Frente ampla, ao invés de polarização, por João Carlos Juruna e Wagner Gomes

É preciso aumentar e fortalecer um arco de alianças. O PT precisa refletir se quer construir uma arca de Noé para salvar poucos escolhidos ou uma arca de alianças

Por João Carlos Juruna e Wagner Gomes

Nos 19 meses em que o ex-presidente Lula ficou preso o Brasil mudou para pior. Com Lula livre esperava-se que os ventos da conciliação pudessem soprar mais uma vez entre a esquerda e o centro do espectro político. Entretanto, a palavra da moda desde a eleição de Jair Bolsonaro, a polarização, parece estar sendo instrumentalizada tanto por setores da esquerda, tanto quanto por setores da direita. Um discurso que prega que apenas dois polos devem sobreviver e disputar.

Lula precisa pensar que sua postura difere daquela com a qual ele se elegeu em 2002. Ele não fez um governo radical. O PT ganhou as eleições presidenciais em 2002, tendo Lula presidente e o empresário José de Alencar, como vice na chapa. Aquele PT, que fez uma heterogênea coligação com conservadores, como o PL e o PMN, além de obter apoio de grupos ligados a outros partidos conservadores, como o PP, o PTB e o PMDB, mostrou que estava pronto para trabalhar com outros setores da sociedade, além do seu nicho de esquerda, e conseguiu chegar à vitória e governar tentando ser progressista num mundo capitalista. É um quadro muito distante do que conhecemos no primeiro ano de governo de Jair Bolsonaro! Um governo que busca o radicalismo e o extremismo como opção.

Em seus primeiros discursos após sair da prisão, Lula, todavia, parece vestir a carapuça e retroceder no tempo em que era um radical, intransigente, em um partido que dava seus primeiros passos. Com isso ele cai na armadilha da polarização, rebaixando-se ao jogo bolsonarista.

Armadilha porque a guerra da polarização foi imposta por setores extremistas em várias partes do mundo. Eventos como o referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, o chamado Brexit, a eleição do mega empresário, Donald Trump, para a presidência dos EUA, a própria Lava Jato, no Brasil, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e o governo de Michel Temer, com sua reforma trabalhista e a PEC do teto de gastos, estão no contexto desta ascensão extremista. E ela não ascendeu por convencimento das massas ou por apresentar boas propostas para a vida das pessoas. Ascendeu atrelada à manipulação de conceitos – como contra tudo que aí -, das mídias sociais e até mesmo às custas da manipulação da legislação.

Será que Lula acha que pode virar esse jogo?

Em reunião com dirigentes petistas no dia 14 de novembro último, em Salvador (Bahia), Lula disse que “O PT não nasceu para ser partido de apoio”. Com isso ele quer dizer que o PT, sendo o maior partido da esquerda, vai impor suas candidaturas, manobrando para inviabilizar alternativas em seu campo?

A lógica formal de Lula parece incontestável. Mas ela esconde o fato de que o PT, mesmo sendo o maior partido de esquerda, em muitos casos corre o grande risco de perder. Ficou claro nas últimas eleições que muitos eleitores, no segundo turno, votaram em Bolsonaro ou anularam o voto para não votar no PT. Isso traz à discussão um fator fundamental: o antipetismo. E este é o fator polarizante que pavimentou a vitória de grupos extremistas no Brasil.

Lula pode apadrinhar candidaturas, como fez com Fernando Haddad e Dilma Rousseff, mas esta é uma relação que precisa ser repensada e melhor avaliada. No caso da ex-presidente Dilma, por exemplo, até o próprio Lula reconheceu, no livro A Verdade Vencerá, que “Ela cometeu muitos erros pela pouca vontade de lidar com a política”, e, desde meados de 2016, vivemos uma situação catastrófica que, em parte, resultou desta pouca vontade de lidar com a política.

Mas, qual é a saída?

O ideal, acima da mesquinhez de interesses partidários, é construir uma frente progressista mais heterogênea. Uma frente que se alargue até o centro e que, muito importante, conte com pessoas que proporcionem um diálogo francamente amplo. A maior diversidade no campo progressista elevará o nível do debate público e fomentará um ambiente social mais saudável.

O PT não vai deixar de ser um dos maiores partidos do Brasil se apoiar políticos eleitoralmente mais viáveis de outros partidos. Esta seria uma maneira de evitar o avanço da extrema direita, que é o que está acontecendo, com seu poder de destruição, com danos irreversíveis para os mais pobres.

O exemplo do gesto de Cristina Kirchner cabe aqui e nos mostra que a lógica “O PT não nasceu para ser partido de apoio” não é absoluta. Mesmo liderando as pesquisas, Cristina não foi a cabeça de chapa e sim Alberto Fernandéz, que foi chefe de gabinete de seu marido Nestor Kichner.

Precisamos fortalecer o campo progressista na política brasileira. Mas precisamos buscar melhorar este campo, deixando de lado, de uma vez por todas, o ranço do sectarismo e o espírito de gueto.

