Novos elementos sobre a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder, por Rodrigo de Abreu Pinto

Muito além de interpretá-lo como um mero fenômeno eleitoral ou fabricado pelas “elites”, os dados apontam Bolsonaro como o político de direita mais popular desde a redemocratização.

Piauí (2015) de Marina Rheingantz

Novos elementos sobre a ascensão de Jair Bolsonaro ao poder

por Rodrigo de Abreu Pinto

em seu blog

O recém-lançado livro do cientista político Jairo Nicolau — O Brasil dobrou à direita: Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018 — fornece instrumentos valiosos para a (re)compreensão da ascensão de Jair Bolsonaro ao poder. Muito além de interpretá-lo como um mero fenômeno eleitoral ou fabricado pelas “elites”, os dados apontam Bolsonaro como o político de direita mais popular desde a redemocratização.

Na eleição de 2018, embora derrotado pelo petista Fernando Haddad nos municípios mais pobres do Nordeste, o então candidato do PSL venceu entre os eleitores menos escolarizados das demais regiões do país (gráfico 01). E o principal: com uma votação muito superior às conquistadas pelos candidatos de direita no 2º turno das eleições anteriores (gráfico 02), razão pela qual Jairo afirmar que “uma das mudanças mais profundas de 2018 é a vitória de um candidato de direita sobre o PT entre os eleitores de baixa e média escolaridade. Isso não acontecia desde a vitória de Fernando Henrique Cardoso em 1998.”

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GRÁFICO 01: votos de Haddad e Bolsonaro segundo o nível de escolaridade no 2º turno da eleição de 2018.

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GRÁFICO 02: votos do PT e da direita segundo o nível escolaridade no 2º turno das ultimas três eleições.

A vitória de Haddad no Nordeste garantiu que o petista se mantivesse como o mais votado nos pequenos municípios do país, enquanto Bolsonaro venceu com vantagem inédita nos municípios maiores relativos às grandes cidades (gráfico 03). A pesquisa de Jairo Nicolau constata que “o bolsonarismo é, sobretudo, um fenômeno urbano”, onde se concentra o mundo desorganizado do trabalho precário, além das periferias em que os movimentos religiosos e militarizados assentaram raízes.

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GRÁFICO 03: votos do PT e da direita segundo o tamanho dos municípios no 2º turno das últimas três eleições.

Antes das eleições, alguns sociólogos e antropólogos (Gabriel Feltran, Isabela Kalil, Rosana Pinheiro Machado e Esther Solano) já vinham escrevendo sobre a ascensão do bolsonarismo nos meios urbanos. A pesquisa etnográfica de Gabriel Feltran, publicada recentemente na Novos Estudos no Cebrap, revela que Bolsonaro foi vitorioso em um mundo onde os trabalhadores, antes aspirantes a carteira assinada, já não querem patrão e almejam o empreendedorismo informal. Um mundo em que as igrejas evangélicas forneceram novos significados para a vida sofrida. Um mundo em que os policiais, incluindo as milícias e os agentes de segurança privada, conquistaram reputação pela “ordem” imposta a bairros assolados pela violência.

É isso que explica a ascensão de fenômenos essencialmente ligados às transformações das cidades e das periferias urbanas — como o punitivismo social (“bandido bom é bandido morto”), a teologia da prosperidade, a ideologia do empreendedorismo, a crise da representação classista (sindicatos, partidos e movimentos sociais) — os quais são as causas das mudanças no sistema político, incluindo a eleição de Bolsonaro, e não a consequência. Para quem ainda insiste em explicações muito atadas a mera institucionalidade estatal, como o antipetismo, os dados de Jairo Nicolau delimitam que “a distinção petismo/antipetismo é pouco relevante para os eleitores de baixa escolaridade e tem mais importância no segmento de educação superior”. (gráfico 04).

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GRÁFICO 04: atitudes dos eleitores em relação ao PT.

