Mulheres negras LBTI+ também querem respirar, por Paula Nunes e Carolina Iara

Falar sobre essas dificuldades é tratar sobre um lugar da morte social e simbólica antes do extermínio físico, esse sim registrado nas notificações de violência do SINAN-SUS e que estão aumentando com a pandemia.

Mulheres negras LBTI+ também querem respirar

por Paula Nunes e Carolina Iara

A base da pirâmide social é ocupada pelas mulheres negras, e há um bom tempo isso vem sendo discutido pelo movimento negro e por suas intelectuais, como Lélia Gonzalez. Nesse mês de agosto, conhecido como o mês da visibilidade lésbica, compartilhamos uma reflexão sobre o lugar das mulheres negras lésbicas, trans, travestis em nossa sociedade.

Segundo dados de 2015 a 2017 registrados no SINAN-SUS (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), 75% dos casos de violência praticados contra LGBTI+ foram praticados contra mulheres trans, travestis e lésbicas, em um universo de 24.564 notificações de LGBTIfobia no sistema, e mais da metade delas tiveram pessoas negras como vítimas. As pessoas bissexuais e intersexo sequer aparecem nesse levantamento, mostrando a total invisibilidade (que também mata) dessas pautas no debate público.

Há casos emblemáticos dessa violência que misturam machismo, racismo e LGBTIfobia, como Luana Barbosa, assassinada brutalmente pela polícia paulistana por ser mulher negra e lésbica, e Lorena Vicente, assassinada a pauladas na Zona Sul de São Paulo apenas por ser travesti e negra, sendo que seu irmão havia sido assassinado um ano antes ao tentar defendê-la. E por que devemos falar sobre essas mortes em plena pandemia?

O primeiro ponto a ser destacado é o aumento dos índices de violência contra a mulher durante a pandemia, e que não vitima apenas mulheres cisgêneras (que não passaram pela transição de gênero), mas também as travestis e transexuais em um percentual de 39% em relação a 2019, de acordo com dados do Boletim 03/2020 de assassinatos e violências transfóbicas da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). É importante lembrarmos também que além da violência, essa parcela da população está exposta à maior vulnerabilidade causada pela pobreza, à falta de renda, e, inclusive, à dificuldade de acessar o benefício do auxílio emergencial, devido a problemas com documentação, por medo, falta de confiança nas instituições do Estado e por transfobia.

Além disso, tendo em vista que a imensa maioria das travestis e mulheres trans trabalham na prostituição por falta de outras alternativas, cerca de 90% delas segundo dados do Dossiê de assassinatos e violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019 da ANTRA. A população trans em geral sequer se enxerga como trabalhadora autônoma, detentora do direito ao auxílio que já foi tão dificultado para tantas pessoas no país.

No caso das mulheres lésbicas, o estupro corretivo é recorrente dentre as notificações de violência, assim como a deslegitimação de seus arranjos familiares, seja pelo Estado, seja pelos poderes paralelos, como milícias fundamentalistas. Há também o medo de sofrerem lesbofobia institucional por meio da violência policial ou nos serviços de saúde, inclusive por violência ginecológica e mau atendimento.

Falar sobre essas dificuldades é tratar sobre um lugar da morte social e simbólica antes do extermínio físico, esse sim registrado nas notificações de violência do SINAN-SUS e que estão aumentando com a pandemia. Matam as mulheres lésbicas, trans e travestis pretas, assim como matam a juventude negra antes do tiro, ou antes do COVID-19, por meio da negação completa de direitos básicos, mínimos para a sobrevivência digna dessas populações. E assim essas pessoas vão sendo empurradas para um espiral de opressões, de exclusões, e, na pandemia, ficam sem direitos à proteção da saúde e à quarentena, ao terem que trabalhar na informalidade ou trabalho sexual para não passar fome.

A cada hora uma pessoa LGBTI+ é violentada no país. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. Até quando vamos suportar? Quando vamos respirar? É bom lembrarmos daquilo que disse o filósofo camaronês Achille Mbembe: chegamos a tal nível de barbárie que a respiração transformou-se na grande pauta humanitária do momento. Devemos todas e todes nós lutar pelo “direito universal à respiração”.

Paula Nunes – advogada, especialista em Segurança Pública, ativista do movimento negro e pré-cocandidata da Bancada Feminista do PSOL, candidatura coletiva à vereança em São Paulo.

Carolina Iara – é travesti, intersexo, negra e vive com HIV/aids há 6 anos, mestranda em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC, e pré-cocandidata da Bancada Feminista do PSOL.

REFERÊNCIAS:

Boletim 03/2020 da ANTRA: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/06/boletim-3-2020-assassinatos-antra.pdf

Dossiê de assassinatos de 2019 ANTRA: https://antrabrasil.files.wordpress.com/2020/01/dossic3aa-dos-assassinatos-e-da-violc3aancia-contra-pessoas-trans-em-2019.pdf

Redação

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