Italianos em São Paulo, por Walnice Nogueira Galvão

Italianos em São Paulo

por Walnice Nogueira Galvão

Antes mesmo da presença do casal Lina Bo Bardi e Pietro Bardi, a contribuição dos italianos e oriundi foi decisiva. Quem ignora que os melhores restaurantes do mundo são franceses? Menos em São Paulo, onde eles são italianos: hoje o Fasano, ontem o Ca d`Oro e o Massimo. Com o passar do tempo alguns desses imigrantes, ao enriquecer,  trocaram alianças entre pedigree e fortuna, tornando-se bom partido para as filhas dos barões do café arruinados. Matarazzo seria o rei da indústria e Lunardelli o rei do café, invadindo o baluarte da oligarquia nativa.

Os italianos foram figuras de proa na formação do proletariado paulista e na primeira greve geral operária de 1917. Chegaram a tempo de participar do Modernismo e da Semana de Arte Moderna de 1922. Nascido na Itália foi nosso maior escultor depois do Aleijadinho – Victor Brecheret, autor do Monumento às Bandeiras, no Ibirapuera. E outros eram oriundi, como a pintora Anita Malfatti e o poeta Menotti del Picchia. 

Os bairros que se tornaram o reduto dos imigrantes serviram para cenário dos livros do modernista Alcântara Machado – Braz, Bixiga e Barra Funda e Laranja da China –, que tematizaram a experiência deles e elaboraram sua linguagem. Mário e Oswald falam deles em poemas e em ficção, porém sem tanta exclusividade.

Vasta audiência teve Juó Bananere (pseudônimo de Alexandre Marcondes Machado) em jornais e revistas, criando um jargão macarrônico “italo-paulista” que tem suscitado teses de doutoramento. Escrevia engraçadíssimas paródias de sonetos, que de tão repetidos em escolas e festinhas familiares se tornaram kitsch, a exemplo de alguns de Olavo Bilac (“Ouvir estrelas”) e Raimundo Correia (“As pombas”). Tudo isso iria para o livro La divina increnca, do maior satirista do Modernismo. Não eram menos geniais as ilustrações de Voltolino, na pia batismal Lemmo Lemmi, autor do boneco de Juó Bananere.

A segunda geração modernista de pintores traria o Volpi das bandeirinhas e a Família Paulista; o Grupo Santa Helena (Aldo Bonadei, Clovis Graciano e vários outros ítalo-descendentes); e mais o Pancetti das marinhas, este vivendo entre Bahia e Rio.

Na música clássica, destacaram-se compositores como Radamés Gnatalli, que já veio batizado por um pai fã de ópera – gênero que nasceu na Itália – com o nome do protagonista da Aída, de Verdi. Outro, e não menos ilustre, foi Francisco Mignone, que assinou como  Chico Bororó suas composições populares que incluíam valsas, maxixes, choros. No momento, a pianista Josephina Mignone, sua viúva, aos 94 anos, está gravando todas elas em CDs.

Tomou também o rumo do Novo Mundo o maestro e violinista do Teatro La Scala de Milão Guido Rocchi, que aparece junto com Mário de Andrade na famosa foto do corpo docente, todo enfarpelado, do Conservatório Musical de São Paulo. Era marido de Teresina Carini Rocchi, protagonista do livro de Antonio Candido Teresina etc., que fala dos italianos militantes socialistas em São Paulo.  

Cantores populares não faltaram, como o grande Adoniran Barbosa, nome-de-guerra de João Rubinato. Outro foi Carlos Galhardo, que aportuguesou seu sobrenome Guagliardi. Isaurinha Garcia, que era Pancetti de mãe, sobrinha do pintor, nasceu e foi criada no Braz: donde seu leve anasalado, que, embora leve, é indisfarçável.

