Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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Na crise fiscal, um mar de desperdícios, por Andre Motta Araujo

Enquanto cortam recursos da saúde e educação públicas, a União, estados e municípios desperdiçam rios de dinheiro com alugueis de prédios públicos, passagens aéreas que poderiam ser compradas em blocos, "modernizações" que nem países ricos fizeram, salários e privilégios

Foto: Antonio Cunha/TSE
A mídia econômica brasileira que dança pela música neoliberal sem desafiar uma nota repete a linha “não tem dinheiro” e ponto. Mas porquê não tem dinheiro? Para desmontar essa narrativa-padrão é preciso alguma inteligência, repetição não é suficiente. Sem sair da cartilha ortodoxa, há muito dinheiro nos cofres público.

Jogado fora em um oceano de ineficiências, desperdícios, incompetência, malversação, falta de prioridades, corrupção.

Sem usar os critérios de auditoria do Tribunal de Contas vamos ver alguns gastos que continuam navegando sem ser incomodados.

ALUGUEIS

Só a União gasta mais de R$ 3 bilhões por ano em alugueis. A quantidade de prédios que a Justiça Federal de São Paulo ocupa é impressionante, sempre em zonas nobres, de aluguel caro, enquanto nos centros tradicionais de São Paulo há prédios vazios com aluguel simbólico, além de prédios do poder público desocupados a espera de uso. Em princípio, poder público pode estar em qualquer lugar porque os demandantes de sua atenção irão a qualquer lugar para cumprir suas obrigações com o Estado, seja qual for. Um negócio, um banco precisa conquistar clientes com imagem, o poder público não.

Dou um exemplo: a Secretaria de Aviação Civil estava instalada no Centro Cultural do Banco do Brasil longe do centro de Brasília, um local perfeitamente adequado e provavelmente de graça ou muito barato. Mudou para uma luxuosíssima torre de vidro no centro financeiro de Brasilia, tipo de prédio de banco de ricos, para quê? Eu respondo: para conforto dos burocratas. Não há um controle centralizado de contratos de locação da União, cada órgão aluga o que quer, pelo preço que quiser, não há parâmetro de controle centralizado, gasta-se muito e mal em alugueis.

