Golpe miliciano em marcha, por Celio Turino

Para atuarem, as Milícias precisam da conivência da hierarquia policial, pois não faz sentido capitães e coronéis, de repente, se verem ganhando menos que seus subordinados, via arrecadação com serviço de segurança privada.

Golpe miliciano em marcha

por Celio Turino

O Brasil está na iminência de sofrer um golpe miliciano, a partir das PMs e grupos paramilitares vinculados.

I – Compreendendo a lógica do poder miliciano.

O que vem a ser o fenômeno das Milícias?

Formadas e continuadas a partir do estado do Rio de Janeiro, as milícias são compostas por Policiais Militares trabalhando à paisana, ex-militares das Forças Armadas, por vezes soldados que receberam treinamento especial, policiais aposentados, policiais expulsos da corporação e pessoas vinculadas. Inicialmente se constituíram para oferecer segurança ao comércio e moradores de determinada região, suprindo deficiências da segurança pública. No caso do RJ, com forte presença na zona oeste, mas não só, as pessoas se cotizam, pagam uma mensalidade e assim se sentem seguras. Como resultado, há uma redução nos pequenos crimes e um ordenamento na ordem local. Com isso as milícias vão se estabilizando e consolidando poder. É nesse momento que acontece o desarranjo.

Para atuarem, as Milícias precisam da conivência da hierarquia policial, pois não faz sentido capitães e coronéis, de repente, se verem ganhando menos que seus subordinados, via arrecadação com serviço de segurança privada. Com isso, boa parte, ou a totalidade, desses serviços acabam controlados pela alta hierarquia da segurança pública, seja de forma legal ou via prepostos. Essa promiscuidade é sustentada pelo pagamento de pedágio (suborno) que, em muitos casos se estendem a corporações inteiras, envolvendo delegacias e quartéis. Há os que não se submetem a este jogo, que, ou acabam perseguidos, ou colocados de escanteio, em funções inofensivas ao negócio da milícia. Toda essa engrenagem custa, e muito, aumentando a demanda por arrecadação.

A maneira para aumento da arrecadação é simples: quanto mais ineficiente a segurança pública, mais os empresários e famílias estarão propensos a pagar pela segurança miliciana. O fato é que pessoas ainda não se deram conta da perversidade dessa engrenagem (ou se deram conta, acomodando-se ou até mesmo criando formas de benefícios, como a intimidação e extermínio de pequenos e recorrentes assaltantes). A lógica é a seguinte: agentes públicos da segurança se veem estimulados a oferecer serviço cada vez mais precário para, na outra ponta, elevarem seus rendimentos via negócio privado da segurança.

Quanto mais ineficientes forem no trabalho fardado, mais irão engordar o próprio faturamento quando paisanos. Para que esta lógica funcione, a engrenagem de arrecadação precisa se movimentar de forma mais azeitada, não só dentro da corporação da segurança pública, mas também na Justiça e Política. E isso custo muito! São bocas e bocas cada vez mais gulosas. Isso faz surgir novos negócios: Gatonet; monopólio na venda de gás, com botijão pela metade (lembram-se da proposta do Bolsonaro, para venda de botijões com menor quantidade de gás?); loteamentos ilegais em áreas de mananciais, encostas, matas, desde favelas, e todos pagando por isso, por mais precário que seja o barraco (vide tio da primeira Dama, sargento da PM de Brasília, preso por extorquir favelados), até a construção de edifícios fora das especificações (vide edifícios que desabaram em Rio das Pedras, reduto eleitoral da familícia); venda ilegal de armas; serviço de guarda-costas para bicheiros e demais criminosos; transporte de valores oriundos do crime; assassinatos de aluguel (vide Escritório do Crime, com comando aparente do ex-Bope, capitão Adriano, com fortes vínculos com a família presidencial, recentemente morto na Bahia). Com o tempo também vão se acertando com outras facções do crime, seja em acordos de convivência/proteção, ou substituindo-os.

