Mucha e Art Nouveau (I), por Walnice Nogueira Galvão

Mucha começou a carreira na República Checa natal, mas só deslanchou depois que se mudou para aquela que Walter Benjamin chamou de “Paris, capital do século XIX”.

Mucha e Art Nouveau (I)

por Walnice Nogueira Galvão

A exposição  do artista plástico checo Alfons Mucha na Galeria Sesi da Av. Paulista reconhece seu impacto estético, que já se prolonga por mais de um século, chegando até capas de disco psicodélicas como as dos Rolling Stones, ou os gibis e mangás de hoje. Deve-se a ele igualmente  uma certa idealização da figura feminina. Pioneiro na arte para publicidade, projetou calendários, capas de livros e anúncios de biscoitos, cerveja, perfumes, cigarros.   

Mucha começou a carreira na República Checa natal, mas só deslanchou depois que se mudou para aquela que Walter Benjamin chamou de “Paris, capital do século XIX”. Centro produtor e difusor das artes, farol do mundo, ali Mucha encontrou seu lugar. Em tempo: a exposição grafa seu nome à maneira francesa, “Alphonse”.

Talentoso, o reconhecimento  viria do encontro definidor de seu destino com Sarah Bernhardt, então a maior atriz do mundo, a cujos pés príncipes e imperadores se prostravam. Nem Marcel Proust nem Sigmund Freud escaparam de registrar por escrito suas homenagens.

Mucha tornou-se seu diretor artístico e passou a pintar cartazes das peças, Sarah aparecendo em silhueta sinuosa, envolta em gazes e véus esvoaçantes, coberta de flores e fitas. Como os cartazes eram expostos nas ruas, tanto bastou para servirem de propaganda,  associando atriz e artista. O conúbio persiste. A Biblioteca Nacional de Paris dedicou há tempos uma exposição à atriz, com base em acervo próprio e da Comédie Française, em que a contribuição de Mucha esteve em destaque. Foram também expostos adereços para os figurinos de cena por ele projetados.

A presente mostra acompanha a evolução da arte de Mucha desde a pintura mais romântica dos primeiros tempos, passando pela popularidade  inconteste em Paris, onde ele ditou normas. Até a fase final, na qual, curiosamente, abandonaria tudo isso para praticar uma arte muralista, tematizando a pregação de uma liberação nacional pan-eslava, materializada em gigantescos painéis pintados, vinte ao todo, sob o título A Epopeia Eslava – alguns aqui exibidos em holograma.  

O estilo Art Nouveau, que dominou o mundo na virada de século XIX-XX, coincidindo aproximadamente com a Belle Époque, produziu artistas famosos e obras igualmente famosas. Muitas ficaram para a posteridade,  para nosso deleite. Entre elas as bocas do metrô de Paris, desenhadas por Guimard, e o restaurante Le Train Bleu na Gare de Lyon, inaugurado na Exposição Universal de 1900 em Paris. A Sezession de Viena inteiramente decorada por Gustav Klimt. O acervo Tiffany em Nova York, com seus lustres em forma de corola muilticor. Em Bruxelas, um dos focos do estilo, as casas assinadas por diferentes arquitetos, incluindo a própria residência  de Victor Horta, hoje museu. As obras-primas de Gaudí que vincam a malha urbana de Barcelona: entre outras as Casas Milà e Batlló, o Parque Güell, a Sagrada Família. As ilustrações provocantes e subversivas de Aubrey Beardsley para Oscar Wilde. Os vasos translúcidos de Émile Gallé. A Confeitaria Colombo no Rio de Janeiro e a gloriosa Diana Caçadora de Victor Brecheret logo ali no saguão doTeatro Municipal de São Paulo, perfeito exemplar da elegância característica do estilo. A Livraria Lello no Porto, em Portugal. E last but not least a espetacular Coleção Lalique do Museu Gulbenkian em Lisboa, na qual as joias dão o tom. Paredes, muros e detalhes podem ser repertoriados em Praga, Budapeste ou no centro histórico de Riga, capital da Letônia. 

O nome advem da galeria parisiense Maison de l´Art Nouveau, de Sigmund Bing, marchand e colecionador. Árbitro do gosto, ele oferecia as novidades, fazendo exibições temporárias, promovendo artistas, patrocinando movimentos estéticos;  e mesmo, pioneiramente, a arte do Japão, que tudo impregnaria. Até hoje, na casa de Giverny em que Monet passou a maior parte da vida, as paredes exibem uma coleção de estampas japonesas. Cerca de um século depois, em 2006, uma opulenta exposição itinerante reconheceu a relevância da Casa Bing, percorrendo as capitais do mundo com uma infinidade de objetos de arte que pertenceram a seu acervo. 

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

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