Governar é inaugurar obras?, por Edson Pistori

Governar é inaugurar obras?

por Edson Pistori

O título deste artigo reproduz a mesma indagação feita numa palestra pela renomada urbanista da Universidade de São Paulo, Raquel Rolnik, sobre a administração das cidades brasileiras.

Segundo essa autora, os gestores municipais, na sua maioria, concentram seus esforços na construção de obras novas, colocando em segundo plano a manutenção dos equipamentos já existentes que ficam, muitas vezes, relegados ao verdadeiro abandono.

A constatação da urbanista corrobora com uma opinião muito comum de uma parcela da população que avalia a qualidade “executiva” dos prefeitos pela quantidade de pontes, viadutos, asfalto, prédios, escolas ou hospitais novos que conseguiram construir durante seus mandatos.

Essa lógica predominante é reforçada na cabeça dos políticos pela crença de que a conservação e o reparo da infraestrutura instalada não resultam em tantos dividendos políticos e visibilidade pública quanto aos alcançados com a inauguração de uma obra nova.

Outro fator que explica o impulso, quase compulsivo, dos gestores em inaugurar obras é a relação “obra-eleição”. Sabe-se que os recursos públicos são uma fonte significativa de financiamento para o setor de construção civil. Por isso, as empreiteiras disputam na arena pública, por diferentes meios legítimos e ilegítimos, a destinação de fatias cada vez maiores do investimento público para serem aplicadas em novas obras.

A realização de obras, algumas nitidamente desnecessárias, é retribuída com polpudas doações legais ou ilegais para as campanhas eleitorais que, por sua vez, possibilitam mais chances de sucesso nas urnas aos políticos que auferirem essas doações ao custo de se tornarem mais dependentes dos empreiteiros para conseguirem manter seus “cacifes eleitorais”.

Assim, se estabelece um ciclo vicioso, movido por dinheiro e poder, que perpetua a associação de bom governo com a quantidade obras.

Em que pese o contexto adverso, está surgindo uma nova visão de gestão de cidades para a qual o bom governo é aquele que oferta serviços públicos de qualidade e não apenas inaugura obras.

É óbvio que a gestão de uma cidade não pode descuidar da infraestrutura. Mas esse aspecto é bem menos complexo de se manejar devido ao seu caráter objetivo e prático.

Vejamos o exemplo na área de saúde. A construção de um hospital ou uma Unidade de Pronto Atendimento – UPA, incluindo terraplanagem, fundações, argamassa, telhado e acabamento é uma iniciativa relativamente simples frente ao desafio de implantar o serviço de assistência dessa mesma unidade de saúde, que exigirá do gestor organização, expertise e destrezas para contratar equipes, mantê-las motivadas e mobilizadas, garantindo atendimento à população diuturnamente sem interrupção por falta de pessoal, equipamentos ou suprimentos.

Uma cidade de porte médio, a exemplo de Uberlândia, oferece diariamente a população mais de três centenas serviços. Manter esses serviços funcionando e oferecê-los com qualidade e eficiência para que eles sejam uma utilidade aos seus usuários, ao invés de um transtorno, é uma ação de governo muito mais relevante e com impacto muito maior para o bem estar da população do que a mera construção de prédios novos, viadutos e pontes.

Quem utiliza com frequência os serviços públicos sabe bem que eles precisam melhorar muito e tem potencial para isso. Precisamos, agora, de governantes que estejam dispostos a organizar bem esses serviços, saindo do varejo das obras ou das pequenas melhorias sem impacto substancial para vida cotidiana das pessoas.

O que desejamos enquanto cidadãos é tão pragmático quanto à construção de uma obra. Queremos que a eficiência do serviço de arrecadação de impostos seja diretamente proporcional à qualidade e à velocidade do Estado em prover bens e serviços.

Edson Pistori, advogado e Doutorando em Geografia.  

Redação

4 Comentários

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  1. Quem usa serviços são pobres, quem usa pontes são ricos

    Está aí a chave do problema, num país tão desigual, quem usa os serviços públicos de saúde e educação são as pessoas mais pobres. Quem usa pontes, viadutos, etc., é quem tem carro, portanto no extrato superior de renda. 

    1. quem….

      Tudo na matéria é verdade, mas também demonstra a visão esquerdista que nossa elite tem e seu anti-capitalismo tupiniquim: São as empreiteiras que corrompem o pobre do político? Ele só faz obras novas porque dá mais retorno politico e não porque vi superfaturá-las e ficar milionário com o dinheiro desviado? Ler a nossa imprensa explica muito da inocência nacional. Inocência de muitos, mas malandragem de alguns. Muita gente ganha com isto, inclusive da imprensa. abs. 

  2. Agora é doar obras

    O Temer quer doar 100 bilhões em obras públicas para as empresas de telefonia. É uma sangria social.

    As empreiteiras, que empregam muito mais pessoas e oferecem um produto indispensável, infra=estrutura, são multadas em bilhões, enquanto as empresas de telefonia, que empregam bem menos e prestam um serviço de péssima qualidade, tem suas multas bilionárias perdoadas, além de receberem bilhões de reais da sociedade em imóveis públicos.

    Estão saqueando a Nação.

  3. Não é, mas tem sido

    Governar não é só inaugurar obras, mas tem sido assim pelo menos desde JK: obra, obra, obra e mais obra, até não ter mais dinheiro nem para pagar o funcionalismo. Mas para o eleitor brasileiro, o governante bom é aquele que faz muitas obras, se ele é honesto ou bom administrador não importa.

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