La Belle Hélène, por Walnice Nogueira Galvão

La Belle Hélène

por Walnice Nogueira Galvão

Foi rara oportunidade assistir a uma opereta de Offenbach em São Paulo, no Theatro São Pedro, casa que se está especializando em programas sofisticados, fora de série. O grande compositor quase nunca é encenado por aqui.

Sob a batuta do maestro Cláudio Cruz, com uma orquestra afiada e afinada, não é brincadeira: são 3 horas de espetáculo. Como em geral nas divertidíssimas operetas de Offenbach, o cantor precisa também ser ator e, ao contrário do que acontece em óperas propriamente ditas, que são solenes e estáticas, ser capaz de dançar e saracotear.

Offenbach já era conhecido em seu tempo por ser buliçoso, piadista, incapaz de parar quieto. Esse temperamento aparece nas operetas, que debocham das virtudes e das instituições, caprichando na libertinagem. Assim, o Sumo-sacerdote Calcas rouba no jogo de dados… Ademais são movimentadíssimas, com coros cantados e dançados.

Offenbach compôs cerca de uma centena de operetas, afora muitas outras obras. Como passou anos candidatando suas peças à Opéra Comique e vendo-as sistematicamente rejeitadas, acabou por construir um teatro próprio, o Bouffes-Parisiens, que, como o nome indica, era para coisas bufas; e ainda lá está, funcionando.

O pano de fundo é o Segundo Império, aquele que começou por um golpe de estado, quando Luis Napoleão, eleito presidente da República, arvorou-se a ditador e suspendeu as liberdades democráticas, para depois sagrar-se imperador. Só seria destronado após a imprudente guerra franco-prussiana, tremenda derrota e humilhação para a França, caindo prisioneiro o próprio imperador na batalha de Sedan, em 1870. É só ver seus retratos em uniformes reluzentes de medalhas, sua imponência e sua vasta bigodeira para ter uma noção do que presidia e do que se passou durante sua gestão, em que a roubalheira infrene imperou.

É a crítica a esse período  que predomina na obra de Offenbach, cuja peça mais conhecida é o “CanCan” de Orfeu no inferno, que toca até em filme de Hollywood.

O libreto é de Meilhac e Halévy, seus parceiros preferidos. A música, quase sempre frenética, às vezes interrompida por belas valsas, é de primeira. As letras abusam de trocadilhos e onomatopeias, bem como da repetição de sílabas que redundam em disparates, com efeito cômico, sobretudo quando apoiadas pela música.  

La Belle Hélène é, é claro, Helena de Tróia, e quem vai à troça é a guerra de Tróia, para começar. E Helena também: vaidosa, narcisista, frívola, namoradeira, infiel. O entrecho é bem conhecido e começa pelo famoso Julgamento de Páris, quando o príncipe troiano é chamado para decidir qual a mais bela dentre as três principais deusas do Olimpo, se Hera, Atena ou Afrodite. A escolhida ganhará o pomo de ouro, colhido no jardim das Hespérides. Cada uma das deusas acena com a maior recompensa possível, mas quem leva a palma, ou o pomo, é Afrodite, que prometeu o amor das mulher mais bela do mundo. Ora, como todos sabem, essa é Helena, mulher do rei Menelau de Esparta, este por sua vez irmão de Agamemnon de Micenas. Páris vai a Esparta cobrar sua recompensa e depois de muitas peripécias rapta Helena e foge com ela. Assim desencadeando a guerra de Tróia, em que uma coligação de reis gregos comandada por Agamemnon leva dez anos para expugnar e destruir mediante incêndio a bela e rica Tróia. Tudo isso para vingar o ultraje.

Esse é em suma a intriga de La Belle Hélène, naturalmente ao modo bufo, e a opereta termina antes da guerra, quando Helena foge com Páris. Já se vê que Offenbach encontrou muita matéria para sátira nos costumes de seu tempo – um tempo de conchavos políticos e muita corrupção.

O Bouffes-Parisiens, passando de mão em mão e de séde em séde, continua em funcionamento. Depois de uma feliz gestão de vinte anos por Jean-Claude Brialy, se o leitor estiver interessado pode assistir na temporada 2017-2018 ao espetáculo solo do excelente ator de cinema Fabrice Luchini. Este também é o autor da peça que se intitula Les écrivains parlent d´argent – e que consiste numa seleção de textos de grandes escritores da França tendo por tema o dinheiro. No momento, o sucesso é certeiro.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP
Walnice Nogueira Galvão

1 Comentário

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  1. Offenbach

    Muito bom, Walnice. E o Bouffes-Parisiens é um sopro do livre pensar pouco permetido nestes tempos de droiture, como dizem os franceses. Conservadorismo, dizemos nos. 

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