Lendari escreve ao leitor: “Não permita que pequenas editoras fechem as portas”

No grupo de pequenas empresas estão as editoras que fornecem milhões de títulos para o mercado nacional de livros. As mesmas editoras que hoje abrem mão de suas receitas para ajudar na quarentena da população podem fechar as portas amanhã.

da Editora Lendari

Carta aberta aos amantes de livros

Há uma cena no filme “O Dia Depois de Amanhã” (2004) em que um grupo de personagens está isolado na Biblioteca Pública de Nova Iorque depois da cidade ser invadida por um tsunami e literalmente congelar com a queda brusca da temperatura causada pelas mudanças climáticas. Em certo momento, eles precisam usar os livros para fazer fogueiras e, assim, se manterem aquecidos e vivos. Numa sequência, enquanto apanham as obras que serão sacrificadas, um dos personagens abraça uma Bíblia, o que chama atenção de uma colega de isolamento:

— Acha que Deus pode te salvar?
— Não. Eu não acredito em Deus.
— Está abraçando a bíblia bem apertado.
— Estou protegendo-a. Essa bíblia foi o primeiro livro impresso. Representa o surgimento da era da razão. Se quer saber, acho que a escrita é a maior conquista da humanidade. Pode rir… mas se a civilização ocidental estiver com os dias contados, salvarei pelo menos um pequeno pedaço dela.

Como no filme, estamos matando o planeta diariamente e lidando com as consequências. Não na mesma velocidade apresentada na ficção de Roland Emmerich, mas com dramaticidade estranhamente similar. Hoje o que tem nos assustado é a pandemia mundial de Corona Vírus (COVID-19), que já matou alguns milhares na Itália e alguns no Brasil, apesar do presidente da nação não apenas negar, mas como fazer descaso e literalmente atrapalhar as ações paralelas dos governos estaduais para conter a crise de saúde pública.

Chamei atenção para a cena do filme em questão porque, hoje, como forma de conter o avanço da doença, estamos isolados em nossas casas – ao menos, quem tem o privilégio de fazê-lo. Diante da solidão e do tédio, são os filmes, as músicas e os livros que têm reduzido a angústia e proporcionado um pouco de escapismo. A arte e a cultura, tão defenestradas por Bolsonaro e seu gado cego, são um dos pilares que nos salvam. O outro é o sistema de saúde, o SUS, e seus milhões de funcionários públicos, apesar dos esforços das políticas neoliberais de desmantelá-los.

Escritores e pequenas editoras da todo o país ajudam no processo. Estão abrindo mão de receitas e deixando milhares de títulos gratuitos nas lojas digitais para dar sua contrapartida no imenso esforço de isolamento que tem sido feito por uma parte da população. Há poucos dias, a Lendari fez um post pedindo que os leitores retribuam deixando comentários, resenhas, avaliações e, mais importante, que passem a acompanhar estes produtores culturais para quando a peste passar.

Mas há uma recessão a caminho. Toda crise de saúde de grandes proporções gera impactos na economia e os pequenos, como sempre, vão pagar o pato. Não é a FIESP que pagará. Não é o veio da Havan. As grandes empresas vão sobreviver, mas para isso cortarão empregos, salários (com autorização do presidente), direitos… As pequenas empresas não vão aguentar. No grupo de pequenas empresas estão as editoras que fornecem milhões de títulos para o mercado nacional de livros. As mesmas editoras que hoje abrem mão de suas receitas para ajudar na quarentena da população podem fechar as portas amanhã. Não é alarmismo, é a realidade.

O número de downloads gratuitos, como é de praxe, é elevado. O que não é ruim, pois mostra interesse e necessidade do público pela leitura. Mas o número de livros baixados de forma legítima costuma ser maior que o de vendas em um ano inteiro, o que nos traz à reflexão. A maior parte destes livros, hoje gratuitos, são baratos, variando de R$ 6 a R$ 10. Não é das grandes marcas e suas sagas estrangeiras que estamos falando. São de pequenos editores e escritores que investem muito para ter muito pouco retorno – ou reconhecimento.

Se você, amante de livros, gosta desta diversidade de obras no mercado, nacionais e internacionais, é chegada a hora de dar sua contribuição. Não permita que pequenas editoras fechem as portas. Não deixe que autores independentes parem de produzir. Visite seus sites, suas lojas, clubes de assinatura, campanhas no Catarse. Ajude, compre seus livros, apoie suas iniciativas.

Não será fácil para ninguém. Mas é hora de resiliência, união e solidariedade. Como já diziam os Titãs, em “Comida”, “A gente não quer só comida / A gente quer comida / Diversão e arte”. E quando as pestes – as biológicas e as presidenciais – passarem para os períodos obscuros da História, poderemos, como nas estrofes seguintes, viver mais dias de liberdade: “A gente quer saída para qualquer parte”.

Se a civilização literária estiver com os dias contados, salvem pelo menos um pequeno pedaço dela.

Mário Bentes,
Editor-chefe
Lendari

Redação

3 Comentários

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  1. Que lindo texto. Me identifico com sua linha de raciocínio e pensamento e peço permissão para compartilhar um trecho dele no perfil de meu Sebo.
    Falei isso em casa, que a recessão vai maltratar os pequenos. Até sugeri para fazermos a feira em um mercadinho pequeno, aqui do bairro.
    Irei faze minha parte para com as pequenas editoras e escritores.

    Salutar para a vida.

  2. Qual é pior para os despossuidos: a crise sanitária ou a crise econômica?

    De acordo com o Acabousonaro, a crise econômica é pior do que a crise sanitária. Então esqueçam a crise sanitária e saiam do isolamento e vão trabalhar. Ou a crise sanitária ou a crise económica. Ora, quando irrompeu a crise sanitária, economica, a crise econômica já estava instalada e se aprofundando há um bom tempo. Portanto, a crise econômica não tem relação com a crise sanitária.

    Se a curva de disseminação do vírus não for achatada, isto é, se não se mantiver o isolamento social, a crise económica vai se aprofundar muito mais do que se apronfundaria se se estabelecesse e se mantivesse o isolamento social

    Dos males, o menor

    Um Comentarista no G1 disse que se o Empresário não vender, ele não tem como pagar os empregados. Ora, o Véio da Havan disse que todo mundo vende a crédito. E diise mais que tem muito dinheiro; que não depende das suas lojas para viver; que pode fechar as suas lojas e ir para a praia, enquanto seus empregados vão para a rua da amargura. Logo, o pagamento dos empregados não depende, durante certo período, das vendas a crédito feitas pelo patrão.

    Podia se fazer um plebiscito ( ou seria aquela outra consulta popular cujo nome não me recordo agora? ) para a população decidir se deseja se expor ao virus a fim de salvar a moribunda economia ou se prefere se isolar para salvar pelo menos a propria pele.

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