Se Lula quer continuar a ser o mito que ainda é, ele deve ser maior que pequenos interesses partidários e ter o bom senso para ser o gatilho que irá destravar o crescimento e a atualização da esquerda. Ainda está em tempo.

É preciso aumentar e fortalecer um arco de alianças. O PT precisa refletir se quer construir uma arca de Noé para salvar poucos escolhidos ou uma arca de alianças, visando um projeto com desenvolvimento econômico, com distribuição de renda e empregos.

João Carlos Juruna é secretário-geral da Força Sindical e vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo

Wagner Gomes é secretário-geral da CTB (Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil).

 

Redação

8 Comentários

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  1. Excelente artigo !!!! Concordo com todas as letras. Qualquer formação básica para uma frente ampla necessariamente passa por incluir o PT em sua composição. Há também que se pare de inflar egos. O Brasil precisa menos de egos e mais lideranças que absorvam as massas e os empresários. Deve-se pensar a medio e longo prazo em políticas estratégicas no ponto comum que se volte para a reindustrialização do país – visando a geração massiva de empregos. No momento, vejo com o embrião dessa Frente Ampla é a união entre Lula e Ciro, que devem fazer o chamamento para os partidos de centro.

  2. Lula e Cristina Kirchner decidiram por estratégias políticas opostas. E os resultados também foram opostos. Lula perdeu e ensejou a vitória de um fascista que está destruindo o Brasil. Cristina K. venceu e há esperança ao povo argentino.
    Mas por que políticos tão experientes tomaram decisões antagônicas ?
    A resposta já foi dada por Cristina K. naquele famosos vídeo em que desistiu de ser cabeça de chapa. Naquele vídeo ela justificou sua decisão baseada nos Princípios do peronismo: “Primero la Pátria, después el movimiento y por último los hombres”.
    Lula colocou seu partido como prioridade maior na estratégia eleitoral.

  3. Fantástico, duas centrais sindicais vinculadas a partidos políticos (Força Sindical = Solidariedade e CBT=PCdoB) fazendo de conta que representam os trabalhadores pedindo que o PT abra mão do seu protagonismo. Falta só na próxima semana algum representante da UNE fazer o mesmo.
    Querem enganar quem?

  4. Acho a avaliação simplista e tendenciosa. O chamado centro, há pouco mais de dois anos atrás, entrou de cabeça em um projeto de criminalizar o PT, apoiando a Lava Jato, e de golpe com o impeachment da Dilma. Deu asas ao bolsonarismo achando que depois iria controla-lo. Deu no que deu. Ciro Gomes foi sempre escorregadio e, apertado, declarou-se francamente anti-PT. O “centro” continua dizendo que o PT e Bolsonaro são extremos simétricos a serem evitados (com exceção da Miriam Leitão). Não se pode pedir ao PT que cometa suicídio. Além disso, o centro mostrou-se inviável politicamente, simplesmente porque é oportunista e não tem propostas. É ele mesmo o principal responsável por sua derrota.

  5. Nova era, novos tempos, Lula devia ter fortalecido os movimentos sociais. Estamos agora sem saber se lutamos pela nossa sobrevivência ou sobrevivência de direitos básicos que já estão sendo excluídos em tempo Recorde. Precisamos acordar meu povo e como diz Elza Soares ” Eu me pergunto: Onde essa porra vai parar?
    Revolução, só Che Guevara de sofá”.
    Vamos nos unir e lutar por nosso SUS ( que já agoniza), nosso ensino Público que está cada dia mais ameaçado e nossos direitos trabalhistas. (Primeiro a reforma trabalhista, depois a reforma da previdência e agora a carteira verde e amarela). Estamos a pouco passos da escravidão e vocês achando que Lula vai polarizar. Enquanto isso estamos sendo entregues.

  6. De acordo com os autores do texto:

    “A lógica formal de Lula parece incontestável. Mas ela esconde o fato de que o PT, mesmo sendo o maior partido de esquerda, em muitos casos corre o grande risco de perder. Ficou claro nas últimas eleições que muitos eleitores, no segundo turno, votaram em Bolsonaro ou anularam o voto para não votar no PT”.

    Se não tivessem inviabilizado eleitoralmente o Lula, ele teria vencido as eleições no primeiro turno. Ora, o Lula é do PT. O Haddad perdeu não só porque prenderam o Lula ilegal e injustamente mas também porque o amordaçaram, além de se valerem de fake news e outras cachorreiras. Mesmo assim, o Haddad fez muito.

    Tem que se ter uma frente, mas uma frente de esquerda. Nem mesmo o Ciro merece entrar nesse frente, pois é um oportunista. Quanto ao P$DB, ele tenta integrar tal frente a fim de sair do limbo nas costas do Lula, cuja prisão e amordaçamento foi em grande parte obra do P$DBosta. O PSDB tenta ressuscitar às custas da liberdade do Lula, para cuja prisão eles contribuiram enormemente.

    Foi a conciliação que levou ao estado de coisas atual. O momento é de confronto, inclusive porque os assaltantes do poder se dividiram na hora de dividir o butim.

    Divide and conquer!

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