Notas sobre a aderência à propaganda antidemocrática, por Nathália Meneghine dos S. Rodrigues

Afinal, por que cerca de 30% de brasileiros apoiam a escalada da tirania?

do Psicanalistas pela Democracia

Notas sobre a aderência à propaganda antidemocrática

por Nathália Meneghine dos S. Rodrigues

 

Em o “Discurso Sobre a Servidão Voluntária”, Etienne de La Boétie diz que há três tipos de tiranos: o que chega ao poder pelo direito da guerra, o que nasce rei, e aquele a quem o povo deu o Estado (eleito). No entanto, adverte que, apesar da diversidade de meios para se chegar ao poder, a forma de governar é sempre a mesma: sua única lei é a sua vontade.

Vivendo sob a administração de um Governo Federal que demonstra desprezo pelas relações democráticas, o Brasil se depara com cerca de 30% da sua população (segundo pesquisas), aderida ao discurso de seu representante máximo, por isso, ficamos nós também buscando explicações para tal aderência.

Afinal, por que cerca de 30% de brasileiros apoiam a escalada da tirania?

Nesta difícil tarefa, vamos primeiro pela trilha do filósofo alemão, e admitir com ele que as condições econômicas e subjetivas são fatores determinantes na prontidão de aderência das pessoas frente ao discurso antidemocrático. Ainda que comportando contradições, como é o caso de trabalhadores de famílias vulneráveis que defendem discursos de supressão de seus próprios direitos, ou de pessoas privilegiadas socialmente que se engajam em causas em prol das classes populares.

As condições sociais de um país irão demarcar aquilo que é tomado como patológico ou como tendência. Como aceitável ou como execrável. Ou seja, interesses econômicos são forças que favorecem ou rechaçam a propaganda antidemocrática, pois a tendência é sempre maior de aceitar políticas que não parecem prejudicar economicamente quem detém os poderes, custe o que custar (até a liberdade). A propaganda veiculada sempre oferece a garantia de uma melhor ‘sorte’.

Adorno não deixa de fora a relevância das questões de identificação ideológica com um determinado grupo, que provocam uma adesão irrestrita das pessoas a um discurso, até mesmo à revelia da racionalidade, e tornando necessária a supressão de qualquer oposição à ideologia eleita.

Aqui, trata-se de tomar a ideologia como a organização de opiniões, atitudes e valores.

A irracionalidade como tendência nestes grupos provoca a hostilidade sem limites, tanto faz contra uma ou contra várias minorias, e precede ainda, de qualquer experiência de contato, o lema é: “não conheço, não me interessa conhecer, quero apenas que desapareça, porque pensa diferente do meu grupo”. Tem por padrão repetir as opiniões do líder do grupo, sem qualquer questionamento.

Portanto, estão delimitados os fatores situacionais que provocam maior ou menor aderência ao discurso antidemocrático: condição econômica e afiliação a grupos sociais por identificação de interesses.

No entanto, como já anunciado, os fatores subjetivos ocupam lugar relevante em cena, para nos ajudar no rastro dos motivos para a inscrição na propaganda autoritária. Sobretudo, os fenômenos de massa: “O fascismo precisa ter uma base de massas, a fim de ser bem sucedido como movimento político”, diz Adorno. Para isso, o apelo para a aderência ao discurso autoritário funciona muito através da cooperação ativa de uma significativa parcela da população. Busca-se favorecer a poucos, com o apoio de muitos, às custas da maioria.

O próprio autor introduz a teoria freudiana, no que diz respeito a Psicologia das Massas. E é em Freud que conseguimos caminhar mais nesse entendimento, sobretudo sobre a intensidade da receptividade a líderes autoritários e do flagrante destaque a irracionalidade. Freud é taxativo: “As massas nunca tiveram a sede de verdade”.

Em “Psicologia das Massas e Análise do Eu” (1921), ele discorre sobre as características de uma massa organizada e destaca a função do líder do rebanho.

Não faltam exemplos atuais para ilustrarmos o comportamento que um indivíduo passa a apresentar quando se une a outros, a partir da ascensão de um líder idealizado. Comportamentos esses pautados pela selvagem combinação de sentimento de onipotência, suspensão da racionalidade, intolerância, aversão ao progresso, desinibição, e sede de obediência a um fascinante “pastor”.

O fascínio está também colocado do lado do líder: é ele que primeiro se mostra fanático por uma idéia e, a partir disso, desperta a crença cordeira da massa em sua missão messiânica. A crítica é silenciada. Afetos são elevados, dando a certeza (delirante) de poderes ilimitados.

Freud chama atenção para o processo de constituição libidinal de uma massa: os indivíduos colocam um único objeto no lugar de seu ideal do Eu, identificam-se uns com os outros a partir disso, e o líder domina o Eu no lugar do ideal do Eu.

O líder também faz uso da estratégia de fazer-se parecer com seus adoradores, de caneta bic à café no copo de requeijão, passando por toda sorte de ludibriação, no intuito de favorecer sua influência, sem, no entanto, colocar-se em simetria. Ele é a Lei.

Favorece a aderência do indivíduo na massa, a atrativa oferta de suspensão das inibições individuais. A massa usufruiu do aval para uma certa liberação dos escrúpulos. Em razão do número, se acha invencível e irrepreensível, e acredita que como massa não há a possibilidade de responsabilizações individuais.

Destacamos aqui, um fragmento do discurso de posse do eleito presidente Jair Bolsonaro, quando ele prometeu “libertar o Brasil do politicamente correto”. Isso, diz desta suspensão do que fazia barra ao discurso autoritário, abrindo caminho para a permissividade da exclusão das diferenças. E, para a expressão desvelada do ódio avassalador.

