Mourão foi enquadrado?, por Luis Felipe Miguel

Silêncio rompido com o artigo no Estadão de hoje, uma peça de notável truculência, nostálgica da Guerra Fria. Seu subtexto é que a democracia no Brasil está ameaçada pela esquerda. A ameaça velada é um fechamento total do regime.

Foto Daniel Ferreira – Metrópoles

Mourão foi enquadrado?

por Luis Felipe Miguel

Durante a campanha do ano passado, o candidato a vice parecia tão boquirroto quanto o candidato a presidente. Uma façanha. Defendeu suspender a vigência da Constituição. Propôs dar um autogolpe. Comprometeu-se a acabar com o décimo-terceiro salário. Disse que negros e indígenas são inferiores. Um festival.

Esperto, assessorou-se, fez media training e emergiu depois da posse quase como um gentleman. Um paradigma de sensatez, de moderação. Um defensor quase convicto das liberdades.

Ficou claro para todo mundo: Mourão estava piscando um olho, sedutor, para a parte da direita constrangida com a presença de um cavernícola na presidência. Sua fidelidade ao programa destrutivo de Guedes nunca foi posta em dúvida, mas ele – essa era a promessa – entregaria os mesmos resultados com mais competência gerencial, menos conexões ostensivas com o crime organizado, uma fachada de respeito aos direitos e às regras democráticas, bons modos à mesa.

Se ficou claro para todo mundo, ficou claro também para o clã Bolsonaro, que começou uma agressiva campanha de descrédito contra o vice traidor. Depois de ser achincalhado pela tropa de choque bolsonarista e de perder inúmeras batalhas dentro do governo, Mourão reduziu as falas com a imprensa, baixou radicalmente o perfil e praticamente se retirou para um “silêncio obsequioso”.

Silêncio rompido com o artigo no Estadão de hoje, uma peça de notável truculência, nostálgica da Guerra Fria. Seu subtexto é que a democracia no Brasil está ameaçada pela esquerda. A ameaça velada é um fechamento total do regime.

Parece escrito pelo Augusto Heleno.

Não é que Mourão tenha se convertido a essa posição. Sempre foi a dele – o general de pijama bonzinho, quase inofensivo, do começo do ano, é que era uma peça de marketing. Mas é significativo que, neste momento, o vice julgue que não há mais espaço para uma posição à direita que se faça de civilizada.

Luis Felipe Miguel

7 Comentários

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  1. Só se enganava quem não via que o perfil de Mourão era o mesmo de Bolsonaro. Ambos eram tenentes nos anos de chumbo e rezavam na cartilha dos que não queriam a abertura política: “todo o poder aos militares, ainda que esse país afunde num abismo”. Mas Mourão, menos burro que Bolsonaro seguiu carreira, tornou-se general e aposentou-se enquanto o outro, expulso do exército passou a integrar as fileiras da ultradireita tupiniquim. Eles falam a mesma língua e como disse o grande mentecapto dormem e acordam juntos.

  2. A Globo esforça-se para derrubar Bolsonaro, para colocar Mourão em seu lugar. Mudar pra nada mudar.
    Recordando: para Mourão e Bolsonaro o torturador coronel Brilhante Ulstra é um herói.
    A CPMI das Fake News, se levada às últimas consequências, pode anular as eleições e derrotar o projeto da Globo e de Mourão.

  3. Se não obrou de má-fé, o que a princípio não seria cabível supor no caso de um oficial superior, o general Augusto Heleno laborou em humor sinistro e ultrajante ao interpelar sobre tortura uma deputada (“Vai me torturar?”). O general devia saber que a evocação do significante ‘tortura’ e as imputações dessa prática, tão dilacerante para tantas famílias, são feitas pela crônica política e a historiografia em relação a alguns oficiais militares psicopatas, adestrados para, entre outros, arrancar tetas de freiras para fins de delação e confissão forçada. Que o general apele para outros motes menos desonrosos para suas observações sardônicas.

  4. Para entender a cabeça desses limitados intelectualmente que chegaram ao generalato (na Marinha teriam carreira pífia) é preciso conhecer o pensamento dos raros cérebros privilegiados que o EB produziu. A socióloga e pesquisadora Celina do Amaral Peixoto colheu depoimentos de grande valor histórico para a FGV, após o fim da ditadura de 64, entre os quais destaco o do presidente Ernesto Geisel. Outra publicação relevante é “A volta aos quarteis”, da editora Relume-Dumará, da qual sobressai o depoimento do gen. Gustavo Moraes Rego Reis (leitura obrigatória). Uma terceira publicação, está fundamental para se entender o cérebro(?) de gente como Mourão, Heleno, Villas-Boas e Jair é “Ideais Traídos”, de outro limitado, o gen. Frota.

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