Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
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Lula na fake ficção de Míriam Leitão, por Urariano Mota

Lula na fake ficção de Míriam Leitão, por Urariano Mota

Na quarta-feira 15 de agosto, o jornal O Globo publicou um típico artigo de Miriam Leitão. Nele, a senhora que um dia militou contra a ditadura comentou o texto de Lula, publicado no New York Times. É claro, o artigo de Lula, o mais ilustre preso de todo o mundo, foi um feito. Portanto, havia de merecer defeitos e uma desfeita. E Míriam Leitão cumpriu o mandado. Comecemos por uma das suas pérolas:

“Essa divisão do mundo entre esquerda que quer combater as desigualdades e direita que conspira contra o progresso social, e por isso está dando um golpe, é uma simplificação que convence estrangeiros…”.

Ora, a divisão do mundo entre esquerda que combate as desigualdades sociais, o que não é só um querer, pois vai mais longe, e a direita que conspira contra o progresso social, não é simples, nem muito menos uma simplificação. Na história, pelo menos  desde a Revolução Francesa, a pisada é essa. Desconfio, até em nome da boa-fé, que Míriam Leitão deve saber disso. Mais, se ela pudesse manter uma independência de análise, não deixaria de reconhecer que as ditaduras no Chile, no Brasil, e na sua mais recente versão de golpe à brasileira, bem ilustram a “simplificação” de que a direita conspira e tenta derrubar as conquistas populares mais elementares. Mas manter um posto bem pago  na mídia do capital tem seus custos pessoais, dolorosos para quem tem consciência, mas quem não a possui renuncia de bom grado ao pensamento livre. Compreendemos. Mas compreender não é perdoar, porque em outro trecho a jornalista de mercado comete:  

“Lula defende a tese de que o país vive um ‘golpe de Estado em câmera lenta’, no qual a sua prisão é a última fase. Diz que sua condenação se baseia apenas no depoimento de uma testemunha que recebeu redução da pena pelo que disse sobre ele…. Segundo Lula, o juiz Sérgio Moro se tornou um intocável graças à blindagem da imprensa de direita. Esqueceu de dizer que as decisões de Moro foram confirmadas por um tribunal de segunda instância e têm sido mantidas em todos os recursos à terceira instância e à Suprema Corte. E que no Supremo a maioria dos ministros foi indicada em governos do PT, e inclusive um deles foi advogado do partido”.

Um dos recursos mais frequentes da direita é difamar dizendo que combate a difamação. De passagem, anoto. Quando narrei em “Soledad no Recife” e no mais recente “A mais longa duração da juventude”, que Soledad Barrett havia sido morta grávida, com um feto expulso na tortura, houve quem comentasse que isso era calúnia plantada pela esquerda para fazer propaganda política.  E no entanto, na história pesquisada fora do romance a gravidez da bravíssima Soledad estava e está documentada em muitos depoimentos. 

Assim, quando Lula escreve que o país vive um golpe de Estado, no qual a sua prisão é uma fase, em que o juiz Sérgio Moro se tornou intocável, blindado pela direita na imprensa,  isso não é  montagem do Brasil nem invenção de conveniência. Chega a ser constrangedor, pela mediocridade e miopia, Míriam Leitão afirmar que “decisões de Moro foram confirmadas por um tribunal de segunda instância e têm sido mantidas em todos os recursos à terceira instância e à Suprema Corte”. Ora, ver as decisões do judiciário brasileiro como expressão da Justiça é o mesmo que adorar como reencarnação divina  a perseguição do Lawfare, a guerra jurídica que se faz contra Lula. Ele é o personagem que ainda não foi morto em razão da sua extraordinária popularidade. Mas enquanto isso, judiciário e mídia do capital tratam de lhe destruir a moral e o moral, aniquilar o seu ânimo.  Os comentaristas da tevê falham em ato falho frase flagrante mais de uma vez, quando falam  “enquanto a candidatura de Lula não for derrubada…”.

Pouco importa na visão do judiciário divino do Brasil um juizeco que se sobrepõe a um desembargador de instância mais alta, ou a pressa da Procuradora Geral da República em reduzir prazos para a defesa do ex-presidente contra impugnação da sua candidatura, nem a devassa de telefonemas de advogados de Lula em pleno exercício. Tampouco interessa ver – porque seria exigir o impossível da mais fantasiosa fábula – a condenação sem provas, na base da delação, ou do ouvir dizer. Não, estamos no reino em que tudo se faz em obediência ao “devido processo legal”. Pois leis não faltam, elas apenas devem se voltar contra quem foi apontado como inimigo. E a Constituição Federal se cumpre, e deve ser cumprida com todo rigor,  se for espertamente interpretada. Hoje, na justiça à brasileira, dois mais dois deixaram de ser quatro. Podem ser cinco, seis, nada ou menos. Na verdade, nas ardilosas interpretações, dois mais dois jamais dão  quatro. “Justiça não é matemática”, responderia um ministro togado, calvo de pelos, mas cheio de penas.     

