Haverá uma classe média ou só restará uma letra?, por Pedro Augusto Pinho

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Haverá uma classe média ou só restará uma letra?

por Pedro Augusto Pinho

O grande pensador e sociólogo Jessé Souza, em “A Elite do Atraso” (Leya, SP, 2017), antecipa estudo, que está em curso, e nos apresenta, ao lado da descrição da classe média, as suas frações. Transcrevo:

“Classe média é uma classe intermediária entre a elite do dinheiro, de quem é uma espécie de capataz moderno, e as classes populares a quem explora, ela tem que se autolegitimar tanto para cima quanto para baixo”. “Os quatro nichos ou frações de classe ……. denominamos fração protofascista, fração liberal, fração expressivista, que costumo apelidar de “classe média de Oslo”, e a menor fração de todas, a fração crítica”.

Como é óbvio, se há uma classe média, supõe-se uma classe alta e outra baixa. Se isto ocorreu, com razoável clareza na evolução da sociedade capitalista, o estágio atual do capitalismo – o financismo – provoca algumas novas considerações.

No capitalismo mercantil e no industrial, que conhecemos do século XVII a meados do XX, era fácil perceber o interesse da classe alta, a posição de capatazia, benevolentemente denomino gerenciamento, da classe média e da trabalhadora classe baixa. Cada uma com seus desejos, recursos e interesse em progredir.

Creio que em Norbert Elias li ser a moralidade o que distinguia a burguesia da aristocracia francesa, esta dominada pela devassidão, mas com intelectuais ainda hoje celebrados. Ali se fazia uma questão de definir modos e estilos de vida. Também em Elias se apresenta o confronto da classe média com a aristocracia prussiana, mas lá pelo conhecimento. Daí não haver um Saint-Simon ou um Chateaubriand naquela aristocracia germânica.

Mas neste colonizado Brasil, a classe média se forma sob a proteção do Estado, ou com o Estado, que é, no geral e com poucas exceções, o grande gerenciador dos interesses do estrangeiro e seus representantes nativos.

É preciso ter claro que, aqui e em muitos outros países, o Estado é o protetor e fornecedor de recursos para a classe alta, para os verdadeiros ricos e não para os assalariados.

Em artigos anteriores, procurei demonstrar que os golpes tinham, entre seus diversos interesses, o de evitar a industrialização brasileira. Recorde o de 1945, de 1954, de 1964 e, agora, da Lava Jato. O próprio golpe dentro do golpe, que sofreu Ernesto Geisel, levou o “neoliberal”” Figueiredo ao poder.

Mas a situação mudou. Leiamos a reflexão de Ruben Naveira:

“Ocorre que a classe média não se vê como classe dominada. Primeiro, porque ela almeja ascender à classe dominante (como se o poder no Brasil não fosse regido pela lei maior da concentração), e ademais porque ela sempre se prestou a instrumento da classe dominante para a dominação mais ostensiva das classes desfavorecidas. Ela, dominadora dos que lhe estão abaixo, pode não se ver como dominada pelos que lhe estão acima, mas é”. (Ruben Bauer Naveira, A Elite Brasileira Suicida-se, em GGN Jornal de todos os jornais, 07/02/2017).

Desde 1990, o capitalismo financeiro, que abrevio “banca”, domina o capitalismo.

Adrian Salbuchi, escritor argentino, no notável “El Cerebro del Mundo” (Editorial Solar, Bogotá, 2004), afirma que a banca é o Poder, e para exercê-lo e manter-se construiu uma “tecnoestrutura supranacional”.

Esta tecnoestrutura é composta de unidades financeiras, educacionais, de comunicação, de associações de classe (civis e militares) e de pesquisa, que permitem à banca agir, sempre, com precisão e oportunidade, em qualquer parte do mundo. Como se infere sem dificuldade, estas unidades são a nova capatazia. Agora globalizada.

Os exemplos são numerosos: a crise grega, as demandas financeiras de bancos alemães, a guerra na Síria, a guerra civil na Ucrânia, os golpes pró e contra muçulmanos no Egito e, também, algumas derrotas como a eleição de Trump e o Brexit.

Agora, caro leitor, o que teria a classe média, fora da produção de petróleo a grandes profundidades, tecnologia própria da Petrobrás, a oferecer à banca. Pois os controles e aproveitamento dos recursos naturais, biológicos, minerais já são realizados por empresas estrangeiras, e há muito tempo. A classe média só tem a oferecer a repressão policial. E esta não é cara; qualquer grupo mercenário pode ser usado.

Portanto, a classe média brasileira tornou-se descartável. Principalmente nas frações menos agressivas. E a invasão/provocação, sem qualquer receio ou pudor, com que os Temer, de todos os poderes (sic) da República, diariamente agridem a classe média, que os colocou lá, é resultado da inexpressividade de quem se posicionou do lado contrário a seus próprios interesses.

Veja, portanto, que a situação mudou, e a classe média, escravagista e obtusa, não percebeu.

Há duas ações que caracterizam a banca; uma delas é a permanente concentração de renda. Como alertou Ruben Naveira, como passar para outra classe se as “vagas” de lá decrescem.

Venho, desde os anos 1970, acompanhando empresas internacionais, parte pela necessidade profissional e parte pela curiosidade em conferir fatos com ideias. Quando do empoderamento da banca, pelas medidas adotadas por Margaret Thatcher/Ronald Reagan, cerca de 90 famílias controlavam perto de um terço dos fluxos monetários internacionais. Hoje menos de 50 respondem por quase a metade destes fluxos.

Não se trata de saber quem é rico ou muito rico. Mas, aos poucos, estes trilionários serão tão poucos que tornam inevitável uma catástrofe universal. Caso contrário eles serão derrotados pela pressão demográfica. E haveria então espaço para esta estulta classe média brasileira?

Convivo com esta classe. Assombra-me a ignorância de fatos e compreensão dos eventos mais evidentes. Os pobres, com quem também convivo, tem mais discernimento, ou sabem melhor o que lhes convém.

Também a classe média empresária parece não entender que o outro objetivo da banca é se apossar de todos os ganhos, de todos os setores econômicos, de todas as áreas de negócio. E isto, de início, significa mais trabalho e menos ganho, até só trabalho e o ganho de assalariado.

Fico portanto um tanto perplexo e um tanto no desalento de quem não vê uma saída capaz de articular o interesse nacional com a enorme maioria da classe média. E sem ela, os pobres também, pelos séculos de escravidão, quer pela etnia quer pela remuneração, ficam desnorteados, sem lideranças.

A preocupação do ensino no Brasil foi, quase unicamente, adestradora. Formar braços mais capacitados para o trabalho, nunca mentes mais capazes de pensar. E surge, como um bônus golpista, a escola sem partidos, ou seja, a escola do partido único, da doutrinação colonial, da ausência de crítica.

Se temos três classes, vamos reduzindo a uma, a mais pobre. A rica que não passar a superrica será engolida na concentração, a média, desnecessária, terá a remuneração da pobre. E está será reduzida pela contingência demográfica.

Para que Brasil? Países que chamávamos Líbia, Iraque, Ucrânia, Afeganistão já são colônias de empresas estrangeiras, cada uma com seu território, explorando um recurso finito, e com suas milícias para defendê-la. Aos poucos, insuflados pela banca, podem surgir movimentos independentistas, regionalistas e começarão a estilhaçar o Brasil. E as Forças Armadas, majoritariamente, poderia dizer integralmente, formadas pela classe média estarão discutindo corrupção, esquerdismos, comunismos e outras ideias divulgadas pela mídia da banca, sempre onipresente.

Será mais do que o suicídio de uma classe, será o suicídio de uma nação.

Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Grande e belo texto do nosso avô, administrador aposentado

    sinto o mesmo desalento.

    Mas é na leitura do GGN que acho que ainda há vida inteligente no Brasil.

    São poucos os que participam, parece até que os trolls fascistas são mais numerosos.

    Mas lembram-se que na França da ocupação nazista, os resistentes (verdadeiros)  representavam menos de 0,01 % da população (a proporção ridiculamente baixa só aumentou com o STO Serviço do Trabalho Obrigatório que “trocava” trabalhadores jovens para as fabricas alemãs alvo das bombas aliadas pelos militares prisoneiros nos stalags desde o verão 1940). Mesmo assim estas pessoas pensaram a ‘Nova França” que foi rapidamente implementada a partir do autono 1944…

    O grande problema é que não há G.I ‘s para libertar o pais…

    1. Tem quem confunda diagnóstico com prognóstico

      Olá, Ferreira Pinto. Bom dia, Amigo.

      O Manifesto Comunista não é um prognóstico, é um diagnóstico.

      Você tá mais por fora do que bunda de Índio.

      1. Prezado,
        Diagnóstico é o

        Prezado,

        Diagnóstico é o materialismo histórico, com sua consistência científica. O manifesto comunista é discurso ideológico e, como tal, é prognóstico.

  2. A oportunidade está nas mudanças

    (1) Constatação: o sistema de exploração capitalista chegou ao seu estágio máximo. O sistema financeiro, que não produz um prego e nem um pé de couve, expropria a riqueza produzida nos outros dois sistemas (industrial e agrícola).

    (2) Tendência: como a ganância é um impulso insaciável, haverá cada vez mais a concentração de riqueza e aumento da degradação nas condições de vida dos povos.

    (3) Crise: estamos historicamente pertos de um momento decisivo. O sistema financeiro tentará impor (pela força militar e pela manipulação das consciências) seu poder. De outro lado, uma força política ampla poderá se opor, impondo uma nova ordem social, econômica e política mundial.

    Quem vencerá ? Depende de cada um de nós.

     

  3. Os medíocres são descartados mas só depois de apoiarem golpes

    A classe mérdia é descartada pela elite, mas só depois da classe média apoiar os golpes da elite contra a classe baixa e contra a própria classe média, como ocorreu no golpe midiíatico-jurídico-parlamentar de 2016, em que a manada de patos amarelos foi decisiva para dar suporte ao golpe.

     

    Não existe classe média. Eu aprendi essa lição em 2007:

    “A classe média faz parte da classe trabalhadora
    Rodrigo Choinski 19/08/2007 16:21

    A diferença entre os pobres e a classe média é tão pequena, e a diferença entre a classe média e os ricos é tão gigantesca, que do ponto de vista meramente econômico é impossível traçar uma linha entre entre pobres e classe média.

    A frase abaixo é falsa:
    “A classe média, classe intermediária entre a burguesia e o proletariado”

    Não está nem perto de poder ser classificada como ‘classe intermediária’.

    A classe média diferencias-se apenas do ponto de vista ideológico, pois fazem parte da classe trabalhadora.

    Vejam dados do IBGE.”

     

    No Manifesto Comunista, Marx e Engels escreveram o seguinte trecho a respeito da classe média:

    “Os pequenos estados médios até aqui, os pequenos industriais, comerciantes e rentiers, os artesãos e camponeses, todas estas classes caem no proletariado, em parte porque o seu pequeno capital não chega para o empreendimento da grande indústria e sucumbe à concorrência dos capitalistas maiores, em parte porque a sua habilidade é desvalorizada por novos modos de produção. Assim, o proletariado recruta-se de todas as classes da população”.

     

    Deve ser em razão da proletarização da classe média que no início do Manifesto Marx e Engels escreveram que:

    “A história de toda a sociedade até aqu é a história de lutas de classes.

    [Homem] livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, burgueses de corporação e oficial, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em constante oposição uns aos outros, travaram uma luta ininterrupta, ora oculta ora aberta, uma luta que de cada vez acabou por uma reconfiguração revolucionária de toda a sociedade ou pelo declínio comum das classes em luta.

    Nas anteriores épocas da história encontramos quase por toda a parte uma articulação completa da sociedade em diversos estados [ou ordens sociais], uma múltipla gradação das posições sociais. Na Roma antiga temos patrícios, cavaleiros, plebeus, escravos; na Idade Média: senhores feudais, vassalos, burgueses de corporação, oficiais, servos, e ainda por cima, quase em cada uma destas classes, de novo gradações particulares.

    A moderna sociedade burguesa, saída do declínio da sociedade feudal, não aboliu as oposições de classes. Apenas pôs novas classes, novas condições de opressão, novas configurações de luta, no lugar das antigas.

    A nossa época, a época da burguesia, distingue-se, contudo, por ter simplificado as oposições de classes. A sociedade toda cinde-se, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes que directamente se enfrentam: burguesia e proletariado”.

  4. Como venho dizendo há um bom

    Como venho dizendo há um bom tempo: não existe capitalismo rentista. Quando o processo chega a este nível de acumulação e a produção humana cessa, sendo substituída pela mecanização, a humanidade, como um todo, torna-se supérflua, um estorvo. Alguém já viu banco emprestando bastante dinheiro em favela? Dá para entender, agora, por que se fala e se prepara a hecatombe nuclear? As elites devem ter um plano B de sobreviverem.

    Dinheiro em grande quantidade não é conforto, nem segurança é PODER! O fim do capitalismo desregulado é um buraco negro, ou seja, uma singularidade nas leis da natureza que o regem.

  5. bom post

    Nossa classe média é tragica.

    Não lê, não pensa, não analisa. Nem percebe que é desprezada pelos ricos e pelos pobres. 

    Superficial, tem odio à cultura, ao confronto de ideias.

    O único valor é o dinheiro e o unico objetivo é querer ser rica.

    Se dizem defensores da “meritocracia” mas querem mesmo uma boquinha, que pode ser uma bolsa de estudos, uma indicação de emprego, um jeitinho para conseguir uma facilidade.

    Triste!

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador