Memórias da saúde em Cuba antes da Revolução, sem o bloqueio imperialista, por Eulalia González González

A taxa de mortalidade infantil era de 60 por mil nascidos vivos, com expectativa de vida de 60 anos

Avô e neto, fotografia de Osvaldo Salas, fotógrafo cubano (1965) – EcuRed

por Eulalia González González

Minhas memórias

Quero compartilhar algumas reflexões sobre como era Cuba sem bloqueio, nos anos em que nasci na década de 1950 e, atualmente, onde, desde 5 de fevereiro de 1962, os Estados Unidos vêm aplicando o bloqueio mais longo e mais ilegal e genocida, destinados a promover a fome e as doenças entre o povo cubano e, assim, minar o apoio à Revolução.

Cresci em uma família de trabalhadores, na época em que Cuba vivia sob o capitalismo e era governada pelo ditador Fulgencio Batista, que mantinha um governo extremamente corrupto, após assumir o poder através de um golpe de Estado em 10 de março de 1952, encerrando o eventual triunfo do Partido Popular Cubano (ortodoxo) considerado vencedor virtual nas eleições de 1952.

Batista manteve uma ditadura militar perseguindo todos os seus oponentes, implantando censura e governando para servir aos interesses dos Estados Unidos. A ilha era uma república de cassinos, prostituição, tabaco e rum. Com uma população pobre negligenciada, sem educação, a maioria sem trabalho, os camponeses despejados de suas terras, professores sem salas de aula, sem atendimento médico e o campo, em relação à cidade, com diferenças abismais de exploração e atraso.

Um grupo de jovens pertencentes à ortodoxia, liderado por Fidel Castro, conclui que todas as rotas dentro da democracia burguesa foram fechadas e toma a decisão de que a luta armada era necessária para derrubar o regime de Batista. Esse grupo de jovens, chamado de “geração centenária”, porque a data de atividade patriótica coincide com os 100 anos do nascimento de José Martí, em 1853, se organizaram militarmente e, em 26 de julho de 1953, tentaram tomar o quartel Moncada e de Carlos Manuel de Céspedes, no leste do país. Eles falharam na tentativa e a ditadura respondeu com uma ação repressiva severa que gerou prisão e assassinatos.

Nesse contexto, meus pais, seguidores das ideias de Martí e Fidel, tornaram-se revolucionários clandestinos, passando por inúmeras necessidades, dada a instabilidade em que vivíamos, fugindo da repressão pois, naquele momento, meu pai era procurado para que fosse assassinado por suas ações revolucionárias. Necessidades e vicissitudes caracterizaram a infância em que vivemos. Minha mãe foi deixada sozinha comigo e com meu irmão, sofrendo ameaças e provocações dos policiais no local onde estávamos. Nessas condições, meu pai, correndo risco de sua vida, nos deixou o sustento para viver, trabalhando clandestinamente em pequenas oficinas de produção de tabaco (chamadas de chinchales). A perseguição contra meus pais se tornou muito forte. Não podíamos nem ir à escola porque éramos mal vistos por sermos filhos de combatentes revolucionários.

É triste lembrar. Eu tinha um irmão que sofria de problemas cardíacos e meus pais passavam muitas necessidades, pois não tinham recursos para pagar os cuidados médicos necessários, por estarmos numa cidade em que o acesso aos serviços era privilégio de pequenos setores da sociedade. Naquele momento, minha mãe andava por muitos quarteirões com meu irmão nos braços para comparecer a um consultório que oferecia consultas a casos recomendados por determinadas pessoas então, graças a uma recomendação familiar, meu irmão foi salvo.
Este foi o país em que vivi até o triunfo da Revolução, em 1º de janeiro de 1959. Antes da Revolução, os Estados Unidos não só não bloquearam Cuba, como foram cúmplices da situação pela qual o país estava passando.

Cuba neocolonial

A situação que prevalecia em Cuba naquela época, herdada do passado capitalista dependente, era caracterizada por grandes propriedades, com uma maioria camponesa e com muito pouco desenvolvimento industrial; o sistema educacional era fraco, havia poucas escolas de artes técnicas e industriais. O cenário em que a minha infância se desenvolveu não era menos sombria. 90% das crianças do campo foram devoradas por parasitas; milhares morriam a cada ano devido à falta de recursos; as pessoas eram raquíticas e aos 30 anos já não tinham dentes saudáveis ​​na boca. O acesso aos hospitais estaduais só era possível através da recomendação de políticos.

“De tanta miséria só é possível livrar-se com a morte. Para isso, sim, o Estado ajuda: a morrer”, resumiu Fidel, não sem um pingo de dor, em seu discurso A história me absolverá.

As atividades científicas e técnicas eram escassas e de alcance limitado, porque a subordinação ao colonialismo espanhol, primeiro, e ao imperialismo norte-americano, mais tarde, limitou e sufocou as iniciativas criativas de muitos cientistas de sua época. Na República neocolonizada, não havia incentivos para o desenvolvimento da ciência ou da tecnologia, e o desenvolvimento tecnológico estava subordinado aos interesses dos monopólios.

Nos centros de saúde, em geral, à falta de assistência médica e medicamentos, devemos também adicionar a falta de alimentos. Chegou o momento em que o orçamento de manutenção e medicamentos de um paciente era de apenas 10 centavos. Obviamente, os cuidados privados, fundamentalmente o chamado mutualismo, destinavam-se ao setor da população com renda monetária suficiente para cobri-lo, mas a grande maioria das pessoas, especialmente os trabalhadores camponeses e assalariados, praticamente carecia dos serviços de saúde pública mais elementares do país na Cuba dos anos 50.

Uma análise da situação de saúde pública que predominava no momento do triunfo da Revolução mostra uma situação de saúde caracterizada por tétano, difteria, sarampo, coqueluche, poliomielite, tuberculose e outras doenças curáveis. As crianças morreram de gastroenterite e doenças respiratórias como as principais causas de morte. A taxa de mortalidade infantil era superior a 60 por mil nascidos vivos e a expectativa de vida de apenas 60 anos, para uma população, em 1959, de cerca de 6,5 milhões de habitantes. O país tinha cerca de 6.000 médicos, concentrados principalmente nas capitais e nas províncias, com um orçamento estadual de saúde de US$ 3,00 per capita.

Cuba revolucionária

Com o triunfo da Revolução, os EUA começam a afetar um setor tão sensível, que é a saúde. O objetivo era deixar Cuba sem médicos, causando a saída, em um curto período, de cerca de metade dos médicos existentes na época, ou seja, 3.000 médicos. Nos anos subsequentes, e até hoje, eles não desistiram da meta de alcançar esse objetivo criminoso, com a renovação de planos destinados a provocar a deserção.

Diante disso, a Revolução, talvez como a primeira grande contribuição em saúde pública, que possibilitaria os ambiciosos programas educacionais desenvolvidos nas ciências médicas em mais de seis décadas, introduziu o conceito de universalização do ensino médico, integrando estudantes de medicina e a enfermagem durante o processo de formação para as unidades de ensino, o que também permitiu massificar os programas de capacitação de recursos humanos na área da saúde. Foram criados os pressupostos humanistas que configuraram a Faculdade de Medicina de Cuba, estabelecendo a prevenção como conceito primordial do sistema de saúde no cuidado, a fim de eliminar as defasagens da velha medicina, que tratava a doença e não o doente.
Da mesma forma, a criação de centros científicos foi orientada para a atenção sistemática das atividades científicas, cujas investigações responderam às necessidades do país, a curto e longo prazo; as diretrizes gerais foram elaboradas e os recursos materiais e humanos foram garantidos para o sucesso dessas tarefas.

Por essas razões, o quadro da saúde em Cuba mudou radicalmente; a mortalidade geral não é causada pelas chamadas “doenças da pobreza”, mas, como em países altamente desenvolvidos, as principais causas são doenças cardíacas, câncer e acidentes vasculares.

Uma operação matemática simples nos coloca diante de uma realidade social verdadeiramente surpreendente em Cuba, levando também em conta as condições adversas que o país está enfrentando, bloqueado há décadas pelo governo dos Estados Unidos: a taxa de mortalidade infantil foi reduzida de mais de 60 por mil nascidos vivos, antes do triunfo da Revolução em 1959, a 4 por mil nascidos atualmente. Esse índice internacional mede sinteticamente o bem-estar e o desenvolvimento de um país e é uma expressão das condições sociais, econômicas, biológicas e políticas, demográfica e de saúde da população.

Entre os fatores que contribuíram para esse índice favorável de mortalidade infantil, reconhecido pelos especialistas, estão, em primeiro lugar, a vontade política do governo revolucionário de proteger e cuidar da saúde de nosso povo, especialmente as mães e os filhos; a existência de um alto grau de escolaridade da população; um programa de vacinação que abrange 13 doenças, com cobertura superior a 98% das crianças; um sistema universal de saúde, acessível e gratuito para toda a população, sustentado por uma ampla rede de centros de saúde e instituições de atenção básica, com o médico de família e a enfermeira que, juntamente com as campanhas de promoção e prevenção da saúde, permitem hoje alcançar uma cultura popular de saúde.

Hoje, Cuba possui 95.000 médicos, 84.000 enfermeiros, com 9 médicos para cada 1.000 habitantes.

Nesta reflexão, me referi apenas a alguns aspectos dos feitos da Revolução na saúde universal e livre, uma vez que era uma das arestas do enorme sofrimento sofrido pelo povo de Cuba e condicionava esse movimento político revolucionário liderado por Fidel Castro Ruiz que deu origem, em 1953, ao assalto ao quartel de Moncada e Carlos Manuel de Céspedes.
No entanto, os danos causados ​​pelas sanções contra Cuba no campo da saúde são inquestionáveis. Essa política hostil impede a aquisição de tecnologias, matérias-primas, reagentes, meios de diagnóstico, equipamentos e peças de reposição e próteses; bem como medicamentos para tratar doenças graves, como câncer. Esses insumos devem ser obtidos em mercados distantes, em muitas ocasiões, através de intermediários, o que impõe o aumento de seus preços.

Não contar com algum medicamento ou a tecnologia adequada para o tratamento de uma doença foi, em alguns casos, um impedimento para salvar uma vida. Entre abril de 2018 e março de 2019, os danos causados ​​pelo bloqueio ao setor de saúde cubano foram mais de 104 bilhões de dólares, valor superior aos mais de 6 bilhões de dólares em relação ao ano anterior. Nesse período, a empresa cubana de importação e exportação de produtos médicos Medicuba S.A. realizou 57 solicitações a empresas americanas com o objetivo de adquirir os suprimentos necessários para nosso sistema de saúde.

Até o momento, 50 dessas empresas não responderam e outras três alegaram que, devido às regulamentações de bloqueio, não estão autorizadas a vender nenhum medicamento ou equipamento a Cuba. No período analisado, os profissionais de saúde cubanos não puderam participar de reuniões, eventos científicos e intercâmbios acadêmicos realizados nos Estados Unidos. Isso ocorreu porque os pedidos de visto dos médicos cubanos foram negados ou emitidos após a data dos eventos.

Solidariedade cubana na cooperação médica internacional

A solidariedade, incluindo a solidariedade médica, constitui um dos valores da Revolução Cubana, implícita na própria Constituição da República, e é demonstrada pelo fato de que, desde 15 de junho de 1963, começaram a aparecer destacamentos médicos cubanos, primeiro na Argélia, com 30 médicos, 2 estomatologistas, 14 técnicos e 8 enfermeiros; depois continuaram sem pausa para outros países, após desastres naturais no Chile, Peru, Haiti, Paquistão, com o Ebola na África, entre muitos outros. Por acaso não são compreensíveis as razões pelas quais os médicos cubanos estão curando problemas de saúde e salvando vidas?

O império e seus fantoches aliados (governantes e políticos reacionários) em alguns países realizam uma campanha de difamação contra a colaboração médica cubana, caracterizada por uma crueldade difamatória sem fim, que nada repara.
Para concluir, permitam-me compartilhar que Cuba mantém hoje uma ampla cooperação internacional em saúde pública, que aumentou com o enfrentamento à covid-19. Das 57 nações que recebem assistência médica cubana, 37 delas estão afetadas pela pandemia.
Cuba continuará, como sempre, defendendo o princípio da solidariedade, oferecendo sua cooperação desinteressada ao mundo. Daí os contingentes adicionais de médicos que, diante da pandemia, enviamos para Itália, Nicarágua, Jamaica, Venezuela, São Vicente e Granadinas, Granada, Angola, Suriname, Antígua e Barbuda, Belize, Santa Lúcia, Dominica, Haiti e, recentemente, Andorra, um número que cresce graças ao prestígio da medicina cubana.