Se é certo que a facada serviu para torná-lo mais conhecido ao redor do país e garantir o tempo de televisão que não tinha, “ser conhecido é condição necessária, mas não é condição suficiente para se ser votado”, explica Jairo Nicolau, a exemplo de Marina Silva que todos conheciam e não teve mais que 1% dos votos. Bolsonaro foi eleito porque, de algum modo, encarnou o espírito do nosso tempo ao estabelecer vínculos com igrejas, centros comunitários, delegacias, batalhões e assim fiar sua capilaridade no tecido social a ponto de se tornar uma das suas expressões ideológicas. Nas palavras de Gabriel Feltran, “o capitão representa setores policiais, militares e evangélicos politicamente ativos há ao menos uma década, com legitimidade construída ao longo do tempo”. Basta notar o apoio impressionante que obteve entre os evangélicos, fração do eleitorado em plena ascensão e que se dividia entre PT e PSB nas eleições anteriores (gráfico 05).

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GRÁFICO 05: votos do PT e da direita segundo a religião no 2º turno das últimas três eleições.

É certo que Bolsonaro concorreu por um micropartido, gastou pouco e praticamente não dispôs de horário eleitoral gratuito, sem falar que ignorou o que sugerem os manuais de campanha (“moderar o discurso e tentar convencer o eleitor de centro”). Não é menos certo, no entanto, que Bolsonaro usou o seu mandato de deputado federal (2014–2018) para viajar pelo Brasil onde comparecia em formaturas de militares, cerimônias religiosas e programas de televisão. Não por outra razão, desde o início das pesquisas eleitorais, o ex-capitão sempre liderou no cenário sem Lula, o que torna sua eleição um raio num céu nem tão azul assim, já que confirma o padrão eleitoral brasileiro em que “o nome que está na liderança no começo do horário eleitoral gratuito vence as eleições”, como indica Jairo.

Admitir que Bolsonaro é o política de direita mais popular desde a redemocratização implica, ao mesmo tempo, admitir que não venceu por causa da elite. Antes, foi porque ganhou uma notoriedade impressionante nos centros urbanos, o que forçou que essa mesma elite embarcasse em sua eleição, e não o contrário. É possível especular que Bolsonaro não venceria, especialmente no 2º turno, sem o apoio do mercado financeiro, do agronegócio e da elite empresarial — basta ver que se preocupou em convidar Paulo Guedes como fiador do pacto com essas elites — mas só o empurrão do andar de cima não seria o bastante, vide o colapso do seu candidato orgânico, Geraldo Alckmin.

Claro que teve fake news… mas os bolsonaristas não são ingênuos que acreditam naquelas mentiras porque acham que são “verdadeiras”, mas porque dizem respeito às formas de vida e afetos do horizonte político ao qual se associaram e que formam o chão ideológico dessas mesmas mentiras. Em outras palavras: é fake news que as eleições foram ganhas por causa de fake news, pois as razões da crença são de base material — e é isso que calcificou as escolhas dos bolsonaristas, os quais agiram como sujeitos da própria história, e não como mera massa de manobra.

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Piauí II (2015) de Marina Rheingantz

O livro de Jairo Nicolau, assim como a pesquisa de Gabriel Feltran e demais antropólogos, ressaltam a falsidade de explicações simplistas (facada, fake news, antipetismo, etc) que tratam a eleição de Bolsonaro como um acidente, e só. A saída, por outro lado, deve partir de uma larga revisão sociológica da nossa inserção política na sociedade brasileira. Para terminar com palavras de Jairo: “São essas pessoas comuns, que não são os tais fascistas, que nós temos de entender. Enquanto combatermos a extrema direita fascista e achar que essa é a melhor forma de combater o bolsonarismo, não estaremos entendendo o Brasil.

Rodrigo de Abreu Pinto – Nascido em Recife. Formado em filosofia pela FFLCH-USP. Mora no Rio de Janeiro e estuda direito na PUC-Rio. Escreve às quartas.

