Fatiando a Lava Jato, STF quis dizer que não precisamos de um herói

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Luiz Flávio Gomes

O ministro Teori Zavascki pediu para “fatiar” a Lava Jato e o STF (em 23/9/15, por 8 votos a 2) aceitou seu pedido. Como ficou? A corrupção que tem fonte direta na Petrobras fica com Teori Zavascki (no STF) e Sérgio Moro (1ª instância); os demais “conluios delinquentes” envolvendo a cleptocracia (governo de ladrões) e o mundo empresarial-financeiro corrupto vai ser distribuído para outros ministros ou juízes do País (caso Mercadante/Aloysio Nunes/UTC já foi para o ministro Celso de Mello; caso Gleisi/Consist já foi para o ministro Toffoli e assim por diante).

O pedido do “fatiamento” partiu do próprio Teori Zavascki. De cada delação premiada saem dezenas de crimes. Como disse o próprio Teori: “Na Lava Jato a cada pena que se puxa sai uma galinha”. Implicitamente deve-se reconhecer o seguinte: nem ele nem Moro são hidras hecatônquiras e centopéicas (ou seja: eles não possuem 50 cabeças, 100 braços nem 100 pés).

Não é difícil compreender a divergência entre os ministros (8 votos a 2): alguns, ao “fatiarem” o caso Lava Jato, voltaram seus olhos apenas para as árvores nascidas a partir das tetas da Petrobras (composição majoritária); outros estão mirando o bosque (todas as árvores podres apuradas pela Operação Lava Jato). Nesse segundo grupo estão dois ministros: Gilmar Mendes (“um dos maiores, se não o maior caso de corrupção do mundo; os fatos atribuídos à Consist estão ligados com os da Petrobras, e a pulverização do caso em vários processos enfraquece a investigação”) e Celso de Mello (“Impregnou-se no tecido e na intimidade de alguns partidos e instituições estatais, transformando-se em método de ação governamental e em conduta administrativa endêmica”).

Entre o todo, não há dúvida, existe total sincronia (que vai muito além da diacronia, da frequência). Há conexão (no mínimo probatória – CPP, art. 76, III), portanto, entre todos os crimes do petrolão, da Eletronuclear, da Belo Monte, da Labogen, do André Vargas/Ministério da Saúde, da Gleisi/Consist etc.

Então tudo deveria ficar nas mãos de Teori Zavascki e Sérgio Moro? Sim ou não (pura questão de conveniência: a lei permite as duas soluções). O STF entendeu que o fatiamento seria mais racional. Entre pessoalizar o imenso trabalho (de investigação e processual) ou dividir a hercúlea tarefa entre vários juízes, decidiu-se por dividir o trabalho. Que os holofotes não fiquem todos em cima de Teori. Pura racionalização da divisão do trabalho (permitida pelo art. 80 do CPP).

Nossa desconfiança da Justiça. Uma das características de personalidade de muitos brasileiros é não confiar na lei nem na Justiça. Isso faria parte da sua “malandragem” (esperteza). Veem na lei a projeção do “pai europeu originário, pai português” (explorador, extrativista, abusador de índias e negras, pai ausente que despreza a prole, corrupto, sem ética, não respeitador da natureza, que busca enriquecimento rápido, difusor de desigualdades e de injustiças, violento, prepotente, aproveitador da sua condição de homem branco, muitas vezes proprietário etc.). Para 81% dos brasileiros o “jeitinho” é melhor que a lei (pesquisa da FGV). Outra característica de boa parcela dos brasileiros consiste em negar o modelo do pai ausente e aceitar (talvez até buscar) no lugar dele líderes (ou lideranças) locais ou nacionais autoritários que possam suprir a lacuna daquele pai ausente. São subservientes ou vassalos (adeptos da servidão voluntária). Questionar ou diminuir os poderes dos juízes que estão sendo percebidos como “heróis nacionais” é um problema. Mas não se pode esquecer que quem pediu o fatiamento foi o próprio Teori Zavascki, que é o ministro que cuida do caso Petrobras dentro do STF.

De forma implícita o STF está dizendo o seguinte: é triste o País que, para idolatrar o ancestral personalismo, precisa persistentemente de “heróis” (de salvadores da pátria). O desmembramento dos processos contraria o ethos (consciência moral e tradições) centralizador que marca nossa história (desde a colônia e o Império). Na Justiça criminal do século XXI, no entanto, o império tem que ser da racionalidade, não da emocionalidade (que é o combustível das massas rebeladas nas oclocracias).

