Finados, ancestralidade e um pequeno conto sobre a carência, por Matê da Luz

Finados, ancestralidade e um pequeno conto sobre a carência pra lavar a alma

Por Matê da Luz

Fazer parte, estar inserida, presente no contexto – estas são afirmações que sempre são marcadas com um X enorme no meu questionário individual. Tão marcadas que de uns tempos pra cá venho sendo cobrada – inclusive em temas relacionados à saúde – sobre a parte realente individual que me cabe. 

Explico: além da vontade natural e inerente ao ser humano em pertencer, carrego em mim uma carga de energias carentes que, fundadas ou não, fazem parte do meu ser desde que me conheço por gente. 

O que é que a carência em excesso traz de ruim, afinal de contas?

Quem é carente faz de tudo um tanto pra ser e estar e isso, alguns nascem sabendo e outros (como eu) não, pode ter efeitos sérios, que vão desde a não consolidação da auto-imagem, passando pela manutenção codependente da auto-estima e culminando em algumas questões mais profundas que, não por acaso, permeiam tudo o que tem relação com o ser si mesmo (o tal do auto que precede a estima, a imagem e tantos outros). 

Daí que vez ou outra a gente cai numa família já intensa e com seus próprios nós. Quem nunca? Ou melhor, quem não? Vale lembrar que é tarefa iminente a todos e cada um de nós a evolução neste plano, se assim acreditarmos, ou pelo menos fazer da vida por aqui uma existência digna – o que, ao meu ver, já é sinônimo da tal da evolução. E a família? Vai bem, obrigada. A família tem aquela avalanche de personalidades dominantes, né, se você observar bem a sua vai encontrar logo qual é a carinha dela: é uma família acolhedora? Faladeira? Silenciosa? Individualista? Invasiva? Festeira? Sofredora? Enfim, estes são alguns exemplos de características que podem existir nos grupos familiares mas, aqui, o que vale lembrar, tentando me manter na direção do texto, é que uma pessoa carente faz de tudo e mais um tanto pra ser e estar. 

Mesmo que esse tanto viole suas próprias características em detrimento ao contexto dominante da família. 

Ahhhhhhá, a culpa é da família, então?

Não, cara pálida, que eu não tenho mais idade pra culpar ninguém (estou na fase de desculpas, ou perdão, se assim preferir, e não é pouco dolorida, não, acompanhe). O que acontece é que quando um indivíduo abre mão das suas próprias características em prol do grande objetivo de fazer parte, matematicamente falando ele desrespeita as leis do pertencimento, onde é preciso que exista o um para que seja parte do grupo/conjunto. E é então que os finados entram na história e trazem a beleza de ser conduzida por um fio evolutivo (e que brilha, mas isso é assunto pra outro post, é um outro conto) que não deixa a peteca cair, e responder a “quem sou eu na fila do pão” começa a ter mais graça e fazer sentido.

Todo aquela carga da família acaba servindo de cardápio para que as pessoas encontrem sua identificação e, para a pessoa carente, quanto mais intensa e extensa for a lista, pior – é amplo o campo de exploração de “coisas que posso ser” quanto maior a oferta de características. A beleza de entender que é preciso ser um pra pertencer está justamente em encontrar o que realmente reflete do outro em si, e o dia de lembrar os mortos é uma excelente oportunidade para tal análise. Análise, aliás, é fundamental para fortalecer as bases da carência, e terapia convencional funciona bem (além de banhos de ervas, magias com velas e outras mandingas que eu particularment adoro e não abro mão!). 

A costura, o gosto pela renião de gente em volta da mesa, o contato com o invisível, a força e a presença do feminino poderoso: estas são algumas das características que desejo manter, em função da identificação e do prazer. Do que quero deixar ir, com respeito e compreensão, está principalmente um formato que chamo de culpa católica e, ainda, algumas cicatrizes também relacionadas ao ser mulher, presentes em diversas histórias dos dois lados da minha moeda e que, snif, acabam pesando que nem manteiga no lado da bolacha que cai (sempre mais e sempre reclamável). 

O que este dia de finados trouxe por aqui, num feriado de silêncio e auto-cura pós constelação familiar, foi uma sensação de profunda gratidão aos que vieram antes, mas mais ainda de compromisso alegre, honesto e preenchido com os que aqui estão e, claro, com os que vão chegar. 

Pertencer, afinal de contas, há de ser um inteiro mais tantos outros.

Mariana A. Nassif

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