Redação

2 Comentários

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  1. O poder real p(l)utocrático no braZil, controlado de fora, independe de governo ser de esquerda, centro ou direita, democrático ou ditatorial.
    Dizer que a direita colocou ou não Bolsonaro no poder é uma meia verdade (e portanto meia mentira) que deve ser melhor esclarecida:
    No afã de destruir o Petê (que não os atrapalhava mais do que eles próprios se auto-atrapalham), este poder conservador, a direita e os neoliberais tanto fizeram que não conseguiram emplacar os seus e PROPICIARAM (sem querer) a ascensão do mitosco presidente. Observem que a corrida de 2018 tinha Alckmin, Amoêdo, Meirelles, além de aceitarem Marina “do Itaú”, Álvaro Dias e até mesmo Ciro. Oresto, tirando o candidato profissional Eymael era de esquerda ou nanico. Embora Haddad seja centro-esquerda (como Lula e menos um pouco, Dilma), era “do Petê”.
    Sobrou para o literalmente paraquedista) Bolsonaro, que “se deu-se bem”, com seus fanáticos crentes e extremistas, os eleitores conservadores e de centro direita e os anti-petistas formados por anos e anos de campanha miRdiática à serviço deles, desde o mensalão (®míRdia). Ou desde Collor
    O fato é que mataram o inimigo, mas não elegeram os comparsas.
    Agora, estão tentando se adaptar, assim como o capetão que caiu de paraquedas no meio desta “batalha”.
    Esta postagem mostra um pouco do que tenho falado aqui:
    MAIS IMPORTANTE DO QUE ENTENDER BOLSONARO É ENTENDER SEUS APOIADORES E ELEITORES.
    Diretos ou indiretos (ex. tucanos, conservadores “normais” e antipetistas).
    Entender Bolsonaro não é difícil: usa a tática FQM (falar qualquer m#Rd@). É um sucesso e ele sabe disso, desde suas entrevistas escalafobéticas lá atrás. Aparecer pela bizarrice, pela excentricidade.
    Tão bizarra e excêntrica que desmonta reações naturais da lógica, surpreendendo os interlocutores (“cu-cu-cuma?)” e deslumbrando os ingênuos, incautos ignorantes e malucos como ele: “é isso aí!”…
    Embora um maluco com uma roda cada vez maior batendo palmas pra ele dançar, ele inicialmente um tant mais tímido, está cada vez mais gostando da dança. E ninguém para a música!
    Não nos iludamos:
    Bolsonaro é ignorante, incompetente, mau caráter amilicianado, pouco humanizado, ganancioso desde os tempos de quartel, frequentemente ridículo, nada democrático e tem uma visão tosca de mundo.
    Um trágico desastre para nós.
    Mas similarmente a tantos gurus por aí, Jair “Jones” é extremamente competente em sua “toscalidade”.

  2. Esquece-se, olhando em retrospectiva, de alguns fatores que determinaram as eleições presidenciais de 2018 e condicionaram seu resultado final:
    a) se o STE tivesse seguido a legislação vigente e tivesse obedecido os acordos internacionais, mediante a decisão das Nações Unidas, Lula deveria ter sido candidato. Mesmo encarcerado, Lula iria para o segundo turno como favorito absoluto, com algumas chances de vencer no primeiro turno.
    b) se Lula, mesmo condenado, estivesse em liberdade (ou seja, se a Constituição Federal estivesse valendo alguma coisa), mesmo sem ser candidato, teria articulado melhor o PT e seus aliados e teria participado da campanha.
    c) se Lula, mesmo encarcerado, tivesse o direito de dar entrevistas, a dinâmica da campanha eleitoral teria sido outra.
    d) se não fosse o atentado que, segundo alguns, Jair teria sido vítima, Jair teria dificuldades em ir para o segundo turno. Se Jair fosse, a dinâmica seria outra, já que não entraria como favorito e não teria álibi para fugir dos debates.
    e) embora eu considere a candidatura Haddad um erro (à medida que ele não teria governabilidade; o melhor, a meu ver, teria sido apoiar alguém de fora do PT ou, melhor ainda, o PT levar até o fim a máxima que “Eleição sem Lula é fraude”), sob o ponto de vista eleitoral, a estratégia do PT foi perfeita. Apesar da vitimização do Jair e de seu suposto atentado e a despeito de todos estarem contra Haddad, o mesmo, na última semana de setembro, dava as pintas de favorito. A situação mudou radicalmente a partir do último final de semana de setembro e, no dia da eleição, houve um efeito avalanche. Uma investigação independente pode confirmar as suspeitas de que se não fosse o sistema de inteligência de fakenews, Jair não teria quase vencido no primeiro turno (chegando no segundo turno como favorito absoluto), assim como não teria sido eleita uma parte considerável dos candidatos de extrema-direita.

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