Navio negrante, por Sergio Saraiva
Somos todos a mesma carcaça animada pela mentira de uma alma imortal.
Somos todos a mesma carcaça montada com palha e cal.
Somos todos a mesma carcaça tocada pela fome que nos faz reféns da vida.
Somos todos a mesma carcaça adornada pela mesma pele ferida.
Somos todos a mesma carcaça recoberta da mesma carne que nos faz prisioneiros da mesma dor.
Somos todos a mesma caraça suporte do mesmo cansaço que nos dá algum valor.
Somos todos a mesma carcaça que copula e produz novas ossadas para repor as espinhas que fraturadas não valem mais nada.
Somos todos a mesma carcaça que carrega sobre as escápulas o mesmo deus pai e patrão.
Somos todos a mesma carcaça que moída em farinha de ossos polvilha o chão.
Somos todos a mesma carcaça que com a cervical ereta afirma ser homem, ainda que pela lida em carcaças de bestas nos tornem.
Somos todos a mesma carcaça – tétrico cortejo de esqueletos que andejam em marcha fúnebre.
Somos todos a mesma carcaça na mesma barcaça da mesma morte que por fim nos irmana e reúne.
PS1: inescapável associar as imagens do quadro “Navio de Emigrantes” de Lasar Segall – de 1941 – com a obra “Navio Negreiro” de Rugendas – de 1830. E com elas os versos do samba-enredo da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti – de 2018: “irmão de olho claro ou da Guiné, qual será o seu valor?”.
PS2: Oficina de Concertos Gerais e Poesia:depois de dez mil anos de escrita, não há mais nada a dizer.
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