É toda uma engrenagem que movimenta bilhões e tem muito poder político (controlando eleitorados inteiros e elegendo muitos parlamentares, todos, cinicamente, com discurso da segurança pública e combate ao crime) e institucional. Esse poder foi ainda mais potencializado quando se associou ao fundamentalismo neopentecostal. A partir daí alçaram voo maior, disputando e ganhando o poder executivo em alguns estados e na república.

(Continuo esse artigo, quando descreverei o Golpe Miliciano na Bolívia)

Redação

3 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Não se pode deixar de mencionar que a Dilma permitiu que se armasse essa escumalha até os dentes, por ocasião da Copa e das Olimpíadas. É sempre bom lembrar desses fatos lamentáveis dos governos petistas. Não tem congregado mariano nessa história.

  2. Sr. Marco: Depois de ler o artigo, mais um que apresenta o descalabro insano em que estamos todos metidos, me deparo com seu comentário e me pergunto o porquê: o que o motiva? Por que “responder” aos desmandos atuais com “o que Dilma permitiu”? Penso nas razões e raízes históricas de nossos descalabros, muito anteriores, e que também chegam e envolvem os governos de Dilma e Lula. Mas dá para comparar? Dá para ignorar que lidaram de forma totalmente diferente do atual governo? Não, não há termo de comparação – em atos, políticas e declarações. Então, o que o faz nivelá-los? Só consigo ver um desabafo, um desagrado, mas não o que ajuda a pensar e a encontrar soluções. Acha mesmo que marcar sua posição é suficiente? Seu desabafo torna mais aceitável o declarado apoio e incentivo do atual governo a essas práticas? Ou será que só ajuda atenuar o fato que este governo não só é devedor, cúmplice, promotor, como fiel representante das milícias? E que diariamente rasga a Constituição e cospe em qualquer conduta civilizada? Sinceramente, qualquer tipo de comparação com governos anteriores – de Lula, Dilma, FHC , Itamar e até mesmo o de Sarney – é, no mínimo, de má fé.

    1. Prezada Janine, não é um mero desabafo, mas também é um desabafo, claro. Qual o problema de que seja um desabafo? O que você tem contra desabafos? Não vejo problema nenhum. Mas, antes fosse um mero desabafo. Mas é FATO. Nos governos do PT, e principalmente no primeiro governo Dilma, financiados pelo governo Dilma, os EQUIPAMENTOS REPRESSIVOS se multiplicaram, ficaram MUITÍSSIMO MAIS POTENTES, foram empregados DESMESURADAMENTE, eram centenas de bombas em poucos minutos sobre manifestantes, a máquina repressiva tornou-se GIGANTESCA. Ou não? VOCÊ NÃO VIU ISSO???!!! ONDE VOCÊ ESTAVA???!!! Foi no governo Dilma que a empresa CONDOR ARMAMENTOS NÃO LETAIS, fabricante de bombas, inclusive a “bomba azul”, proibida para uso urbano, cresceu ENORMEMENTE, com financiamento de um organismo público federal, a FINEP. Isso é fato. Não é apenas marcar posição, seja lá o que isso for. E o APOIO à repressão promovida pelo escroque Sergio Cabral aqui no Rio de Janeiro, isso não ocorreu???!!! O PT aliou-se, SIM, a escroques que antes criticava. Ou não? E também os apoiou, como recompensa, com o reforço do aparato repressivo e extorsivo. E, agora, vocês petistas do chororô, querem o quê? Que conversa fiada é essa “raízes históricas de nossos descalabros”? As “raízes históricas de nossos descalabros”, no futuro, estarão também fincadas no charco petista. Ou não? “O que ajuda a pensar e a encontrar soluções” deve se iniciar com um diagnóstico preciso e este não pode deixar de fora a participação dos governos petistas no AUMENTO DESCOMUNAL DA REPRESSÃO no País. Se não incluir este ponto, nada feito; é trabalho inútil. Chega de chororô, minha cara Janine!

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador