História institucional do Ministério Público brasileiro (5): quais os requisitos para ser PGR?, por Vladimir Aras

O cargo de PGR é uma unidade funcional isolada, à qual somente se chega por um processo político, no melhor sentido da palavra.

Autor: Oscar Niemeyer

do Blog do Vlad 

História institucional do Ministério Público brasileiro (5): quais os requisitos para ser PGR?

por Vladimir Aras

Depois de propor um pacto republicano, o presidente do STF resolveu, na primeira semana de julho de 2019, dar sua opinião sobre a escolha do próximo Procurador-Geral da República.

Toffoli acha que o presidente da República deveria escolher um subprocurador-Geral da República para o cargo e sugeriu uma de sua preferência. Tal opinião se volta contra a autonomia do Ministério Público, uma qualidade que é essencial à sociedade e à livre atuação da instituição, que não pode sofrer interferências estranhas em seus assuntos internos.

No mínimo, foge à liturgia uma declaração como esta. Mutatis mutandi, seria como o PGR opinar sobre quem deveria ser o presidente do STF, o que seria uma enorme descortesia com Sua Excelência.

Uma carreira de estamentos comunicáveis

A carreira do MPF é formada pelos cargos de procuradores da República (que atuam em regra em primeira instância), procuradores regionais da República (que atuam normalmente em segunda instância) e subprocuradores-gerais da República (que funcionam regulamente perante o STJ).

Porém, essa divisão não é estanque. Nem no Judiciário o é, já que desembargadores convocados atuam durante meses como ministros do STJ e juízes federais também funcionam como desembargadores nos TRFs.

A Lei Complementar 75/1993 tem solução semelhante, pois autoriza expressamente que procuradores regionais atuem perante o STJ, por exemplo, ou perante a primeira instância. Permite que membro de qualquer uma das instâncias da carreira, com a devida licença do CSMPF, atue noutra. Isso está expresso e é corriqueiro. Basta ver os arts. 47, 66, §2º, 68, parágrafo único, e 70, parágrafo único, da LC 75/1993. Transcrevo o primeiro:

Art. 47. O Procurador-Geral da República designará os Subprocuradores-Gerais da República que exercerão, por delegação, suas funções junto aos diferentes órgãos jurisdicionais do Supremo Tribunal Federal.
§ 1º As funções do Ministério Público Federal junto aos Tribunais Superiores da União, perante os quais lhe compete atuar, somente poderão ser exercidas por titular do cargo de Subprocurador-Geral da República.
§ 2º Em caso de vaga ou afastamento de Subprocurador-Geral da República, por prazo superior a trinta dias, poderá ser convocado Procurador Regional da República para substituição, pelo voto da maioria do Conselho Superior.
§ 3º O Procurador Regional da República convocado receberá a diferença de vencimento correspondente ao cargo de Subprocurador-Geral da República, inclusive diárias e transporte, se for o caso.

Assim se vê que, perante o STF, o Ministério Público Federal é representado pelo PGR. É só por ele ou ela. Os demais membros que atuam nas turmas da Suprema Corte são seus delegados. Não atuam em nome próprio, porque lhes falta a legitimação política que só o PGR tem.

O art. 66, §1º, da LC 75 confirma que o assento é exclusivo do membro da carreira que foi constitucional e politicamente legitimado a tanto, e não de um dos graus dessa carreira (os Subs):

Art. 66. (…).
§ 1º No Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior Eleitoral, os Subprocuradores-Gerais da República atuarão por delegação do Procurador-Geral da República.

Tal como se dá para com os juízes, em relação aos ministros do STF, a posição de PGR não faz parte da linha de promoção dos membros do Ministério Público. Não se chega lá por antiguidade nem por merecimento. Juízes não são promovidos a ministros do STF. Procuradores não são promovidos a PGR. O cargo de PGR é uma unidade funcional isolada, à qual somente se chega por um processo político, no melhor sentido da palavra.

As formas de acesso a esses cargos (ministros) e ao outro (Procurador-Geral) são politicamente simétricas: livre nomeação pelo presidente da República após aprovação da escolha pelo Senado Federal. A escolha por lista é um antigo pleito do MPF, que ainda não se tornou norma constitucional.

Essa simetria entre as formas de escolha dos ministros do STF e do PGR tem razões históricas, que veremos adiante, e uma justificativa estrutural: tais cargos do sistema de justiça têm forte feição política no desenho republicano. Entre outros motivos, são funcionários responsáveis pelo julgamento das mais altas autoridades da República e pelo manejo de instrumentos processuais da jurisdição constitucional. Por isso, dependem de seleção complexa, com legitimidade transferida pelo poder eleito, por meio do chefe de Estado, o presidente da República, e chancela da casa de representação da Federação, o Senado.

Mas quem pode ser PGR?

Até 1988, qualquer cidadão de notável saber jurídico e de reputação ilibada podia ser PGR. Bastava que estivesse na faixa etária constitucional. O último cidadão, um jurista, a exercer este cargo foi Sepúlveda Pertence (1985-1989), ele próprio depois nomeado ministro do STF (1989-2007).

No atual regime constitucional, os requisitos para ser ministro do STF e para ser PGR continuam muito parecidos: ter mais de 35 anos e elevado saber jurídico. Quanto aos ministros do STF, diz o art. 101 da CF:

Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Como se vê, há um requisito adicional para ser PGR: ser membro da carreira do MPF. Só.

Art. 128. (…)
§ 1º O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.

