Fisenge: As diferenças entre paradigmas e modelos de gestão

Surgem, repentinamente os críticos veementes das inovadoras legislações que atualmente regulam as relações de trabalho

Fisenge: As diferenças entre paradigmas e modelos de gestão

O Brasil assumiu, a partir das duas últimas décadas do século passado, quando se difundia de forma célere a tese da internacionalização da economia mundial, um compromisso com a modernização dos modelos de gestão praticados nas instituições, bem como nas empresas públicas e privadas. Instituiu, inclusive, um programa de governo voltado para a disseminação da cultura da qualidade e produtividade no país. Estabeleceu-se, ainda, à época, uma premiação que referenciava nacionalmente as organizações que se destacavam em aspectos de gestão nos diversos setores da produção e da economia. 

Registre-se que, naquele período, as principais companhias localizadas em países como Japão e EUA, e em continentes como a Europa, serviram de parâmetros do ideário de gestão a ser alcançado. Autores, consultores e personalidades nacionais e internacionais, desta área de atuação, transformaram-se em personagens reconhecidos, inclusive com constantes publicações de livros e matérias em expressivos veículos de comunicação. Suas apresentações em palestras e cursos superlotavam auditórios, salas de treinamento e centros de convenções em inúmeras cidades brasileiras. Multiplicavam-se as demandas nos estabelecimentos e nas instituições por formação continuada e capacitação que, inequivocamente, alavancaram o patamar das organizações brasileiras. Resgate-se que a engenharia nacional incorporou-se à causa, implantando e difundindo – nos segmentos público e privado – as teses que envolviam a necessidade de alcançar a qualidade e produtividade nos processos do país.

Anunciava-se como um imensurável valor à evolução das relações laborais. Os profissionais, técnicos e operários passaram a ser denominados colaboradores. A participação da força de trabalho na elaboração dos planejamentos estratégicos, a análise e transparência dos processos internos e externos, a consolidação do respeito nas relações hierárquicas, a longevidade dos empregados nas empresas e a participação nos lucros e resultados foram estabelecidos, entre tantos outros, como princípios a serem perseguidos incansavelmente pelas companhias e pelos órgãos públicos. E os exemplos da legitimação destes postulados se espraiaram, incorporando conhecimentos, conquistando incessantemente novos adeptos e democratizando os processos decisórios e de gestão nas diversas instituições.

Ressalte-se que, neste diapasão, o Brasil nos anos subsequentes elevou sua participação no mercado externo, incorporou estágios de qualidade e produtividade nas diversas áreas da economia e, em passado recente, alcançou, em pleno regime democrático, indicadores expressivos de desenvolvimento, o “pleno emprego”, a carência de mão de obra especializada, o resgate de passivos sociais históricos, o pagamento de antigas dívidas externas, uma balança comercial extremamente superavitária e a construção de reservas cambiais sólidas, transformando-se em nação influente e admirada internacionalmente.

Surpreendentemente, após uma década e meia deste século XXI, mais precisamente a partir do ano de 2015, o “denominado mercado”, com a contribuição de novos “selecionados e celebrados consultores” e com o apoio de determinados agentes de comunicação, redescobre a necessidade de restringir ainda mais as relações trabalhistas, criando paradigmas e comparações que, invariavelmente, reduzem salários e remunerações, assim como atingem, sacrificam e penalizam os “andares de baixo” em âmbito institucional, a sociedade e o conceito de soberania. Interrompe-se no país a evolução de um ciclo civilizatório que contou com a mediação, muitas vezes, da Justiça do Trabalho.

Surgem, repentinamente os críticos veementes das inovadoras legislações que atualmente regulam as relações de trabalho, os incentivadores de transformação de empregados em pessoas jurídicas, os executivos que propõem cortes de benefícios aprovados por meio de acordos coletivos e jurisprudências de tribunais superiores e os proponentes da “privatização, entrega ou capitalização” de empresas estatais estratégicas e lucrativas. Aparecem, igualmente, com ares de representantes da discutível modernidade, os difusores de propostas e tabelas de PMSO’s (Pessoal, Materiais, Serviços e Outros) regulatórios, porém sem divulgação de origem, métodos de cálculo, comparativos entre investimentos em segurança, formação continuada, cumprimentos de legislações inclusivas, tempo de permanência dos colaboradores nas instituições. Apresentam-se, subitamente, segmentos políticos que agridem a Constituição Cidadã e, inclusive, membros de novas castas do setor público, reinterpretando textos, considerados inexpugnáveis e absolutamente condizentes com um projeto de país econômica e socialmente desenvolvido e, principalmente, justo e soberano.

A simples existência de uma cláusula de anuênio em contratos coletivos de trabalho, até então um símbolo e um incentivo à fidelização da relação trabalhista entre as partes, torna-se algo “abusivo para o tal mercado e seus apologistas”.

É neste contexto que devem ser avaliados os desastres de Mariana e Brumadinho, sob a “gestão privada laureada pelo mercado” da Vale. Destaque-se que, enquanto empresa estatal, a Vale jamais foi atingida por sinistros desta natureza e magnitude. O Ministério Público do Trabalho (MPT) afirmou que a tragédia em Brumadinho é a mais grave violação às normas de segurança do trabalho. Este fato demonstra a significativa inflexão no modelo de gestão da Vale que, quando companhia estatal, investia em segurança e valores da cidadania. Em seus balanços, a empresa apresentava e exibia resultados compatíveis com a realidade de uma instituição compromissada com a legislação e o interesse nacional.

Esses desastres devem ser ressaltados como verdadeiras agressões à histórica capacidade de gestão da engenharia nacional, sempre preocupada com aspectos e cenários que se posicionam em estágios superiores e fundamentais, que vão muito além dos, inequivocamente também importantes, resultados econômicos.

Finalizando esta trilogia, a Fisenge registra a sua solidariedade com as famílias e a cidade de Brumadinho, vítimas desta inominável catástrofe. A Fisenge ressalta, também, a necessidade dos poderes públicos exigirem o cumprimento dos princípios, legislações e normas de segurança e de meio ambiente, bem como exige o controle social dos empreendimentos. E, por último, a Fisenge assume publicamente, uma vez mais, seu intrínseco, arraigado e profundo compromisso com a engenharia nacional e consagra seu histórico posicionamento em defesa da presença do Estado nas áreas consideradas estratégicas ao desenvolvimento e à soberania do Brasil.

Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (Fisenge)

20 de fevereiro de 2019

*Este é o último artigo da trilogia VIDA/ENGENHARIA/SOBERANIA/BRASIL produzida pela Fisenge.

 

Redação

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