Nazismo? Socialismo? Precisamos urgente estudar história!, por Rudolfo Lago

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Wikimedia commons

Por Rudolfo Lago
 
Em Os Divergentes
 
Quando surgiram, as redes sociais foram saudadas por muitos como o prenúncio de um novo tempo. Estávamos diante da possibilidade de construção de uma ágora universal, um espaço no qual os cidadãos poderiam expressar suas ideias e discuti-las sem a necessidade da intermediação com seus representantes nos Parlamentos. Para alguns utópicos, surgia a chance de construção de um modelo de democracia direta a partir das novas ferramentas tecnológicas.
 
A isso, se somava a potencialidade da rede mundial de computadores, dando acesso gratuito e direto a todo o conhecimento. Bibliotecas e museus ao alcance de um clique. É triste, mas a humanidade prefere dar outra vez mostras de que pode ser um projeto fracassado. Aos museus e bibliotecas, a maioria prefere compartilhar vídeos de cachorrinhos latindo ou coisas piores. E as redes sociais acabaram se tornando veículos de disseminação das piores distorções e besteiras. Seja por ignorância mesmo. Seja por má fé, o que é muito mais perigoso.
 
Prolifera nas redes desde as manifestações nazistas, fascistas e racistas nos Estados Unidos nos últimos dias um exemplo veemente dessa doença. Alguns vêm tentando vincular o nazismo de Adolf Hitler ao comunismo. Independentemente do que se pense sobre uma ideologia ou outra, é preciso dizer que não há a menor relação entre eles. Se queremos debater alguma coisa com um mínimo de propriedade, é necessário estudar nem que seja um pouquinho de história.
 
Com absoluta modéstia, sem pretender virar professor e reconhecendo as profundas limitações, vamos tentar estabelecer aqui algumas diferenças que é importante que se conheça. Em primeiro lugar, vamos deixar de lado a besteira mais recente de considerar que não há a divisão entre esquerda e direita na política. Quem acha que ela não existe, que arranje uma maneira melhor de conceituação.
 
Assim, comecemos pelo nazismo. Trata-se de uma ideologia de extrema direita surgida nos anos de 1930 na Alemanha. Alinha-se a outras ideologias semelhantes que tinham como base o ultranacionalismo. O ultranacionalismo pressupõe a existência de um Estado forte e interventor. Nisso, então, o ultranacionalismo acaba se distanciando do capitalismo liberal, porque no ultranacionalismo não cabe a ideia da livre iniciativa. No caso da Alemanha, tínhamos ali um país humilhado e destroçado pela Primeira Guerra Mundial. O Tratado de Versalhes impôs à Alemanha o pagamento de uma dívida tão absurda que, pasmem, o país só conseguiu terminar de pagá-la em 2010! A Alemanha viveu o que é considerada uma das piores crises econômica da história de qualquer país. A inflação em 1923 chegou a mais de 25 mil por cento ao mês. Um dólar chegar a valer mais de um trilhão de marcos. É nesse contexto que Hitler surge. Em seu discurso, buscava levantar a autoestima do povo alemão falando em supremacia, inclusive racial, e elegendo inimigos que, na sua visão, eram responsáveis por essa situação, como os judeus. Considerava o resto do mundo seu inimigo e mergulhou a Alemanha num triste período de insanidade. Para quem quiser entender um pouco mais disso, vale o documentário “Arquitetura da Destruição”, de Peter Cohen.
 
Assim, dentro dos conceitos modernos de capitalismo, não se pode considerar a Alemanha de Hitler um modelo. Ali não havia Estado mínimo, meritocracia e outros conceitos que hoje se identificam com a direita. Bom lembrar que na nossa ditadura militar esses conceitos também não existiam. A ditadura militar também era ultranacionalista. E Jair Bolsonaro é também ultranacionalista.
 
O comunismo também não é capitalista. Mas não tem nada a ver com o nazismo. Na verdade, a rigor, pode-se dizer que nunca houve um governo comunista no mundo. Segundo o conceito de Karl Marx, o comunismo seria a criação de uma sociedade sem classes sociais, apátrida (ou seja, sem pátria), totalmente igualitária, onde a propriedade dos meios de produção seria coletiva. Isso nunca existiu de fato. Em países como a União Soviética ou Cuba, a propriedade dos meios de produção tornou-se estatal. Impôs-se um governo forte no que seria uma etapa primeira para a chegada ao comunismo, o que se chamou de “ditadura do proletariado”. E, embora se tenha tentado, como nunca se internacionalizou, o que veio nunca foi apátrida. E surgiram diversas conceituações diferentes de como chegar ao comunismo. O da União Soviética foi apenas um deles.
 
Outro aspecto da salada que anda se fazendo é que Hitler e Josef Stalin, então as referências principais de nazismo e comunismo na Segunda Guerra Mundial, estavam em lados opostos. Eram inimigos. No início da ascensão de Hitler, Stalin até se aproximou dos nazistas (como se aproximou dos nazistas também no Brasil Getúlio Vargas). Mas, após Hitler invadir a Polônia, a União Soviética uniu-se aos Aliados. E foi fundamental para a derrota da Alemanha. Foi o Exército Vermelho, dos soviéticos, que invadiu Berlim no início de 1945. É somente depois disso que Estados Unidos e União Soviética colocam-se em lados opostos, no período que ficou conhecido como Guerra Fria.
 
Certamente, há historiadores e cientistas políticos capazes de fazer um resumo da história melhor que este. Mas fica aí uma contribuição. Porque o mais incrível é chegar a um ponto em que ela se torne necessária…
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

13 Comentários

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  1. Não se trata somente de

    Não se trata somente de ignorância da direita selvagem. Esses “pensamentos falsos”  são mais uma arma de desinformação, manipulação e embaralhamento de fatos e idéias, é o aprofundamento da sociedade líquida, a diluição ideológica e até mesmo a liquefação da história. 

