Marielle Franco contra a Franquia do Crime, por Gustavo Gollo

A Franquia funciona como um sistema de apoio às milícias, grupos constituídos por pessoal com treinamento policial – incluindo policiais da ativa –, que se encarrega de gerir todas as atividades ilegais em um determinado território.

Marielle Franco contra a Franquia do Crime

por Gustavo Gollo

Por que é tão necessário desvendar o assassinato de Marielle?

No dia 14 de março de 2018, a TV Globo iniciou a apresentação de uma série de reportagens sobre o que chamou A Franquia do Crime; no mesmo dia, 4 PMs foram presos, acusados de participar da imensa organização criminosa. No início da noite, Marielle foi assassinada.

Terá sido tudo coincidência? Ou o assassinato de Marielle foi um recado para que não molestassem a Franquia do Crime?

O que é a Franquia do Crime?

Existe uma imensa, e extremamente rendosa, rede de proteção à criminalidade centrada no Rio de Janeiro, com tentáculos espalhados por todo o país. A rede consiste em um entrelaçamento promíscuo entre criminosos e o Estado Brasileiro; é formada por policiais, juízes, promotores, meios de comunicação, autoridades em todos as instituições públicas e fora dela, tendo já abocanhado e apodrecido uma parte considerável do estado, provavelmente até o mais alto posto.

A Franquia funciona como um sistema de apoio às milícias, grupos constituídos por pessoal com treinamento policial – incluindo policiais da ativa –, que se encarrega de gerir todas as atividades ilegais em um determinado território. Com o apoio solidário da Franquia, as milícias controlam e terceirizam o tráfico de drogas, sua maior fonte de renda; instituem uma agiotagem selvagem que expolia os que se arriscam a pedir algum empréstimo, arrancando-lhes todos os bens em paga de uns trocados; controlam a eventual grilagem de terras na região, cobram taxas de proteção a comerciantes, cobram por serviços, em geral, realizados na área, e por qualquer outro modo de aquisição de rendas exercido na área. De maneira geral, uma milícia controla toda a atividade informal efetuada em sua região.

Entrelaçados com a polícia, os milicianos – alguns deles policiais –, exercem o poder na área sem qualquer controle externo. Queixas à polícia, pelos desmandos de milicianos, caem diretamente em seus próprios ouvidos, sendo “apuradas” por eles próprios.

Também fazem uso das forças policiais – ou militares, como durante a intervenção, ano passado –, para enfraquecer grupos de traficantes locais e, em seguida, controlá-los, abocanhando a parte do leão de seu comércio.

A Franquia do Crime centraliza, organiza e dá apoio às milícias, cuja atuação é respaldada pela polícia, pelo sistema jurídico e encoberta pelos meios de comunicação, compondo a imensa rede de influência que hoje se mescla à grande rede de poder no país. Para se ter uma ideia da promiscuidade existente entre o poder público e as milícias basta atentar para o policial/miliciano que andou nas manchetes dos jornais referido como “testemunha chave” do caso Marielle. Embora o policial tenha alardeado aos 4 ventos sua condição de miliciano, atestando o fato em depoimentos à Polícia Civil, à Polícia Federal, à Procuradoria Geral da República, o miliciano continua na PM com a mais absoluta naturalidade. A intimidade das milícias com a presidência da república também não transcorre em segredo.

Muitos políticos se valem das milícias para garantir seus votos; são os novos coronéis. A milícia tem um parentesco óbvio com o coronelismo, podendo ser descrita como o ressurgimento de um neocoronelismo urbano esse fenômeno crescente e talvez já irrefreável. Lembremos que, de acordo com a Globo, 2 milhões de pessoas, só no RJ, viviam sob seu jugo no início de 2018, e que seu crescimento é exponencial. Se providências drásticas não forem efetuadas imediatamente, ao final desse governo todo o país estará entremeado pelo sistema criminoso imposto pela Franquia do Crime.

Qual o problema das milícias?

A milícia equivale ao irmão mais velho das gangs, trata-se de um sistema de poder brutalmente autoritário e arbitrário. Componhamos uma ilustração do funcionamento de um desses grupos: ocorre um furto no território controlado pela milícia, o fato causa um burburinho e chega aos ouvidos dos milicianos que exercem o poder de polícia na área. O miliciano ouve o zunzunzum: o ladrão da área, conforme os boatos, é fulano. Com base nesse julgamento, o miliciano dá uma dura no acusado e dirige-lhe forte ameaça. Caso furtos similares se repitam, o suspeito pode ser sumariamente executado. Funciona assim, de maneira bastante simplificada, o sistema policial/jurídico imposto pela milícia. Em qualquer caso, a hierarquia e autoridade do miliciano não podem ser questionadas, afronta gravíssima!