Luiz Flávio Gomes é jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

12 Comentários

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  1. Saem galinhas. Tucanos não.

    “Na Lava Jato a cada pena que se puxa sai uma galinha”

    Sai galinha. Mas tucano não sai não. Até porque o Moro escolheu a dedo quais penas puxar.

    1. Perfeito, Cintra Beutler. E

      Perfeito, Cintra Beutler. E não é por falta de penas, já que essas aves de rapina as possuem em número até maior que as pobres galinhas.

      O ‘inclito’ jurista e professor que assina o artigo lança mão de uma ‘pesquisa’ de opinião, para conferir alguma credibilidade ao monte de bobagens que cuspiu através deste artigo asqueroso. Quem leu “Os números (não) mentem” identifica imediatamente o uso de falácia matemática, com o intuito de convencer leitores incautos. Mas comigo, cara pálida, não cola.

  2. Engraçado como a mafia dos

    Engraçado como a mafia dos bachareis se refereba um governo que nunca deu tregua a ladroes. Bom mesmo era nos tempos de FHC quando a honestidade era uma sensaçao termica pq tudo jogado para debaixo do tapete. Limpa essa tua boca doutor

  3. Teori Zavascki chutou a bunda

    Teori Zavascki chutou a bunda do Sérgio Moro. Se quiser acabar como um herói (louco como Hércules, morto como o “soldado desconhecido” ou desempregado como Simon Bolívar) Moro vai revidar. Se for covarde vai calar. Simples assim. Ha, ha, ha…

    Neste caso creio que Moro só é competente o suficiente para se calar. Ha, ha, ha… o moleque perdeu o controle da bola e levou uma bolada na cara. 

  4. Então……………..

    Então está decidido, pelo juiz da 1ª instância do Paraná . Não puxar jamais, pena de tucano !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  5. E A ZELOTES?????

    Tô esperando pela ZELOTES.   Ainda não acharam ninguém do PT tão rico que tivesse roubado TANTO ? Bah! que mancada heim?  Deixaram “vazar” as dívidas dos GRANDES sonegadores (ladrões de impostos, ou seja, dinheiro público real). Este ano serão sonegados mais uns 600 bilhões (conf. http://www.sonegômetro.com) para se somar a outros trilhões já somados antes. Quando isso vai para ou…..ser investigado? 

  6. Justiça para quem? PPPPs?

    Para 81% dos brasileiros o “jeitinho” é melhor que a lei (pesquisa da FGV).

    Talvez isso decorra da experiência que os brasileiros tenham com a justiça desde que tal instituição exista. Recomendo a Luis Flavio Gomes leitura do artigo de Eliane Brum para o EL Pais, onde conta a saga de Raimunda e João, mais uma em meio a tantas outros, na luta contra a desapropriação arbitraria realizada por Belo Monte. Essa mesma que esta ai enrolada na Lava Jato. Mais uma historia em que a justiça brasileira se mostra cega, surda, muda e vil. 

  7. Juiz teórico versus Juiz de fora

    A Lava Jato tem lado

    … lado B da JUSTIÇA

    enquanto isso…

    STF muda de lado ou de ofício

    nomeado por Édito Povo Nas Ruas:

    suprema corte de mestres e aprendizes

    será agraciada por Três Ordens Medievais:

    Guilda dos Barbeiros: na arte/ofício de sangrar

    Guilda dos Açougueiros: arte/ofício de fatiar e talhar

    Guilda dos Marmeleiros: ofício pâtissier real de marmelar.

  8. Psdb, modelo político ancestral onde circulam recursos de crimes

    Gilmar M. já atropelou a lei várias vezes para acobertar tucanos

    xxxxxxxxxxxxxxxxxxx

    De como o governo Lula profissionalizou a PF mas não a política

    http://www.contextolivre.com.br/2015/06/como-o-pt-blindou-o-psdb-e-se-tornou.html

    Luís Nassif    –   No GGN

    Mais do que questões partidárias, a motivação maior da Operação Lava Jato é a revanche de duas operações anteriores que foram sacrificadas pelo jogo político: a Satiagraha e a Castelo de Areia. …

    No primeiro governo Lula, o Ministro Márcio Thomas Bastos mudou a face da PF e do combate ao crime organizado no país. …

    Tinha-se, agora, pela primeira vez no país um sistema de combate ao crime organizado e, ao lado, um modelo político ancestral trafegando na zona cinzenta da legalidade, cujos exemplos anteriores foram as revelações trazidas pelas CPIs do Banestado e dos Precatórios.