AUTOMÓVEIS COM MOTORISTAS
O Brasil é campeão mundial de carros oficiais com motorista para burocratas, senadores, deputados estaduais, juízes, procuradores, prefeitos, vereadores. É um vício nacional baseado muito mais em questões de prestígio do que de economia e conforto. Em Prefeituras de capitais, os vereadores têm cada um carro bom com motorista. Nos 98 tribunais de 2ª e 3ª instâncias, cada magistrado tem o seu. O conjunto da frota daria para montar várias locadoras internacionais.
O gasto público vai na compra ou leasing do carro, combustível, salário de motoristas, mais de um por veículo, pois há turnos, mais multas, lacração.
Enquanto isso, no País mais rico do mundo, só o presidente, o secretário de Estado, de Defesa e do Tesouro têm esse privilégio, para baixo mais ninguém.
Na Suprema Corte em Washington, cada juiz vai com seu carro, alguns a esposa leva e vai buscar. O falecido Juiz Thurgood Thomas ia de ônibus coletivo.
Na Espanha, no último domingo, o Rei Felipe VI, descendente direto de Luis XV, foi visitar o pai no hospital, com a mulher e as duas filhas, guiando seu próprio carro. No Brasil, funcionários de quarto escalão, por exemplo, diretores de estatais municipais, têm carro com motorista. Fui um deles.
Na atual crise fiscal da União, Estados e municípios não se tem notícia de algum corte de gastos nessa área, mas por questões de economia faltam remédios nas unidades de saúde para atender a população. Há um corte generalizado em saúde e educação, no topo não há cortes de mordomias.
TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO
Um imenso buraco negro de desperdícios, já superando obras públicas. Cada órgão, cada estatal, cada universidade, cada tribunal compra sistemas, programas,  computadores, não há um rígido controle centralizado. Como é uma área técnica, é fácil esconder o desperdício.
É simples saber o custo de um metro quadrado de construção, mas é muito mais difícil saber quanto vale um sistema de computação, ai abre-se um tesouro.
As grandes empresas de tecnologia não entram diretamente na área pública, usam distribuidoras e prestadoras de serviços para aparecer como fornecedoras. Os valores podem ir a bilhões para espumas de informatica, coisa que não agrega quase nada de eficiência, muita fantasia é encapada como TI.
CALCULO DE RISCO ANTES DE GASTAR
A burocracia brasileira tem sólida tradição de não fazer calculo de custo e beneficio antes de gastar. As companhias de seguro calculam a taxa de risco para calcular o preço de um seguro. Se um procedimento tem risco de fraude que pode significar perda de 10 mil reais por ano, não há sentido em gastar R$ 2 milhões para evitar esse risco de dez mil reais, mas a burocracia brasileira faz isso sistematicamente. Se em 100.000 atos pode haver fraude em 300, muda-se o procedimento pagando um mega custo para evitar uma pequena perda e incomodando os corretos. É a cultura da burocracia brasileira.
Há um monumental desperdício na área eleitoral, quanto deve ter custado? A biometria para 100 milhões de eleitores, para quê? Quantas fraudes havia antes da biometria?  0,1, 0,2 ou 0,3%? Se fosse 1% ainda assim não teria sentido esse mega investimento, em que país mais foi feito? Nos EUA, país rico e inventor da TI vota-se em cartolina com lápis perfurando quadradinhos. Na maioria dos países da Europa, vota-se em papel com caneta bic, porque o Brasil tem que não só gastar bilhões mas fazer o eleitor perder tempo? Que preciosismo, vontade de rasgar dinheiro. O prédio do TSE é o símbolo do mega desperdício, a maioria das democracias do mundo sequer tem Justiça Eleitoral. O rico Brasil tem 27 Tribunais Regionais e um faustoso Tribunal Superior Eleitoral com poltronas de plenário que custaram, segundo informado na época, R$ 27 mil cada uma e, além disso, são muito feias, famoso luxo-brega.
SALÁRIOS
Os grupos de servidores de atividades-meio, os burocratas do serviço público brasileiro, têm as maiores remunerações de servidores públicos do mundo.
A partir da Constituição de 1988 e especialmente após o Plano Real, houve um descolamento do padrão de vencimentos dos funcionários públicos brasileiros em relação aos salários do setor privado. Antes, os servidores tinham a vantagem da estabilidade e da aposentadoria integral mas, em contrapartida, ganhavam bem menos que no setor privado. Hoje mantêm as vantagens tradicionais, com algum ajuste pequeno na Reforma da Previdência, mas os salários são vezes maiores que funções parecidas na área privada. Antes de 1994 a inflação aguava os salários na área publica. Com o Real os salários ficaram no pico mais alto e ano a ano, aumentos acimas da inflação se encarregaram de levar as remunerações às alturas, com os truques dos “auxílios” e “adicionais” que não entram na contagem do teto. Como consequência, a folha de salários quebrou a Administração Pública da União, Estados e Municípios.
As únicas correções possíveis serão uma nova Constituição que permita demissões e redução de salários ou um ciclo de inflação para diminuir o valor real.
PASSAGENS AÉREAS, CURSOS DE TREINAMENTO, TERCEIRIZAÇÕES
Só em passagens aéreas a União gasta em torno de R$ 3 bilhões ao ano, pagando tarifa cheia. Cada setor da Administração compra passagens de forma isolada e paga o preço  de balcão. As grandes multinacionais do mundo fecham compras de volume de passagens em bloco no começo do ano e conseguem descontos de até 80% sobre o preço da tarifa cheia. Se a União comprasse em bloco economizaria bilhões, porque não faz?
Desperdícios em grande escala também em “cursos de treinamento” de utilidade duvidosa que lotam os hotéis de Brasilia, mas o filão de ouro são as terceirizações de tudo, de copias xerox, segurança, mão de obra de portaria e copa, limpeza, etc. Aí a coisa é de escala galática, já misturando desperdício com corrupção. A forma clássica é faturar 10 trabalhadores e mandar 6, não preciso explicar, é mais conhecido que chope na 6ª feira.
MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO
Criam-se tantos órgãos inúteis e esquecem de um vital, um Ministério de Administração para CENTRALIZAR custos e controles prévios dos gastos públicos, não é na linha dos Tribunais de Contas, que cuidam da porta arrombada, é ANTES DE CONTRATAR E GASTAR. Antes de se alugar um prédio esse órgão verifica se há prédios públicos vazios e que podem ser usados na área. Se for alugar, compara os preços na região mas também vê sé HÁ NECESSIDADE DE MAIS ESPAÇO antes de se desperdiçar dinheiro em aberrações locatícias. Abaixo artigo meu de 2017 sobre o tema.
Lembrando que o Estado Novo criou em 1938 um sofisticado ministério de administração, o DASP-Departamento Administrativo do Serviço Público, que criou o Concurso Público no Brasil e um sistema de profissionalização dos servidores, com as famosas letras de A a O para promoção e remuneração. Era um órgão avançado naquela época, foi desmontado porque não interessa à burocracia nenhum controle, o caos é melhor.