A formação jurídica se depreende do ingresso nessa carreira, e a reputação ilibada se deduz da permanência nela e da inexistência de sanções disciplinares.

A adição do pertencimento à carreira como requisito, novidade em 1988, está em consonância com a luta histórica do Ministério Público por autonomia, que se reflete também no artigo 129, §2º, da Constituição, segundo o qual as funções do Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira.

Ou seja, veda-se a figura do promotor ou procurador ad hoc, em todas as cadeiras da instituição. Um estranho à carreira não pode cumprir suas atribuições. Por sua vez, esse design institucional responde a uma necessidade garantista, a do promotor natural. Somente aquele específico membro do MP pode agir como acusador do cidadão suspeito de crime.

Retomando o fio da meada, já vimos que qualquer brasileiro formado em Direito com mais de 35 anos pode ser ministro do STF. Não é necessário ser ou ter sido juiz, membro do Ministério Público ou defensor público para virar juiz da Corte Suprema. Se para o mais alto cargo do sistema judicial do País não há restrição outra, porque se pretende criar uma nova para a ocupação do cargo transitório (pois com mandato de 2 anos) de PGR? Qualquer brasileiro formado em Direito, com mais de 35 anos e que seja da carreira do MPF pode tornar-se PGR.

A Lei Complementar 75/1993 não criou nem poderia criar (!) nenhum outro requisito para o exercício do cargo de PGR, além daqueles que estão na Constituição 1988. As restrições a direitos só se interpretam restritivamente. As participações no serviço público e na estrutura política da nação correspondem a direitos de cidadania, que não podem ser restringidos por “vontade”.

Não há na CF ou na LC 75/1993 uma “reserva de mercado” para um dos estamentos do MPF. Onde a Constituição não distingue, o intérprete não pode restringir. Os Subprocuradores-Gerais da República são apenas um dos graus da carreira, correspondendo hoje a 74 integrantes. Porém a carreira a que a Constituição se refere tem mais de 1.100 membros, conforme dados de 2019.

Se o constituinte ou o legislador tivessem o objetivo de restringir o acesso ao cargo de PGR somente a Subprocuradores-gerais, ou se pudessem fazê-lo, teriam-no feito expressamente. E não o fizeram. O art. 25 da LC 75/1993, lei orgânica projetada e estruturada por Subprocuradores-gerais, nada restringiu. Apenas repetiu, como deveria, os requisitos constitucionais:

Do Procurador-Geral da República
Art. 25. O Procurador-Geral da República é o chefe do Ministério Público da União, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, permitida a recondução precedida de nova decisão do Senado Federal.
A carreira do MPF é definida logo adiante no art. 44 da Lei:
Art. 44. A carreira do Ministério Público Federal é constituída pelos cargos de Subprocurador-Geral da República, Procurador Regional da República e Procurador da República.
Parágrafo único. O cargo inicial da carreira é o de Procurador da República e o do último nível o de Subprocurador-Geral da República.

O tema na história institucional

As histórias do STF e do MPF mostram que, pelo menos desde a primeira Constituição da República (1891), os requisitos para ser ministro do máximo tribunal nacional e para ser Procurador-Geral sempre foram os mesmos! Na República Velha, o PGR era escolhido entre os ministros do STF.

Dizia o art. 58, §2º, da Carta de 1891:

O art. 95 da Constituição de 1934 repetiu a fórmula do século 19: o Chefe do MPF seria o Procurador-Geral da República, de nomeação do Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, “dentre cidadãos com os requisitos estabelecidos para os Ministros da Corte Suprema”.
Em 1937, a Constituição outorgada por Getúlio Vargas repetiu o modelo. Pelo seu art. 99, o Procurador-Geral da República seria de livre nomeação do Presidente da República, “devendo recair a escolha em pessoa que reúna os requisitos exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal”.
A Constituição de 1946 não fugiu à tradição. Pelo art. 126, o Ministério Público Federal teria por Chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República, após aprovação pelo Senado, dentre cidadãos com os requisitos do art. 99, os mesmos exigidos dos juízes do STF.
O modelo não mudou com a CF de 1967. Segundo o art. 138, o Procurador-Geral da República seria nomeado pelo Presidente da República, depois de aprovação pelo Senado,”dentre cidadãos com os requisitos indicados no art. 113, §1º”, dispositivo que regulava a escolha dos juízes do STF.
Que lição se tira do modelo constitucional brasileiro vigente ao menos desde 1891?
Que há uma simetria mais do que centenária entre os requisitos para o exercício dos cargos de juiz do STF e de PGR.
Tal paridade continua intacta na Constituição de 1988, que não exige nada mais do que aquilo que ali está escrito:
Outra conclusão se tira da evolução histórica do tratamento dado ao cargo de PGR desde o século 19: o Procurador-Geral da República sempre foi o chefe do Ministério Público Federal. Isso não mudou em 1988, tampouco mudou com a LC 75/1993. Para ser PGR é preciso ter mais de 35 anos e ser membro do MPF.
Redação

1 Comentário

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  1. A montanha de merda desabando por conta da força tarefa lavajateira nomeada pela PGR e chefiada por um juiz ladrão e o procurador deitando prolixa falação e teoria sobre o topo da montanha de merda, passadora de pano para o gangster Michel Temer e para o miliciano Bolsonaro, que vai parir em breve uma nova PGR ou quem sabe, manter a atual, aquela que o fascista considere que vá lhe servir melhor. Brincadeira.

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