelada:

                               Muitos graus abaixo de zero;

  9. Passada a eleição, o clichê

    Passada a eleição, o clichê mais comum que se ouviu de analistas é sobre o Congresso eleito esse ano como o mais conservador desde 1964, pode até ser verdade, mas o parlamento eleito em 2010 também não era tão progressista assim.

    Falo isso sobre o dilema vivido pela Dilma de tentar formar uma maioria apresentando nomes para seus ministérios que agradam a mídia, o mercado e desagradam o PT e toda sua base progressista que teve importante contribuição na sua campanha de reeleição.

    A presidenta deveria enxergar que o poder legislativo é cada vez menos legitimado na democracia brasileira, não significa que o governo deva passar o trator e não dialogar, apenas analisar que não vale a pena queimar o próprio filme para ficar de bem com os congressistas.

    A maneira como o legislativo é eleito já diz tudo sobre essa perda de legitimidade, a cada eleição as campanhas políticas estão cada vez mais caras, diferente de uma competição esportiva, na política é permitido fazer o uso do doping (no caso o dinheiro).

    O engessamento político do governo Dilma contrasta com a postura do presidente Obama, depois dos Democratas perderem para os Republicanos a eleição para o Congresso, ele resolveu baixar um decreto que autoriza 5 milhões de imigrantes a permanecerem nos EUA despertando a ira conservadora e ignorando qualquer instrumento institucional.

    A medida corre risco de ser revogada, pois diferente do STF no Brasil existe forte presença reacionária na Suprema Corte americana, tanto que o financiamento eleitoral de empresas foi permitido por lá enquanto no Brasil está perto de ser proibido.

    Se a Dilma tomar uma atitude dessas será considerado autoritarismo, já o Obama é chique, exótico e um mal necessário.

    As eleições 2014 prometiam encerrar a polarização PT-PSDB vigente desde 1994, vale relembrar que a disputa sofreu uma drástica mudança de rumo, como se o jogo fosse alterado aos 35 min do 1º tempo quando aconteceu à morte repentina de Eduardo Campos, poucos se lembram de que o cenário político era outro.

    Pesquisas que incluíam o ex-governador de Pernambuco antes do fatídico desastre apontavam a presidenta Dilma com viés de alta beneficiada por um grande número de indecisos, enquanto Aécio e Eduardo somados tinham 28%, Dilma ia ser reeleita no 1º turno já que em todas as campanhas presidenciais desde 1989 o quadro político sempre sofreu poucas alterações antes do início da propaganda eleitoral da TV.

    Para Eduardo e o PT o cenário era vantajoso já para o PSDB não, em poucas semanas Eduardo ultrapassaria Aécio, indo para um 2º turno seria imbatível e se não houvesse 2º turno (hipótese mais provável) ainda sim largaria como o favorito na disputa de 2018.

    Eduardo seria também muito importante para a Dilma na governabilidade já que o PSB teria o maior crescimento parlamentar mantendo seu atual número de governadores, vencendo no 1º turno o PT com certeza não perderia parlamentares, o contrário cresceria podendo fazer mais de 100 cadeiras na câmara e mais alguns governadores e senadores.

    O rompimento da parceria PT/PSB não era definitivo, sem Dilma poder disputar mais uma reeleição havia a possibilidade de Eduardo ser candidato em 2018 com o apoio de Lula e o PT, a queda da aeronave sepultou um plano que com grandes possibilidades de êxito, a entrada de Marina causou um terremoto, aproveitando um recall de 19 milhões de votos em 2010 e atraindo indecisos que pretendiam anular ou se abster a eleição passou por grande reviravolta e o 2º turno passou a ser definitivo.

    O PSB que vivia a expectativa de voos maiores sofreu os maiores abalos sísmico, hoje a legenda não tem rumo e caminha para a oposição, a candidatura Marina foi antes de tudo uma oportunidade de expressar seu rancor contra o PT através de Malafaias como intermediários e servindo de escada para os tucanos, Aécio espertamente soube aproveitar a incompetência política de Marina para deslanchar.

    Não consigo entender a falta de iniciativa do PT em investigar o acidente já que Dilma foi a maior prejudicada pela trágica e suspeita morte de Eduardo Campos. Não vejo sinal de que o Brasil caminha para uma consolidação conservadora somente porque a vitória de Dilma foi apertada e isso obriga seu governo a negociar ou ceder, apenas uma onda do momento, o crescimento da direita ocorreu porque se beneficiaram de uma situação trágica e lamentável que foi a morte de um candidato que estava promovendo um debate mais qualificado. Passada a eleição, o clichê mais comum que se ouviu de analistas é sobre o Congresso eleito esse ano como o mais conservador desde 1964, pode até ser verdade, mas o parlamento eleito em 2010 também não era tão progressista assim.