No âmbito dessa batalha contra a covid-19, o medicamento Interferón alfa-2b recombinante, desenvolvido pela ciência cubana, que tem sido eficaz no tratamento de doenças virais, agora obteve resultados muito bons no controle da pandemia na China e foi solicitado por mais de 45 países até o momento. Nossos centros científicos continuam pesquisando porque temos potencial na busca por uma vacina ou novos medicamentos.

A decisão do nosso governo é manter essa colaboração médica nos países onde existem internacionalistas cubanos e acrescentar outros novos que solicitem nossa assistência, tornando-se um bastião avançado para enfrentar a pandemia e contribuir com os planos de medidas ditados por seus governos. Se houver alguma dúvida, é possível consultar os detalhes das respostas positivas às solicitações de ajuda de outros países.

Atualmente, #CubaSalva se tornou uma marca popular nas redes sociais para se referir à posição de nossa ilha em meio à complexa situação do mundo, diante da explosão da covid-19, apesar dos ataques imperialistas aos quais está sujeita a colaboração médica cubana. Justamente nesses momentos em que a pandemia atormenta a humanidade, o governo norte-americano, liderado pelo presidente Trump, não para de boicotar nossa ajuda aos países que a solicitaram, recomendo que a rejeitem a partir de grotescas calúnias para desmerecer os nossos médicos.

Fidel Castro nos oferece a conclusão: “Ser internacionalista é saldar nossa própria dívida com a humanidade. Quem não seja capaz de lutar pelos outros, não será nunca suficientemente capaz de lutar por si”.

*Eulalia González González é analista de imprensa do Consulado Geral de Cuba em São Paulo.

Edição: Luiza Mançano

Redação

2 Comentários

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  1. Na História, exemplos de sucesso que podem se tornar ameaças a interesses de outras nações precisam ser eliminados, extirpados, arrasados, como Cartago em sua insistência de prosperar independente ou concorrente de Roma.
    Apesar de todo o “bloqueio”, Cuba tem índices de desenvolvimento humano (IDH e Gini) superiores aos desta “pátria desalmada” e sua “meia dúzia” de super ricos e milhões de remediados pobres e miseráveis, todos (inclusive a “meia dúzia”) no atraso em que chafurdamos, ladeira abaixo, mesmo com tanta riqueza natural.
    A revolução de Fidel, ainda que com exageros de “saneamento” e falta de liberdade (tudo talvez inevitável sob o ponto de vista de resistir ou evitar o assédio do “retorno”), foi sem dúvida, para o povo cubano como um todo, uma troca positiva entre a ditadura de Batista e a comunista de Fidel (que pode, como no Vietnam, Rússia e China se ajustar com o capitalismo).
    Os americanos (máfia, empresários?) não souberam sequer aproveitar a troca, jogando Fidel no colo de Nikita.
    Já um grande equívoco que Fidel cometeu foi trocar uma oferta prática de Jimmy Carter por uma exportação ideológica de revolução na África.
    Com um IDH desenvolvido, mais liberdade, sem bloqueios e com bom material humano, Cuba pode se tornar um exemplo econômico-social de sucesso na AL.
    E claro, um “mau exemplo” para o resto do quintal…

  2. Ironia! A autora registrou: “Obviamente, os cuidados privados, fundamentalmente o chamado mutualismo, destinavam-se ao setor da população com renda monetária suficiente para cobri-lo, mas a grande maioria das pessoas, especialmente os trabalhadores camponeses e assalariados, praticamente carecia dos serviços de saúde pública mais elementares do país na Cuba dos anos 50.” Os trabalhadores assalariados americanos atuais também carecem dos serviços de saúde pública mais elementares. Obama tentou alguma coisa, mas o Trump acabou com o Obama Care!

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