Fundação Getúlio Vargas, “a” instituição que são muitas, por Frederico de Almeida

Entenda como o caso Decotelli juntou racismo com questões institucionais históricas da FGV

Imagens: Reprodução

Por Frederico de Almeida

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Sobre a polêmica de Decotelli e FGV [Fundação Getúlio Vargas], um fio de quem trabalhou na Fundação, para entender que “a” instituição são muitas. Segue o fio.

A FGV tem várias escolas (adm, economia, direito, sociais) no RJ e em SP, com perfis e tamanhos diferentes. Tem também institutos (como IBRE [Instituto Brasileiro de Economia] e IDE [Instituto de Desenvolvimento Educacional]) e consultoria em projetos.

Nas escolas há bastante diversidade, embora variável no tempo e no espaço. O comunista Tragtemberg, perseguido pela ditadura, foi acolhido pelo liberal Angarita na EAESP [Escola de Administração de Empresas de São Paulo]. Quadros importantes do PT e do PSDB passaram pela FGV. Claro: há limites e hegemonias (onde não há?).

Escolas e outras unidades trabalham com relativa autonomia, embora compartilhem mecanismos de gestão (RH, sistemas, etc). E há tensões históricas entre essa autonomia e tentativas de maior centralização vindas da presidência.

E há outra tensão: acadêmicos full time e gente de mercado. Essa tensão está no interior das escolas (vide Samy Dama), mas também na relação das escolas com os produtos mais rentáveis da FGV: consultoria em projetos e cursos de educação continuada.

IBRE e EAESP fizeram o nome da FGV na formação de quadros de Estado; CPDOC [Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil] é dos maiores centros de estudos históricos da América Latina e reuniu intelectuais incríveis; mais recentemente os cursos de Direito buscaram romper com o tradicionalismo da formação jurídica no Brasil.

Além disso, recentemente as escolas da FGV passaram por processo de maior inclusão, com programas de bolsas e iniciativas de valorização da diversidade interna, vindas de estudantes e docentes.

De outro lado, há os projetos, consultorias e cursos de educação continuada que são rentáveis e que bancam o investimento da FGV nas suas unidades propriamente acadêmicas. O público aí é claro: setor público (consultorias) e privado (cursos).

É aí que dá pra entender a polêmica do Decotelli e da vergonhosa resposta da FGV sobre ele (não) ser seu professor. Ele era professor desses cursos de maior captação financeira, sem os vínculos orgânicos das carreiras docentes das escolas e PPG [Programas de Pós-Graduação] da FGV.

Como disse em um tuíte aqui quando o caso estourou, Decotelli não é o único professor de educação continuada a se apresentar como “professor da FGV”. Tá errado? Não tá.

A questão é: o prestígio acadêmico das escolas e centros de pesquisa da FGV garantem valor simbólico aos seus produtos de mercado, e esses garantem recursos para investimentos acadêmicos. Inevitável que as coisas se confundam. Decotelli foi um curto-circuito nisso.

Fiz o fio pra mostrar que o caso Decotelli juntou racismo com questões institucionais históricas da FGV. E para alertar os defensores da relação entre universidade pública e mercado que mesmo uma instituição privada tem dificuldades em se situar sob pressões de ordens distintas.

Redação

3 Comentários

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  1. Eu não conhecia esse senhor, mas fiquei com ótima impressão pela sua inegável simpatia e excelente articulação verbal. Sua facilidade de comunicação contrasta com o discurso pobre e rastaquera do seu amigo Presidente. Seu discurso fluido e inteligente coloca Bolsonaro no devido lugar, ou seja, abaixo da linha do chão.
    O curriculum vistoso e respeitável o recomendava, embora não tivesse uma formação específica para o cargo em questão. Poderia ser um bom gestor e esse detalhe seria esquecido em nome da autoestima do negro brasileiro. Isso era, no meu entender, de altíssima importância.
    Caíram por terra os títulos de doutoramento e pós doutoramento e ainda sobrevieram dúvidas constrangedoras relacionados ao mestrado na FGV, negativa do orientador, etc. E a culpa não é das entidades e pessoas envolvidas. Tem mais a ver com oposição ao governo que ao suposto racismo.
    A FGV fica numa situação complicada ao se esquivar da relação acadêmica (comprovada) do Professor Decotelli. Lembra cursinhos e seminários de segunda classe e instrutores terceirizados para esfolar executivos endinheirados que se envaidecem com diplominhas e certificados encontráveis em arapucas do ramo.
    A alegria pela nomeação do Professor Decotelli se esvaiu. Ficou a tristeza e frustação pelo inevitável e naturalmente envergonhado pedido de demissão. Não posso defendê-lo. Errou. E nem posso me alegrar com o desfecho ridículo só para alfinetar Bolsonaro.
    Fiquei com pena do Sr Decotelli e nem lhe cobro explicações. Mas a Fundação Getulio Vargas precisa “discutir a relação” com o Decotelli e dar satisfação pública para convencer que não promove picaretagem com cursos caça-níqueis.

  2. Muito bom! Bem colocado!

    Só faltou dizer porque a FGV tem o nome de Getúlio Vargas, sendo a instituição mais antivarguista do país!

    Esquizofrenia ou efeito da colonização? Dá pra ser colonizado sem ser esquizofrênico? Como explicar o pobre de direita e o complexo de viralata fegevista?

    Pobre Vargas, saiu da vida para entrar pelo cano…

  3. FGV. Ode ao Fascista Assassino. Parceiro do Nazista Gaspar Dutra e Patrão de Filinto Muller, Alcino João do Nascimento e Gregório Fortunato. E não sabemos como chegamos até aqui em 2020? Pobre país rico….

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