    Falo isso sobre o dilema vivido pela Dilma de tentar formar uma maioria apresentando nomes para seus ministérios que agradam a mídia, o mercado e desagradam o PT e toda sua base progressista que teve importante contribuição na sua campanha de reeleição.

    A presidenta deveria enxergar que o poder legislativo é cada vez menos legitimado na democracia brasileira, não significa que o governo deva passar o trator e não dialogar, apenas analisar que não vale a pena queimar o próprio filme para ficar de bem com os congressistas.

    A maneira como o legislativo é eleito já diz tudo sobre essa perda de legitimidade, a cada eleição as campanhas políticas estão cada vez mais caras, diferente de uma competição esportiva, na política é permitido fazer o uso do doping (no caso o dinheiro).

    O engessamento político do governo Dilma contrasta com a postura do presidente Obama, depois dos Democratas perderem para os Republicanos a eleição para o Congresso, ele resolveu baixar um decreto que autoriza 5 milhões de imigrantes a permanecerem nos EUA despertando a ira conservadora e ignorando qualquer instrumento institucional.

    A medida corre risco de ser revogada, pois diferente do STF no Brasil existe forte presença reacionária na Suprema Corte americana, tanto que o financiamento eleitoral de empresas foi permitido por lá enquanto no Brasil está perto de ser proibido.

    Se a Dilma tomar uma atitude dessas será considerado autoritarismo, já o Obama é chique, exótico e um mal necessário.

    As eleições 2014 prometiam encerrar a polarização PT-PSDB vigente desde 1994, vale relembrar que a disputa sofreu uma drástica mudança de rumo, como se o jogo fosse alterado aos 35 min do 1º tempo quando aconteceu à morte repentina de Eduardo Campos, poucos se lembram de que o cenário político era outro.

    Pesquisas que incluíam o ex-governador de Pernambuco antes do fatídico desastre apontavam a presidenta Dilma com viés de alta beneficiada por um grande número de indecisos, enquanto Aécio e Eduardo somados tinham 28%, Dilma ia ser reeleita no 1º turno já que em todas as campanhas presidenciais desde 1989 o quadro político sempre sofreu poucas alterações antes do início da propaganda eleitoral da TV.

    Para Eduardo e o PT o cenário era vantajoso já para o PSDB não, em poucas semanas Eduardo ultrapassaria Aécio, indo para um 2º turno seria imbatível e se não houvesse 2º turno (hipótese mais provável) ainda sim largaria como o favorito na disputa de 2018.

    Eduardo seria também muito importante para a Dilma na governabilidade já que o PSB teria o maior crescimento parlamentar mantendo seu atual número de governadores, vencendo no 1º turno o PT com certeza não perderia parlamentares, o contrário cresceria podendo fazer mais de 100 cadeiras na câmara e mais alguns governadores e senadores.

    O rompimento da parceria PT/PSB não era definitivo, sem Dilma poder disputar mais uma reeleição havia a possibilidade de Eduardo ser candidato em 2018 com o apoio de Lula e o PT, a queda da aeronave sepultou um plano que com grandes possibilidades de êxito, a entrada de Marina causou um terremoto, aproveitando um recall de 19 milhões de votos em 2010 e atraindo indecisos que pretendiam anular ou se abster a eleição passou por grande reviravolta e o 2º turno passou a ser definitivo.

    O PSB que vivia a expectativa de voos maiores sofreu os maiores abalos sísmico, hoje a legenda não tem rumo e caminha para a oposição, a candidatura Marina foi antes de tudo uma oportunidade de expressar seu rancor contra o PT através de Malafaias como intermediários e servindo de escada para os tucanos, Aécio espertamente soube aproveitar a incompetência política de Marina para deslanchar.

    Não consigo entender a falta de iniciativa do PT em investigar o acidente já que Dilma foi a maior prejudicada pela trágica e suspeita morte de Eduardo Campos. Não vejo sinal de que o Brasil caminha para uma consolidação conservadora somente porque a vitória de Dilma foi apertada e isso obriga seu governo a negociar ou ceder, apenas uma onda do momento, o crescimento da direita ocorreu porque se beneficiaram de uma situação trágica e lamentável que foi a morte de um candidato que estava promovendo um debate mais qualificado. 

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