Podemos ainda arriscar incluir alguma observação sobre o campo da ética. Se a ética implica, necessariamente, em considerar a presença da alteridade, não há possibilidade de posição ética de dentro de um discurso tirano. A defesa que se faz é apenas dos próprios privilégios, sem espaço para o contraditório. Inclusive, de dentro da própria massa, é sustentada uma regra de homogeneidade.

A crença num líder messiânico, suficientemente conservador para não provocar nenhuma mobilidade social, que oferece com convicção o conforto de calar as dúvidas e eliminar as diferenças (com uso de força), junto de uma permissividade das paixões (ignorância e ódio), sem nenhum preço de responsabilidade a se pagar, acaba por ser demasiadamente sedutora para uma parcela da população.

No entanto, os fascinados pela tirania, não distinguem a tempo, que há sim uma conta alta a se pagar. Como já avisado aqui, o autoritarismo funciona sobre o sacrifício de muitos para o privilégio de poucos.

Em última instância, todos estão apenas a serviço de alimentar o poder do líder, não há regozijo nem mesmo para seus cúmplices, que também são descartados, quando – cedo ou tarde- acabam por entrar na série paranoica do tirano, que só suporta sua própria imagem.

A propaganda autoritária é tão sedutora para alguns, quanto destrutiva para todos.

Redação

2 Comentários

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  1. Isto é o Bolsonarismo

    “… o Brasil se depara com cerca de 30% da sua população (segundo pesquisas), aderida ao discurso de seu representante máximo, por isso, ficamos nós também buscando explicações para tal aderência. (…) A irracionalidade como tendência nestes grupos provoca a hostilidade sem limites, tanto faz contra uma ou contra várias minorias (…) Tem por padrão repetir as opiniões do líder do grupo, sem qualquer questionamento. (…) O fascismo precisa ter uma base de massas, a fim de ser bem sucedido como movimento político”, diz Adorno (…) Freud é taxativo: “As massas nunca tiveram a sede de verdade”.
    ***
    O Bolsonarismo vem sendo estudado pelo menos desde 2018, e continuará a ser pelos próximos 100 anos. Acompanho o trabalho de duas pesquisadoras, as professoras Isabela Kalil e Esther Solano, que desde 2018 ingressaram em grupos de bolsonaristas nas redes sociais a fim de estudar o perfil/comportamento. Livros sobre esses trabalhos devem estar a caminho, e certamente deve haver mais algumas dezenas de pesquisadores realizando o mesmo trabalho.

    Recolhi no Facebook apenas dois exemplos de Bolsonarismo alucinado, mas representativos do que trata o magnífico texto da psicanalista Nathália Rodrigues.

    O Bolsonarismo é articuladíssimo e eficiente em grau máximo. Não basta desbaratar a rede de fake news dos sites tipo Jornal da Cidade on Line, mas também a imensa rede de pessoas físicas, com milhares de seguidores, que replicam o conteúdo gerado centralizadamente. Essas pessoas físicas são igualmente remuneradas para isso.

    Nem todo LSD consumido no Festival de Woodstock (15 a 18.08.1969) dá conta do que vai abaixo:

    1) O vídeo da reunião ministerial de Bolsonaro está se espalhando pelo mundo. Cópias legendadas estão fazendo um tremendo sucesso entre espanhóis, franceses, alemães, italianos, americanos, argentinos, colombianos, peruanos, etc. Um programa americano chegou a dizer que Bolsonaro é mais direto, corajoso e verdadeiro que o próprio Trump e que Bolsonaro e seus filhos são todos “alpha-male”, ou seja, machos alfa.
    Curiosamente, hoje, após uma conversa de 30 minutos com o presidente Bolsonaro, Trump surpreendeu a todos e saiu caminhando pelas ruas nas imediações da Casa Branca. Toda a imprensa ficou em choque pelo acontecimento inédito na história americana, principalmente porque tinham anunciado que Trump e sua família já estariam em um bunker na Casa Branca e que seriam secretamente retirados para um local mais seguro.
    Alguém duvida que esse gesto inesperado, inédito e ousado do presidente americano não tenha sido uma sugestão do mito brasileiro?
    1.100 curtidas – 125 comentários – 537 compartilhamentos
    ******

    2) DENÚNCIA GRAVE
    Com a decisão do Ministro do supremo Edson Fachin de proibir a policia de entrar nas favelas, a esquerda e o crime organizado, com dinheiro chinês, mandou distribuir e esconder uma grande quantidade armas em lugares estratégicos nas favelas do Rio e SP, para colocar na mão de muita gente, de forma remunerada, para combater o governo no caso de intervenção militar.
    Estão formando exércitos mercenários.
    Vários estrangeiros com formação militar devem somar forças.
    José Dirceu, entre outros, disse que o poder será tomado a força.
    Soube que na favela da maré RJ existe treinamento de guerrilha por angolanos…
    Lindemberg Farias foi visto recentemente organizando sovietes na favela do Vidigal RJ…
    Provavelmente farão ataques e saques simultâneos e as forças estaduais e municipais não conseguirão coibir e a população ficará apavorada.
    Já estamos veladamente no meio de uma guerra.
    Os 35 mil presos foram libertados com uma missão.
    Os serviços de inteligência devem investigar e o ministério da defesa adotar medidas preventivas…
    As manifestação dos ANTIFAS com apoio da mídia irá estimular o espírito bélico e a vontade de guerrear das hordas.
    TODOS devemos nos preparar.
    Deus no comando.

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