Getúlio, Jango, Dilma: estabilidade democrática no Brasil

Getúlio, Jango, Dilma: estabilidade democrática no Brasil

Percival Maricato

Quem quer saber como se prepara um golpe contra a democracia deve ler sobre os períodos em que Getúlio Vargas e Jango foram presidentes. Era impressionante a vocação golpista da direita política ou militar, sempre apoiadas e açuladas pela mídia, esta, com raras exceções, era coerente e homogênea em sua vocação. O roteiro era sempre o mesmo e, visto como história, chega a ser enjoativo.

As tentativas de depor os governantes eleitos se davam ora via política, ora via militar. A direita nem sempre conseguiu seus intentos, mas criava instabilidade institucional e obrigava governos a fazerem concessões ou os impediam de implementar estratégias ou políticas desejadas. Reformas, nem pensar.

Livros como O Soldado Absoluto, em que Wagner Willian conta a história do general Teixeira Lott ou a mais recente biografia de Getúlio, de Lira Neto, demonstram como foi árdua a luta para manter presidentes eleitos e períodos democráticos. Até mesmo o cordato mineiro Juscelino Kubitscheck foi vítima de várias tentativas de golpe, uma para impedir que tomasse posse, dois levantes de militares da aeronáutica e várias conspirações durante seu governo, demonstração flagrante que o problema não era a ameaça comunista, mas tomar o poder, impedir mudanças, o que interessava.

A busca permanente de inviabilizar ou derrubar Getúlio Vargas, entre 1950 e 1954 talvez sirva de melhor exemplo de vocação golpista dessas forças, já que ele nunca foi nenhum modelo de esquerdista. Muito pelo contrário, flertou até com o nazismo, tinha  em seu passado o período em que foi ditador, quando entregou a mulher de Prestes a Hitler e permitiu a tortura de comunistas nas prisões, até que ficassem loucos. Não obstante, a UDN , a aeronáutica,  a marinha, a direita do exército, a mídia, tanto fizeram que o levaram ao suicídio, com a importante colaboração de seu capo guarda costas, Gregório Fortunato, que tentou matar Lacerda e acabou matando um oficial da aeronáutica.

Não se passava mês sem que se encontrasse um pretexto para pedir um impeachment. Conta-se que o brigadeiro Eduardo Gomes, já no final do governo, pediu que Afonso Arinos propusesse mais um pedido de impeachment e o jurista disse que de nada adiantava, pois não seria aprovado no Congresso. Sim, teria dito o brigadeiro, mas é o que precisamos para convencer as Forças Armadas a darem o golpe.

Também nessa época se descobriu um documento pela qual  Perón tentava formar um pacto com o Brasil e Chile, visando um processo de desenvolvimento em bloco,  independente dos EUA (lembra o Mercosul). Foi o suficiente para os golpistas agitarem todo o panorama político por mais de seis meses e mais pedidos de impeachment. Getúlio era apontado como querendo separar o Brasil dos EUA  e submetê-lo à liderança Argentina. Nada constava sobre submissão no documento e havia um trecho onde Perón dizia que o pacto devia ser tentado apenas com o Chile, já que Getúlio se recusava a aderir.  Este trecho jamais era citado nos jornais ou discursos. Aliás, qual o problema em se discutir desenvolvimento em bloco e maior autonomia?

Pode-se contar às dezenas as sacanagens desse tipo, até que se conseguiu encurralar Vargas no Catete  e ele preferiu o suicídio. Milhões de pessoas saíram às ruas, carros da  Rádio Globo e da Tribuna de Imprensa (Lacerda) foram incendiados, mas os golpistas já tramavam com Café Filho a tomada do poder. Nessa altura, voltava à cena a ala nacionalista e democrática do exército, liderada por Teixeira Lott. Foi ela quem conseguiu manter a democracia por mais alguns anos, até que a direita, política e militar, finalmente conseguiu o que queria: o poder absoluto, perseguido por décadas. Por ironia, políticos golpistas, Lacerda, Ademar de Barros e outros foram então afastados. Era pouco poder para muitos golpistas, venceram os que tinham as armas. Restou muitas lições que devem ser recordadas. 