 

O GGN prepara uma série inédita de vídeos sobre a interferência dos EUA na Lava Jato. Esse tipo de jornalismo só é viável quando a sociedade apoia junto, pelo interesse público. Quer se aliar a nós? Acesse: www.catarse.me/LavaJatoLadoB

Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

8 Comentários

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  1. Aluguel de imóveis, sobretudo por prefeituras, muitas vezes é para agradar correligionários com imóvel encalhado ou que vale pouco (alugando por muito). Creio que na burocracia federal o modus operandi deve se repetir.
    Outros gastos que não entendo ainda existirem atualmente:
    – Gráfica do Senado;
    – Cavalaria no Exército;
    – Diário oficial em papel;

  2. Outro desperdício é em contratos de vigilância terceirizada (segurança privada) para prédios públicos, coisa que alcança secretarias, tribunais, museus, escolas, hospitais, depósitos e até canteiro de obras. Seria melhor pegar a verba e aplicar em convênio com as polícias de estado para fazer a vigilância. Além de mais barato, equipa e aumenta o contingente do policiamento ostensivo, melhorando a segurança no entorno do edifício público vigiado. Mas não renovar esses contratos, pelo menos no Rio de Janeiro, em muitos casos, é colocar a vida em risco.

  3. Por isso que a lei que limita os gastos públicos é tão importante.

    Não podendo ficar aumentando as despesas sem parar, o próximo passo será o de começar a cortar os desperdícios.

    Chegou a ora da virada.

    1. Desperdício, para o governo e mídia, é gasto social para a população carente. Tudo isso que o AMA citou não é encarado como “desperdício”, muito pelo contrário, e jamais será afetado por cortes de despesas.

    2. A “hora” da virada começou com a compra de um monte de carros blindados, com a reforma de uma sala para dona Micheque, com o carguinho do filho de Mourão, com o almoço de mil dólares de 03.
      Tu é burro de nascimento ou bateu a cabeça?

  4. Não sei se entendi direito, mas o autor parece sugerir a via da precarização do serviço público, trata funcionários públicos como um amontoado de burocratas inúteis, que podem ficar em prédios carcomidos pelo tempo e sem acesso a transporte público. Além disso, crítica investimentos em TI sem qualquer embasamento ou prova. Ao menos os neoliberais vêem investimentos em TI como forma de dar maior eficiência e automatizar tarefas, o autor consegue ser mais primata que os neoliberais: jogue os funcionários em prédios degradados, sem ar condicionado e com computadores Celeron e “vai se ajeitar isso daí”. Não vou conseguir falar de tudo, mas ele crítica as terceirizações, o que ele sugere? O retorno dos concursos para motoristas e faxineiros? Eu não tenho nada contra, mas a terceirização foi lançada exatamente para o que propõe o autor, diminuir custos. O ressentimento é grande com os procuradores e juízes, mas acredito que não é o caminho a precarização dos serviços. De alternativas regressivas já estamos fartos.

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