No cinema, empreendimento único foi a criação nos anos 50  da Vera Cruz, que ambicionava ser uma Hollywood ou uma Cinecità, iniciativa do industrial italiano Franco Zampari. Assentaria as bases do cinema profissional em São Paulo e deixaria formados diretores, atores, cinegrafistas, cenaristas, iluminadores, técnicos em geral, que fecundariam a arte futura. E nos legou um dos principais atores populares das telas brasileiras, que faria carreira longa e cheia de triunfos interpretando justamente um caipira, Mazzaroppi.

Nomes como Ruggero Jacobbi, Luciano Salce, Adolfo Celi, Aldo Calvo, Gianni Ratto, Flaminio Bollini Cerri, Mario Civelli, vieram para o Brasil para colaborar tanto no projeto da Vera Cruz quanto na criação do Teatro Brasileiro de Comédia, que profissionalizou o pessoal dos palcos e promoveu a renovação do repertório. 

Em seu conjunto, é uma contribuição inestimável.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

Walnice Nogueira Galvão

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  • 1.a República. República Paulista. Governo Liberal de Voto Livre e Facultativo. Já Fomos cabeça, mas em 1930 a metamorfose fascista esquerdopata nos transforma em rabo. Parabéns pelos exemplos. Poderiam ser outros milhares. Nação, Governo, Estado, Ideologias que transformavam Miseráveis em Elite Cultural e Financeira promovendo a Liberdade. Transformava com suas Políticas e Miscigenação outra parte da Sociedade Negra e Mulata, também em Elite Cultural, Política e Financeira. Machado de Assis, Nilo Peçanha, Rebouças,....Nunca mais em 1 século de História Brasileira depois do Golpe Civil Militar Caudilhista Fascista Esquerdopata Ditatorial Absolutista Assassino de 1930. Entendemos porque Nossa Elites a partir de então, endeusam o Caudilho, Familiares, Partidos, Ideologias, Lacaios. A construção da aberração tem alicerces em Brizola, Prestes, Jango, Tancredo Neves, Aécio, PDT, PTB, Ivete Vargas, Francisco Dornelles, Sindicalismno Pelego e outros facínoras. A ditadura e censura se tornamo norte do atraso tupiniquim. País de muito fácil explicação.

    • Faltou falar dos italianos fascistas de São Paulo e da estreita relação do integralismo de Plinio Salgado e Miguel Reale com o governo fascista de Mussolini. Não a toa as manifestações mais numerosas em favor do atual governo vem da classe média paulistana. Menos, muito menos e Viva Getulio Vargas e o PT do Lula.

      • As maiores manifestações contra o atual governo também ocorreram em SP... Claro, 45 mi de habitantes...
        Sobre a aproximação com o fascismo, isso não foi privilégio só desses aí não! Getúlio também admirava muito o governo nazista de Hitler. O Teatro Amazonas tinha belas decorações com a suástica nazista.
        Getúlio só entrou na guerra contra o Eixo porque foi obrigado.
        Aqui no Brasil não tem santo nem nunca teve.

      • Curioso que Getúlio Vargas que você citou foi o maior tributário do fascismo italiano, com o seu Estado Novo que copiou a legislação corporativista de Mussolini... Já os italianos mesmo, esses raramente eram fascistas, pois em sua maioria haviam chegado aqui antes dos eventos que deram origem ao fascismo na Itália.

    • É interessante mesmo. Em tese, a República Velha foi um governo oligárquico que via a questão social como caso de polícia. Mas nessa época aqui chegavam imigrantes sem tostão, e tornavam-se grandes nomes da economia e da cultura nacionais, integravam-se plenamente à sociedade brasileira sem formar guetos étnicos, compondo tanto os trabalhadores quando os patrões, podia-se fazer gozações como a caricatura de Juó Bananere sem que ninguém achasse politicamente incorreto...

  • Eu acho engraçado uns e outros por aí pregando a tolerância, a igualdade etc, mas não conseguem esconder a xenofobia por italianos...
    Ma que cazzo?!

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