Foi esse tipo de afronta, aliás, que desencadeou o assassinato de Marielle.

O caso Marielle

De acordo com policiais e promotoras do caso, o assassino tinha enorme aversão às causas defendidas por Marielle, ódio que o levou a convencer um comparsa a auxiliá-lo a tocaiar a vereadora e assassiná-la. Teria sido mais honesto dizer que não têm a menor ideia da motivação do assassino, ou que pretendem encobri-la.

Contarei outra história.

No dia 14 de março, a TV Globo iniciou a apresentação de uma série de reportagens sobre a Franquia do Crime que ensejou, no mesmo dia, a prisão de 4 policiais participantes da organização criminosa. Como represália, no início da noite, Marielle Franco foi executada, ocorrendo também a morte de seu motorista, como efeito colateral.

O assassinato consistiu em um recado contundente à rede de TV e aos policiais que a coadjuvaram, para que deixassem de graça. No dia seguinte, a reportagem apresentada na sequência da série, tratou exclusivamente de um posto de saúde com relações excessivamente íntimas com uma milícia, denúncia pífia apresentada apenas para justificar promessa anterior.

Em estreita associação com a Franquia do Crime, nenhum dos grandes meios de comunicação ecoou a denúncia gravíssima; de forma estarrecedora, todos os grandes meios de comunicação do país se calaram sobre a agoniante acusação da existência da Franquia do Crime.

O silêncio perdurou por 7 meses, sendo quebrado por 2 eventos: a denúncia efetuada em O Globo e Extra da existência do bando de matadores conhecido como Escritório do Crime, quando ambos os jornais esclareceram minúcias sobre o assassinato e seus executores; e a denúncia feita diretamente à polícia, a mesma que resultou na prisão dos réus, o matador e seu fiel escudeiro, revelada dias atrás, (17/03), pelo Fantástico.

(A notícia do Fantástico, que elucida o modo como a polícia chegou ao réu, através de denúncia, nos faz conjeturar sobre o que ficaram fazendo os policiais durante os 7 meses anteriores, quando alegavam a necessidade de sigilo sobre suas descobertas, e no que fizeram posteriormente, nos meses subsequentes, enquanto continuam a exigir, até hoje, sigilo sobre suas descobertas!).

Polícia e promotoria cozinharam a informação durante os 5 meses seguintes, acobertando, durante esse tempo, os criminosos expostos na denúncia.

Foi somente em decorrência de pressão do Comitê da ONU para Direitos Humanos que, um ano após o crime, parte da denúncia foi revelada, a que resultou na prisão da dupla de réus.

Pergunta-se, agora, por que os investigadores não revelam todo o teor da denúncia? O que estão ocultando? Estarão policiais e promotoras que investigam o assassinato de Marielle mancomunados com a Franquia do Crime? Farão, eles, parte dessa organização?

Que outras acusações foram efetuadas na mesma denúncia?

A solução do assassinato de Marielle Franco é de suma relevância porque ela tem o potencial de expor e atacar a Franquia do Crime. A impunidade dos criminosos alimentará a gigantesca rede criminosa, que se fortalece a cada dia. Se não for travada, de imediato, muito rapidamente a imensa organização criminosa se entremeará em todas as instâncias do poder público, apodrecendo todo o país.

Tanto a troca de comando nas investigações da polícia, anunciada ontem à noite, quanto o envio para longe do delegado que cuida das investigações há um ano, sugerem fortemente a intenção de abafar o caso e considerar tudo resolvido com a prisão dos 2 réus. Decorrido um ano do crime, o novo delegado não terá responsabilidades sobre a ausência de resultados nas investigações (ou talvez esteja sendo posto lá exatamente para garantir isso). Os responsáveis por tais manobras estão, obviamente, alinhados com a Franquia do Crime.

O mínimo que a polícia pode fazer agora é apresentar ao público toda a denúncia que resultou na prisão dos 2 réus.

Se ainda é possível cercear a imensa estrutura da Franquia do Crime, o momento para fazê-lo é agora.

Veja também:

https://jornalggn.com.br/noticia/conspiracao-2-a-franquia-do-crime/

https://jornalggn.com.br/artigos/324195/

 

 

Redação

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