Então chegamos ao ponto alto, à razão de A Ficção Conveniente, título do artigo de Míriam Leitão, no desfecho:

“Tem sido mais fácil contar a ficção conveniente. Lula contou uma história de ficção ao jornal ‘NYT”…” .

Chegado a esse ponto, no que deveria ter sido a frase que coroa o  desenvolvimento do texto, caímos numa conclusão distinta, diferente, quero dizer.  

Para quem leva a sério a literatura, só existe um dever: falar a verdade. Falar, dizer, escrever, narrar o que não foi falado. Falar o que o autor viveu. Assim é a mistura do imaginado real mergulhado na realidade. A maioria das pessoas, quando falam de ficção, têm uma ideia equivocada, porque acreditam que ficção é mentira. Mas a literatura é fundamentalmente uma investigação do real. Ela é uma prospecção do aprofundamento do real. Ela avança sobre fatos, coisas, que não estavam ditas ou exploradas ainda. Mas o real, amigos, é que é inesgotável. A maior fantasia, a jamais imaginada invenção da vida é a realidade.

Ou como escreveu Máximo Górki num relato magistral sobre a lição que uma vez lhe deu Tolstói:

“– Em Moscou, perto da Torre Sukharev, num beco, vi no outono uma mulher embriagada. Estava deitada, bem junto ao passeio. Do pátio de uma casa vinha se escoando um enxurro de água imunda, que escorria mesmo por sua nuca e suas costas. A mulher deitada nesse molho frio resmungava, agitava-se. Seu corpo recaía, agitando na imundície. Ela, porém, não conseguia se levantar.

Tolstói estremeceu, fechou os olhos, balançou a cabeça e propôs afavelmente:

– Sentemo-nos aqui…. Uma mulher embriagada é a coisa mais horrível e ignóbil que há. Eu quis ajuda-la a se levantar, mas não pude me decidir a isso. Tive um excessivo desgosto: ela estava tão pegajosa, tão molhada; quem a tocasse não teria sido bastante um mês para limpar as mãos. Que horror! E durante esse tempo estava sentado no meio – fio da calçada um rapazinho louro, de olhos pardos, as lágrimas corriam ao longo de suas faces, fungava e repetia numa voz desesperada: “Ma-mãe… então, levante-se”. Ela mexia os braços, dava um grunhido, erguia a cabeça e recaía de novo, flac! com a cabeça na lama.

Calou-se, depois olhando bem em volta de si, repetiu ansiosamente, quase num murmúrio:

– Sim, sim, é horrível! Você tem visto muitas mulheres embriagadas? Muitas, sim, ah, meu Deus! Não descreva isto, não é preciso!

– Por quê?

Olhou-me nos olhos e repetiu sorrindo:

– Por quê?

Depois disse lentamente com um ar pensativo:

– Não sei. Eu disse isso assim… tem-se vergonha de escrever porcarias. E, no entanto, por que não? É preciso escrever sobre tudo…

Lágrimas vieram-lhe aos olhos. Enxugou-as e, sempre sorrindo, olhou o lenço, enquanto as lágrimas continuavam a correr ao longo de suas faces.

– Eu choro. Sou velho e me aperta o coração quando evoco uma lembrança horrorosa.

E me empurrando ligeiramente com o cotovelo:

– Você também quando tiver vivido sua vida, ao passo que tudo permanecerá como dantes, você chorará, e ainda mais do que eu, ‘aos baldes’, como dizem as mulheres do povo. Mas é preciso escrever tudo, sobre tudo. De outra forma o rapazinho louro nos quereria mal, nos censuraria. ‘Não é a verdade, não é toda a verdade’, dirá ele. E ele é severo no que se refere à verdade”.

Portanto, com o devido perdão por lembrar Tolstói para um artigo tão vulgar de nome “A ficção conveniente”,  concluo que  o eterno Presidente Lula jamais escreveu texto mentiroso, que Míriam Leitão imagina que venha a ser a natureza da literatura. O Brasil real foge dos artigos da mídia do capital. As meias-verdades e montagens da política nacional são grossa mentira. Isso é que não é ficção.

