Livros que não esqueço (VII)
por Izaías Almada
VICTOR HUGO: OS MISERÁVEIS
A partir de um pequeno furto praticado por um senhor de nome Jean Valjean, o escritor francês Victor Hugo constrói um dos grandes romances da literatura universal.
A narrativa da história de Valjean, com todas as peripécias que ela contempla, o seu furto para alimentar a família, sua prisão de dezenove anos, as pessoas que fogem dele ou mesmo o agridem ao deixar a prisão através de um ardil e tentar não ser reconhecido, tudo isso é o desenho da superfície de uma sociedade que fere e machuca as pessoas por dentro.
A fuga de Valjean se dá por acidente. Javert, o policial que o persegue é salvo da morte pelo prisioneiro que procura, invertendo-se a máscara das relações sociais. Muitas vezes vemos o que não é e nos esquecemos de buscar ver aquilo que realmente é…
Ao ter que mudar de nome, Valjean enfrenta a dissimulação, a hipocrisia e o preconceito à sua volta. É por aí que caminha Victor Hugo quando pinta o quadro cruel de uma França pós-revolucionária e pós-bonapartista, com sua enorme população de miseráveis em busca de pão, casa e trabalho.
Liberdade, igualdade e fraternidade! Como isso fica bonito numa bandeira, não? O que pensariam disso, Fantine, Cosette, Marius, o próprio Valjean e outros milhões de franceses que perambularam pelas ruas de Paris e outras cidades francesas? Que pensaria o menino Gavroche morto numa das batalhas na revolução de 1830?
A pintura de Victor Hugo acima referida capta um momento de grande transformação na história da humanidade, onde as desigualdades sociais se manifestam de forma violenta. Onde reis e senhores de terras não querem abrir mão dos seus privilégios e quando só resta aos miseráveis a revolta violenta pelas armas.
O mundo dá voltas, mas o eterno problema da injustiça social continua cada vez mais presente e o desprezo a essa questão pelos donos do capital nos dias atuais pode incendiar o nosso planetinha, como o fizeram os miseráveis franceses dos finais do século XVIII e início do XIX ou até mesmo os palhaços que se insurgem contra o poder do dinheiro em Nova York, perdão pelo ato falho, eu quis dizer em Gothan City do século XXI.
JEAN VALJEAN E O CORINGA
Estava eu a iniciar esse artigo quando fui ver o filme criado pelo realizador Todd Phillips que tem levado milhões de pessoas às salas de cinema mundo afora. Merecido? Eu diria que mais do que merecido. Ver o filme é levar um soco bem encaixado na boca do estômago.
Violento? Claro que é… Desnecessariamente violento? Não, nem um pouco, pois a violência explícita, aquela que se vê com o coração a pular, não é a que mais incomoda. A que mais incomoda é a violência que o cinismo dos donos do dinheiro procura esconder: a violência do preconceito, a violência da falta de emprego, a violência das drogas como alívio para o pessimismo que alimenta as depressões e as tentativas de homicídios e suicídios em massa.
Não dá mais para tapar o sol com peneira, senhores. A terra é redonda, os desastres climáticos podem reduzir nossas fontes de sobrevivência… E o mundo pode se transformar num grande manicômio. Exagero?
A história de Todd Phillips nos dá uma pista sobre isso. O Coringa é irmão de sangue de Bruce Wayne o menino que, quando crescer, vai tentar salvar o mundo dos “homens maus”.
Mas, afinal, quem são os “homens maus” da nova Gothan City, essa do século XXI? Os miseráveis de Victor Hugo? Os palhaços que apoiam o Coringa? Ou aquele 1% das estatísticas e pesquisas sobre as desigualdades sociais e a distribuição da riqueza?
A risada do Coringa é uma risada de dor…