  2. Vale lembrar…

    … que durante  a Segunda Guerra foram homens de esquerda – principalmente – que combateram o nazifascismo durante a ocupação na França e na Italia, através da organização e mobilização de milícias e a produção e distribuição de panfletos e jornais clandestinos. A respeito,  livros e filmes não faltam – como Cartas a um Amigo Alemão, de Albert Camus, e Roma Cidade Aberta, de Roberto Rossellini.

  3. Além disso…
    Existe uma diferença psicológica fundamental entre direitistas e esquerdistas:

    Direitistas clamam por ordem, regras fixas e claras, para poderem se dedicar à restauração de um passado supostamente idílico. Daí sua predileção pelo militarismo e sua disposição de seguir líderes.

    Esquerdistas clamam por mais fluidez na organização social, decisões coletivas, para permitir que todo o potencial dos indivíduos seja aproveitado, de modo a apressar a mudança para um futuro melhor do que o passado e o presente.

    Já nacionalismo é outra coisa. É sobre a preservação da identidade de uma nação; se esta estiver sob ataque externo, fecha-se, para se defender e se preservar. Nesse aspecto, dois países fechados, como a URSS e a Alemanha nazista se pareciam.
    Mas seus ideais eram diametralmente opostos.

  4. Pequena correção…

    Pequena correção, que não invalida ou diminui o post…. Hitler e Stalin foram “amigos” até a invasão da URSS… a Polônia foi invadida por ambos, um de cada lado…. 

    1. Mais ou menos
      Quem invadiu a Polônia foi APENAS a Alemanha.
      Após a capitulação da Polônia, como previamente acordado, o território que a Rússia havia perdido Na primeira Guerra foi recuperado.

      Isso é bem diferente de uma invasão Soviética que nunca aconteceu.Nao houve batalhas contra tropas soviéticas. Houve apenas contra tropas alemãs.

      Mas sim, os livros de história contam exatamente o que vc disse.

  5. E quando a legião de imbecis
    E quando a legião de imbecis da Internet descobrir quem financiou Hitler, como é que vai ficar a cabeça do tal procurador que “esclareceu” essa gente a respeito da ideologia do nazismo?

  6. Essa agenda não é nacional
    É uma força estrangeira (qual será ) que reescreve história.

    Não tenho certeza se há no Brasil força para se contrapor uma vez que Vcs não identificam que força é esta.
    Se não identifica, como a combaterá?

    1. Não é mesmo!

      Uma agenda nacional, como a do nazismo alemão, teria o apoio maciço do povo. Temer tem 4% de apoio; as reformas são rejeitadas pela maioria esmagadora do povo.

      Uma agenda nacional, como a do nazismo alemão,  visaria expandir a influência do Brasil para outros países. A agenda desses golpistas vagabundos é entregar o país aos EUA, arriando as calças para o capital estrangeiro e desmontando nosso aparato de defesa.

      O que está ocorrendo aqui não é uma virada à direita autóctone, mas um realinhamento forçado com o império. O país teve sua cabeça (lideranças políticas e empresariais) cortada e seu corpo está sendo colado ao da metrópole estrangeira.

      O motivo dessa violência é o acirramento das tensões internacionais, com a Segunda Guerra Fria. Os EUA estão desesperados por petróleo; queimam 20 milhões de barris por dia, para produzir principalmente calor e eletricidade, e só têm reservas nacionais para mais 5 anos. O pré-sal brasileiro daria a eles mais 10 anos; o petróleo venezuelano, mais 40 anos. Nesse desespero, entram em choque com o resto do planeta, como a Alemanha nazista e, nesse passo, vão acabar provocando a III Guerra Mundial – nuclear, rápida e devastadora.

       

       

  7. Derivam do mesmo tronco

    É claro que fascismo e comunismo não são a mesma coisa. Mas são parentes, derivam do mesmo tronco, surgiram no mesmo contexto histórico e disputaram o mesmo público de trabalhadores insatisfeitos e intelectuais desajustados. O fascismo nunca foi um regime de elites, mas de massas, de fanfarra, de bandeiras, de operários e estudantes desfilando uniformizados, de organizações coletivas, de apelo à união nacional. Eu diria que o fascismo foi um pastiche criado para concorrer com o comunismo, e por esse motivo ganhou o apoio dos banqueiros e industriais quando eles viram que a outra alternativa seria o comunismo. O fascismo não eliminava a burguesia, mas invertia a relação que existia sob o estado liberal: ao invés da burguesia comandar o Estado, o Estado é que comandava a burguesia (na realidade o fascismo cria uma burguesia para seu uso, seja apoiando burgueses aliados ou enriquecendo seus próprio apaniguados, ao mesmo tempo em que pesegue e expropria os burgueses não cooptados).

    O regime atual mais semelhante ao fascimo é o bolivarianismo na Venezuela. De fato, vemos ali todas as características originais dos fascismos dos anos 30: ultranacionalismo, culto à personalidade, organizações de massas, milícias controladas pelo partido e não pelo poder público, manutenção do regime capitalista porém colocado sob a égide do Estado, e por fim a nova burguesia dos amigos do regime, apelidada de boliburguesia. O bolivarianismo é uma espécie de versão renovada do peronismo dos anos 40, lembrando que Perón sempre declarou abertamente sua admiração por Mussolini, coisa que na época fazia todo sentido. Mas atualmente o sentido do termo fascismo foi deturpado e soa contraditória afirmar que o bolivarianismo é um tipo de fascismo.

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