    Estimulados, os agentes e procuradores saíram a campo para enfrentar o maior desafio criminal brasileiro: desbastar a zona cinzenta onde circulavam recursos do narcotráfico, de doleiros, de corrupção pública e privada, de esquentamento de dinheiro, das jogadas financeiras, e por onde passavam as intrincadas relações entre política e negócios que estavam na base da governabilidade do país.

    Duas das mais expressivas operações — a Satiagraha e a Castelos de Areia — pegavam o coração da máquina tucana.

    A primeira centrava fogo em Daniel Dantas, do Banco Opportunity, principal beneficiário do processo de privatização, sócio da filha de José Serra, administrador dos fundos do Instituto Fernando Henrique Cardoso, pessoalmente favorecido por ele, quando presidente da República,  em episódios que se tornaram públicos — como seu jantar no Palácio do Alvorada, cuja sobremesa foi a cabeça de dirigentes de fundos de pensão que se opunham a ele.

    A segunda, a Castelo de Areia, pegava na veia os acordos de empreiteiras com os governos José Serra e Geraldo Alckmin. Quem leu o inquérito garantia haver provas robustas, inclusive, dos acertos para tirar das costas dos presidentes de empreiteiras a responsabilidade criminal pelas mortes no acidente com o Metrô.

    No caso da Castelo de Areia, a alegação foi de que a investigação começou a partir de uma denúncia anônima. Especialistas que analisaram o inquérito, do lado das empreiteiras, admitem que não havia erro processual. O inquérito era formalmente perfeito. Terminou no STJ de forma estranha, negociado pelo ex-Ministro Márcio Thomas Bastos, na condição de advogado da Camargo Corrêa.

    A rebelião da primeira instância

    A anulação da Satiagraha e da Castelo de Areia nos tribunais superiores produziu intensa revolta entre juízes de primeira instância, MPF e PF.

    Tome-se o caso da Satiagraha.

    A lei diz que decisão de juiz de primeira instância precisa passar primeiro pela segunda e terceira instância até chegar ao STF (Supremo Tribunal Federal). No controvertido episódio da concessão de dois habeas corpus, Gilmar Mendes atropelou a lei e as próprias decisões do juiz Fausto De Sanctis e mandou soltar os detidos.

    Houve abusos, sim. O show midiático com a TV Globo, a prisão do ex-prefeito Celso Pitta, já doente terminal e outros. Mas também foi  divulgada uma conversa de Dantas afirmando que o desafio seria passar pela primeira instância, pois nas instâncias superiores havia “facilidades”.

    Conseguiu não apenas os dois HCs de Gilmar, como sua participação em dos factoides criados para a revista Veja e, depois, trancar a ação no STJ (Superior Tribunal de Justiça), de onde até hoje não saiu.

    Se os alvos fossem tucanos e o Ministro relator do STF Gilmar Mendes, não haveria problemas. Gilmar atropelaria a lei e concederia os HCs. E o Ministro Cardozo agiria valentemente em nome do “republicanismo”.

    Agora, tem-se na relatoria do STF um Ministro técnico, formalista, sem vinculações partidárias. No Ministério da Justiça, um Ministro anódino, incapaz de conter os abusos “em nome do republicanismo”. Na Procuradoria Geral da República, um procurador geral empenhado com a sua reeleição tendo como principal opositor um colega que critica sua “leniência” (!!!) na Lava Jato. Finalmente, uma imprensa que ajudou a liquidar com a Satiagraha pelas mesmas razões que, hoje em dia, defende a Lava Jato.

    Como é um jogo de poder, procuradores, delegados, Moro não se pejam em montar alianças com grupos de midia claramente engajados no jogo de interesses políticos e comerciais, alguns deles em aliança com o crime organizado.

    O jogo poderia ter se equilibrado um pouco se o PGR aplicasse a lei e atuasse contra vazamentos de inquéritos sigilosos ou pelo menos aceitasse a denúncia contra Aécio Neves. Seria uma maneira de mostrar isenção e impedir a exploração política do episódio.

    Mas hoje em dia a corporação MPF é fundamentalmente anti-PT. A ponto de fechar os olhos quando um ex-PGR, Antonio Fernandes dos Santos, livrou Dantas do mensalão e, logo depois, aposentado, ganhou um mega-contrato da Brasil Telecom, quando ainda controlada pelo banqueiro.

    Psdb, modelo político ancestral onde circulam recursos de crimes.

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