Não é uma ‘gripezinha’, por Rafael Alves

Não é uma ‘gripezinha’, por Rafael Alves

A maior preocupação no capitalismo é o adoecimento do mercado.

Esta entidade que ora ouvimos que está ‘preocupada’, ora ‘otimista’, ora ‘derrete’.

Lembrar disso, talvez ajude os mais céticos, ou os mais dedicados a ele, ao mercado, a considerar que se vários países tomaram medidas restritivas, reduziram drasticamente o contato social, fechando bares, restaurantes, lojas e, já há alguns dias, decretando mesmo o isolamento em casa, o que traz evidentemente enorme impacto na economia, com redução drástica no consumo e produção, o fizeram porque realmente a consequência em não fazer será muito pior que qualquer redução momentânea nas atividades.

Gravei o vídeo abaixo no dia 15 de março, em Budapeste, na Hungria, comentando as rápidas mudanças na Europa, as ações tomadas por alguns países e minha percepção em diferentes cidades. Por um lado países como República Tcheca, Eslováquia, Áustria e a própria Hungria, tomaram medidas restritivas com maior ou menor intensidade, apresentando ainda número reduzido de casos. Por outro, a França, por exemplo, levou bem mais tempo para adotar tais medidas e está hoje atrás de Itália e Espanha no número de casos da doença.

No dia de gravação deste vídeo, a França havia decretado o fechamento de museus, bares e restaurantes. Porém, manteve o primeiro turno das eleições municipais, com uma mensagem contraditória: os cidadãos deviam evitar contato social, ficar em casa, mas ao mesmo tempo escolher prefeitos e vereadores de 35 mil municípios. A adesão à votação foi de 44% do eleitorado, bastante abaixo do padrão francês. As restrições foram ampliadas logo em seguida, no dia 16, com a restrição de circulação nas ruas, fechamento de fronteiras e redução nos transportes.

Para efeito de comparação, no dia 16 de março a França contava 6.633 casos confirmados e  148 mortes. Hoje, 20 de março, momento da escrita destas linhas, o país soma 12.612 casos confirmados, sendo 5.226 pessoas hospitalizadas, 1.297 em estado grave e 450 mortos.

Em meios às ações mais ou menos ágeis, mais ou menos restritivas, inclusive com um negacionista como Trump suspendendo os vôos da Europa para os EUA a partir de 13 de março, nada, nada se compara à situação do Brasil.

No mesmo dia de gravação deste vídeo, 15 de março, vejo ao final do dia que os protestos contra STF e Congresso, protestos que em si já são motivo de repúdio em uma sociedade democrática, não apenas haviam sido estimulados pelo mandatário do país, como tiveram sua participação, apesar de estar com recomendação de quarentena, tendo tido extensivo contato com vários infectados, ao menos 23 casos confirmados no momento desta escrita, apenas em sua comitiva de viagem aos EUA.

Esperava não ser necessário sequer fazer a ponderação do início deste texto. Uma das definições de Direita e Esquerda de que gosto, apesar de sempre serem simplificações, é atribuída a Massimo D’alema, ao dizer que para a Direita a economia está acima de tudo, para a Esquerda, o homem é mais importante. Assim, creio que para as pessoas progressistas e humanas, tal argumentação nem seja necessária. O parágrafo inicial foi um apelo, uma observação, àqueles que estejam mais preocupados com o mercado do que com a crise sanitária e humanitária pela qual o mundo passa, destacando que mesmo os mercados, ou governos, em maior sintonia com esta postura estão tomando medidas de contenção da propagação, baseadas na redução do contato social.

O Brasil, dada a vulnerabilidade de boa parte da população, sua desigualdade e longe de um Estado de bem estar social, que ainda vem sofrendo um desmonte nos últimos anos, já teria condições suficientemente mais difíceis para passar pelo período de pico da Pandemia.

Mas nossa situação está ainda pior com a minimização do problema – vejam bem, vai além de uma inércia do governo, pois há inclusive movimento contrário, quando abertamente são criticadas as medidas que estados vêm fazendo, quando o mandatário apresenta um discurso contrário inclusive ao seu próprio ministro da Saúde –, quando empresários usam canais de comunicação para defender que as medidas são exagero, para anunciar demissões, quando empresários que controlam igrejas desafiam as recomendações e promovem a aglomeração de pessoas e consequente propagação do vírus.

Espero que a população possa, apesar da falta de governo, se conscientizar, se solidarizar e se ajudar. A começar por evitar a propagação do vírus, evitando o contato, tomando as medidas de higiene, ajudando aqueles que mais precisarem neste momento.

No primeiro dia de confinamento em Paris, dia 17, alguém próximo ao prédio em que eu estava começou a tocar um instrumento na janela. Os aplausos foram de um prédio ao outro, de uma rua a outra e tomaram conta do bairro.

Durante o confinamento e este período de incerteza e angústia, a interação e o suporte psicológico é importante.

Para o caso brasileiro, apesar de não ser bonito e já ter feito um estrago no passado, recomendo que a interação pelas janelas seja feita com panelas.

Redação

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