*Vermelho http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=9428&id_coluna=93

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

21 Comentários

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  1. Ponto .

       Uma pseudo comentarista ,pois quem emite as suas ¨idéias¨é um superior ,e não ela ,quem diz; espere um pouco ,por favor ,até que outro lhe dite o que dizer ,e ela como uma ¨cadelinha¨repete , e mais , quem se diz ¨economista¨,e não sabe fazer o básico , porcentagem !!! Não pode ser levada em consideração ,e cá prá nós,não merece frequentar estas páginas ,pois seria melhor ouvir o seu proprietário.

  2. O caso é simples.
    O crime que

    O caso é simples.

    O crime que inventaram para condenar o Lula não existe e NUNCA existiu.

    Isto sim é uma ficção.

    Se ela fosse minimamente honesta estaria escrevendo e condenando a ficção que inventaram para tirar o Lula da corrida eleitoral. Como não escreveu só posso ter uma conclusão; É uma pessoa de caráter menor, como aqueles que criaram a ficção contra o Lula e aqueles que com base em uma ficção, o condenaram a prisão.

    Contra esta senhora pesa ainda e mentira contada por ela de que foi atacada por petistas em m avião. História dfesmentida por todos os outros passageiros da aeronave e que ela não se apresentou para reafirmar a sua versão.

    VAGABUNDA.

     

  3. Mentiras e cobras

    A Mirian apregoou ao mundo que quando presa  no Batalhão de Infantaria

    em Vila Velha/ES, colocaram na cela uma Jiboia a fazer-lhe compania.

    Fossem mais diligentes,seus carcereiros, teriam lhe disponibilizado uma

    jararaca ou mesmo uma singular caninana para cumprir o mistér.

    Se assim procedessem hoje estaríamos livres dessa peçonhenta cascavel.

        1. Sempre assim.

          Durante o regime militar os esquerdistas eram enquadrados nesses conceitos subjetivos de traidores e canalhas. Não concordo que isso abone a tortura.

  4. A inteligência os derrotará

    Uma única linha teria sido suficiente para justificar a leitura de todo o texto:

    ““Justiça não é matemática”, responderia um ministro togado, calvo de pelos, mas cheio de penas.”

  5. o dono fala no ponto eletrônico e na caneta

    Certa época quando a Itália dividida em Cidades Estados era a casa da mãe Joana onde as potencias do tempo França Espanha Áustria repartiam o butim, o povo se consolava afirmando: Franza o Spagna pur che se magna” ou seja tanto faz que seja a França ou a Espanha o importante é comer!!

    O cachê da Miriam vale o ditado acima?

  6. ENTÃO ESTE LIXO/2018 NÃO É CONSTRUÇÃO ESQUERDOPATA?

    Não é a cara do Brasil? E sua construção fascista de um Projeto que advém de Golpe de 1930? E este Projeto de quase 1 século se mantém vitorioso e longinquo. Mirian Leitão, a Porta-Voz e Defensora da mais pária e baixa dos Teorias do NeoLiberalismo não é a mesma Militante de Grupos Guerrilheiros Clandestinos de Extrema Esquerda dos anos 60? NeoLiberalismo defendido por Serra, o ‘garoto’ da UNE. Parceiro de Aloisio Nunes, também Militante de Guerrilha Marxista dos anos 60. Gente do Tucanato de Gianetti. Mas PSDB agora não é mais Esquerda? Então deve ser Rodrigo Maia, que nasceu no Exílio, onde seu Pai se escondia fugido de perseguição, por suas Ideologias Marxistas? Ou esta bárbarie se deva a algo diferente daquilo que redigia e caricaturava Sérgio Cabral, quando a partir do Pasquim, combatia as práticas de submissão e deturpação de patrimônio, soberania e futuro brasileiros. Seu filho construiu uma realidade diferente? Ou seu filho também não esquerda, como não deve ser o ‘neto’ de Covas? E é esta gente da “Direita” que está  por trás do golpe que não permite que a ‘Esquerda’ realize seus objetivos? Uns ‘netos’ do Arraes acham que sim. Outros ‘netos’ do Arraes acham que não. Mas tem gente que ainda não entendeu este Brasil?!! O Brasil é de muito fácil explicação.   

    1. O problema do Brasil é fácil

      O problema do Brasil é fácil de entender: é cheio de idiotas como você que não entendem nada de nada, não diferenciam nada de nada e tem a petulância de querer saber mais do que alguém que sabe… 

      Abundância de medíocres. Esse é o problema do Brasil. Esse é o SEU problema.

