Ronaldo Bicalho
Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Haddad: um liberal progressista?, por Eduardo Costa Pinto

Qual teria sido o motivo do Haddad ter recorrido as ideias de FHC para realizar um forte crítica aos segmentos industriais brasileiro?

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Enviado por Ronaldo Bicalho

Haddad: um liberal progressista?

Por Eduardo Costa Pinto

O artigo do Haddad hoje na Folha começa perguntando: “Existe uma burguesia industrial brasileira? Ela se comporta como classe, tem um projeto para o país?”

Ele começa fazendo as perguntas certas para entender a atual conjuntura brasileira e quais seriam os atuais motivos para os segmentos industriais (e suas confederações – CNI, FIESP, etc) hoje apoiarem o Bolsonaro.

Como fundamento para responder suas questões iniciais, Haddad vai recorrer às ideias do FHC da década de 1960 e sua teoria desenvolvimento dependente associado para concluir que : “1) os órgãos de classe dos industriais ‘só cuidam dos interesses particulares dos dirigentes quando falam em nome da classe’; 2) aos industriais, individualmente, ‘a ação política possível consiste na participação pessoal no jogo patrimonialista’.”

Qual teria sido o motivo do Haddad ter recorrido as ideias de FHC para realizar um forte crítica aos segmentos industriais brasileiro? Será que o Haddad foi o professor de ciência política do INSPER (licenciado da USP) ou o último candidato do PT a presidente da República ou as duas coisas?

Ao adotar tal caminho, Haddad realizou as perguntas certas, mas caminhou no sentido liberalizante ao utilizar as teses do FHC que articulam as ideias de jogo pessoal dos empresários no patrimonialismo e da inexistência da burguesia nacional e, consequentemente, da incapacidade de um projeto autônomo brasileiro.

Esse ponto é central e o FHC presidente vai utiliza-lo para justificar a abertura dos anos 1990 (adoção do neoliberalismo). Não acho que FHC presidente jogou fora as ideias do FHC intelectual. Pelo contrário, as ideias do intelectual serviram para legitimar a abertura dos anos 1990 do presidente.

Eu e o Rodrigo Teixeira argumentamos, em artigo publicado em 2012, que “há duas áreas de afinidade entre o neoliberalismo e a versão do desenvolvimento dependente-associado (do FHC intelectual dos anos 1960): i) à crença no progresso trazido pelo desenvolvimento capitalista da periferia; ii) à crença na ideia de que o desenvolvimento capitalista da periferia só será trazido por meio da abertura do mercado interno ao capital estrangeiro (os demais dependentistas, bem como o restante da esquerda, ao contrário, viam nisso o avanço do imperialismo e a condenação do país ao subdesenvolvimento e à heteronomia).”

Será que o Haddad também acredita nessa tese do FHC intelectual ou foi apenas um cacoete de professor de ciência política que quis mostrar erudição? Ou será que o Haddad pensou como um estrategista tentando trazer o FHC e o PSDB para o diálogo para construir uma frente anti Bolsonaro?

Outro ponto que acho muito controverso, foi a forma como o Haddad incorporou a visão do patrimonialismo do FHC (linha do Sérgio Buarque de Holanda), que argumenta que os dois problemas centrais do Brasil são o jeitinho do seu povo e o estado grande (transposição do estado português). Ou seja, nossos problemas seriam resolvidos com a redução do Estado que é corrupto e atrofia o progresso da nação.

Nesse sentido, concordo com o Jessé de Souza que essa visão do patrimonialismo brasileiro alimentou o lavajatismo assim como a ideia liberal difusa de que o problema do Brasil é o Estado, como se os nosso setores dominantes não fossem responsáveis pela nossa tragédia societal, mas sim o estado e o sistema político que impedem o nosso progresso.

Se Haddad escreveu como professor de ciência política ficou preso a uma interpretação que reforça a ideia que não temos capacidade de sermos autônomos e o que nos resta e se abrir (integração neoliberal) para combater os industriais “malvados”. Se for isso está completamente integrado com as ideias dos seus colegas do INSPER (Lisboa e companhia…) que dizem que não menos ultraliberais que o Guedes e pensam no social. Falácia, pensam igual ao Guedes sim…

Se o Haddad tentou uma estratégia política em atrair o FHC e o PSBD, acho que é uma estratégia, no mínimo, inocente, uma vez que o outro lado não quer esse diálogo.

Na verdade, acho que o Haddad escreveu como o professor e como o ex-candidato a presidente criticando o segmento industrial por apoiar o Bolsonaro e adotar uma estratégia particularista, buscando construir uma aproximação com os segmentos do PSDB e dos liberais anti Bolsonaro.

Ao fazer isso, acho que o Haddad ficou preso a interpretação liberal progressista da conjuntura economia e política, mesmo quando ele tenta ser mais radical.

Os liberais estão com o Bolsonaro haja vista o apoio as medidas econômicas do Guedes. Os grandes empresários conseguiram obter maiores taxas e massas de lucros nos últimos dois anos. Com quem então o Haddad acha que vai dialogar, com o Luciano Huck, com o Lemann, com o Armínio, com o Lisboa, com o PessoaSerá que o Haddad não entendeu o golpe de 2016?

O projeto de nação não vai sair dos liberais progressistas brasileiro, muito menos do INSPER, nem dos think tanks do Armínio e do Lemann.

Se não for um problema de interpretação, somente me resta afirmar que esse texto é uma ótima crítica de um “liberal progressista”.

Eduardo Costa Pinto – Professor do Instituto de Economia da UFRJ

Obs: Texto publicado originalmente no Facebook do autor

Ronaldo Bicalho

Pesquisador na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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