Percival Maricato

Redação

10 Comentários

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    1. Não Rui …

      Como farsa. Como paródia. É isso que estamos assistindo hoje. Tragedia é algo muito mais profundo, sério. grave. O que temos hoje é uma comedia de erros, uma pantomima

  1. “Por ironia, políticos

    “Por ironia, políticos golpistas, Lacerda, Ademar de Barros e outros foram então afastados.”

    Não é ironia. A consequencia óbvia de toda e qualquer campanha de ódio é o terror. Os monstros saem do controle de qualquer um. É muita ingenuidade mesmo achar que podem manejar a ferocidade dos boçais. Nem mesmo os militares conseguiram.

  2. Espanto sobre espanto!

    Na cidade de Santos, a que vai faturar os negócios do pré-sal graças ao Mercadante, esperava numa fila de drogaria atrás de um senhor negro, portando a chave de um belo carro que vislumbrei no estacionamento. Ele vociferava contra a Dilma (isso  no estado aonde o psdb e o Alckmin é/está no governo faz 20 anos, produzindo forte regressão na Educação, Segurança, Transporte, água). Depois de eu pagar com uma nota de 20 percebi nas mãos do caixa que ela possuía um carimbo nada artesanal de um “FORA DILMA”. Cadê a ABIN?

  3. E o mais incrível é que os

    E o mais incrível é que os mais ferozes críticos hoje do governo veem em Lacerda um modelo de político. Se batem nele, é com muito cuidado, quase pedidno desculpas. RA é até engraçado = vê grandeze em Lacerda e FHC e, vira e mexe, cutuca Roosevelt – e ao mesmo tempo RA apoia a invasão do Iraque por Bush – que deu no que deu no oriente médio. Vá lá entender essa gente (rs). 

    1. É fácil entender, joel. São

      É fácil entender, joel. São uns simplórios. E é isso que os torna perigosos. Precisam, ppra compensar suas frustrações, inventar esses “bonecos de palha” como o “comunismo internacional”, a “cubanização”, o “bolivarianismo”, o “projeto de poder da esquerda, do PT”, etc. Assim tudo e qualquer coisa se justifica, principalmente a sêde de poder.

      O nazi/fascismo começou assim.

  4. É impressionante, qualquer

    É impressionante, qualquer politico progressista nacionalista vai ser duramente perseguido por esse grupo, que sai geração e entra geração sempre vai tê-los conspirando contra o povo brasileiro, parece que são parasitas implantados por uma força exterior a fim de minar o tônus vital da coletivadade brasileira, a fim de manter a nação brasileira escrava e dependente. Eles estão principalmente na mídia, e ocupando altos cargos burocráticos do Estado, e o que me é mais estranho, um dos locais em que estão muito concentrados é nas forças armadas, que deveria ser por excelência o núcleo do fator de defesa dos interesses nacionais, é onde mais se vê americanófilos dos mais devotados.

  5. Muito bem, porém.

    A historia do assassinato do major Rubem Vaz até hoje é simplificada com o tradicional: Fortunato tentou assassinar Lacerda e acabou matando o major…  Varios autores hoje colocam em duvida essa versão. Incluindo Lira Neto, que em seu livro parece não acreditar na versão oficial, dada por nada menos que o proprio Lacerda. E as investigações não chegaram a uma conclusão que validasse a versão lacerdista. Pela comoção com que foi tomada a população, instigada pela imprensa, terminaram o inquérito acusando Fortunato de mandante. Como seria se dissessem que o vestal jornalista Carlos Lacerdas tinha mentido? O que foi a gota d’agua para Getulio, quando ele teria dito a famosa frase “Eh verdade, então, que corre um mar de lama embaixo do Catete”.

    Fortunato mandou seguir Lacerda, fato. Mas a partir dai, naquela noite, na Rua Tonelero, foi so confusão e ninguém sabe (alguns sabiam) quem atirou no major… A bala que acertou Rubem Vaz era correspondente a arma que Lacerda possuia. Todos andavam armados naquele tempo. Roberto Marinho andou armado até sua morte. E quanto ao tiro no pé, parece encenação de Lacerda. 

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