  7. Bela análise Uraniano!
    Pena

    Bela análise Uraniano!

    Pena que a Leitoa não consiga compreender além do que é mandado pelos seus patrões.

  8. “Essa divisão do mundo entre
    “Essa divisão do mundo entre esquerda que quer combater as desigualdades e direita que conspira contra o progresso social, e por isso está dando um golpe, é uma simplificação que convence estrangeiros…” Pode ser simplificação, mas é a verdade.

  9. Sempre achei a Mírian Leitão

    Sempre achei a Mírian Leitão uma medíocre. É absolutamente claro que ela é incapaz de pensar, limitando-se exclusivamente a repetir o que os outros mandam.

    Agora a coisa ainda está piorando: além de medíocre está ficando autista, pois vive numa realidade virtual criada pela Globo.

  10. A “fake news” de que Lula foi “condenado em todas as instâncias”

    A condenação de Lula se deu na estreita cumplicidade entre o TRF-4 (2a.instância de Porto Alegre) e a vara 13 (n.do PT) de Curitiba: 2 instâncias, ambas parciais.

    Os recursos no STJ e STF (instâncias superiores) jamais analisaram o MÉRITO da condenação, mas tão somente aspectos técnicos do processo (suspeição, HC sob nova “legislação” do STF, etc.). E nisso o judiciário tem sido apenas corporativo.

    Quer ver os membros do STF (o STJ de Fischer já está meio suspeito) analisarem a condenação e não a anularem!

    Este pessoal da míRdia vive dizendo À população, ad nauseam, tal qual Goebbels (ou Miriam papagaio de ponto eletrônico) que o Lula foi condenado em todas as instâncias. Isto ainda não aconteceu (e talvez só aconteça daqui a “12 anos e 1 mês”).

    A desfaçatez com que estes obedientes “jornalistas” espalham sua própria mediocridade e desinformação é inacreditável.

    “Globo: desinformação é aqui”

  11. bom post.

    O  que me irrita é que eles não recolhecem que deram um golpe… a a defesa que fazem do mesmo é ridiculo, mentiroso e vergonhoso.

    Era mais honesto admiti-lo.

    “demos o golpe porque tivemos a oportunidade, porque não temos o minimo respeito pela democracia, etc etc e chorar é livre…”

    Mas isso não farão jamais!

  12. Mulheres , mulheres e mulheres !

    Infelizmente muitas na boca do povo, pelas maldades que vêm praticando.Ainda bem que temos muitas excelentes, como a Beth Carvalho.

  13. Ruy Blas
     

    Nos tempos da Capricho e suas fotonovelas, a editora abril teve a grata idéia de trazer à plebe romances clássicos em forma de fotonovela, de modo que grandes escritores chegassem ao conhecimento da patuléia.

    Assim conheci Ruy Blas, personagem do romance de Victor Hugo, que de sua vida entre os ciganos livres, preferiu vestir a  libré para colocar-se  serviço de um nobre da corte no Escorial, castelo da rainha de Espanha,  por quem caiu-se de amor.

     Perguntado sobre sua idéia de escolher a servidão no palácio como lacaio de D. Salústio de Bazan em vez de uma vida livre, disse Ruy Blas:

    “A fome é uma porta baixa e são muitos os que se curvam para passar por ela.”

    A Miriam Leitoa curvou-se para passar pela porta da fome, mas desconfio que seu amor foi pelo dinheiro.

     

     

     

  14. A Mirian é uma delas.

    A Mírian é uma das minhas bruxas televisivas a quem dediquei um poema

    As bruxas televisivas

    Algumas são belas, outras já foram e outras jamais,
    Se expondo sem nenhum pudor,
    Com caras e bocas em poses deselegantes
    Mostram até as vísceras,
    Numa tentativa vã de naquilo tudo, mostrarem alguma verdade
    Mas os gestos as falas as pausas os falsos sorrisos
    O gozo fora de hora
    Se debruçam sobre os alvos  de forma abusiva
    E de forma seletiva despejam seu fel
    Com desfaçatez mentem iludem  

    A partir da tela
    Se  esparramam no ambiente sugando o ar
    Destruindo e transformando tudo num bordel
    E se dizem jornalistas.

     

    Obviamente dizem que  bruxas não existem, e portanto isto é uma ficção conveniente. Devo acreditar que bruxas  não existem, mas  ao vê-las mentindo com tanta desfaçatez e com tanto prazer eu digo:

      No creo en brujas pero que las hay hay

    Até quando irão atormentar meus sonhos e mi vida.

     

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