Bruno Lima Rocha
Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.
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O 15 de maio é a data de unificação da colônia árabe-brasileira, por Bruno Breaklini

O momento é grave e exige toda a dedicação possível das forças políticas palestinas na terra e na diáspora, assim como dos grupos de apoio do Mundo Árabe e nossa diáspora.

Ato em frente ao estádio do Pacaembu ao final da carreata pelo fim do massacre palestino, em São Paulo, 15 de maio de 2021 [Foto Lina Bakr]

do Monitor do Oriente Médio

O 15 de maio é a data de unificação da colônia árabe-brasileira

por Bruno Breaklini

No sábado dia 15 de maio de 2021, convocados pela Juventude Sanaud (Voltaremos) e a Federação Árabe-Palestina do Brasil (FEPAL), foram organizados pelo menos dez atos em memória da Nakba, a Catástrofe, a Tragédia do povo palestino consumando a limpeza étnica executada pela máquina de guerra sionista em 1948. Dentre as convocatórias públicas e as carreatas, “entre elas as capitais Brasília/DF, São Paulo/SP, Curitiba/PR, Porto Alegre/RS, Recife/PE e Manaus/AM. Na sexta-feira à noite, a Mesquita Omar Ibn AI-Khatab, em Foz do Iguaçu/PR, foi iluminada com as cores palestinas e uma mensagem de apoio a sua libertação”.

O momento é grave e exige toda a dedicação possível das forças políticas palestinas na terra e na diáspora, assim como dos grupos de apoio do Mundo Árabe e nossa diáspora. Definitivamente o adiamento das eleições palestinas – dadas as péssimas condições de segurança na Al Quds ocupada e a constante provocação do inimigo – fica em segundo plano diante da unidade na resistência. Podemos afirmar com a licença poética de nossa cultura que “as pedras em defesa de Al Aqsa se encontram com a artilharia de Gaza”. A data de 15 de maio é central porque marca o protagonismo de um povo em luta, na formação de povo-classe de maioria camponesa (fellah) em refugiados em diáspora e resistentes contra a ocupação de suas terras onde residem há milênios. Para os milhões de árabes descendentes no Brasil, é o que nos posiciona contra o imperialismo, contra todos os imperialismos modernos.

O sionismo como extensão do imperialismo

A entidade sionista fundou seu Estado em 14 de maio de 1948, ao custo da expulsão de mais de 750 mil pessoas de suas terras. A vitória dos paramilitares comandados pelos carniceiros da Palmach, força de choque da Haganah – o que veio a se tornar depois a espinha dorsal das Forças de “Defesa” de Israel (IDF) – foi alimentada pelas duas maiores potências da época: Estados Unidos e União Soviética. A posição de Moscou muda de orientação logo na década seguinte, mas a dos Estados Unidos não. Em plena matança através da aviação de caça do Apartheid Israelense, os EUA autorizaram uma “venda” de Usd 735 milhões de dólares em armas de precisão .

LEIA: A resistência heróica da Palestina sinaliza o fracasso do sionismo

Nada disso foi novidade em 30 de novembro de 1947 – quando da declaração de guerra unilateral – e menos ainda nas primeiras presenças de usurpadores sionistas. É importante lembrar que a presença de invasores eurojudeus na Palestina histórica sempre foi apoiada por impérios. O padrão segue idêntico. Após mais de uma semana de ataques por bombardeios e artilharia de tanques e carros de combate contra Gaza, e passados mais de trinta dias da ofensiva contra Al Quds e o bairro de Sheikh Jarrah, a administração Biden se compromete integralmente com o Estado transnacional.

Desde o início o fenômeno se repete. As articulações sionistas iniciam nas entranhas do Império Austro-Húngaro e na geração seguinte, através da presença da liderança de David Ben Gurion nos altos círculos jurídicos de Tessalônica do também decadente Império Otomano. Com a mesma habilidade com que conspirava junto ao Triunvirato dos Três Pashás, o mais influente líder do sionismo mudou de lado, colando nos regimentos coloniais da Inglaterra. Após o final da Era Otomana, a Agência Colonial se gruda na administração inglesa até conseguir aumentar a pressão através do empresariado asquenaze radicado na Costa Leste dos Estados Unidos. Antes do fim do “Mandato” Britânico, o jogo combinado das bandas fascistas da Stern e Irgun (a base da formação do Partido Likud, a legenda eleitoral de Benjamin Netanyahu) e os “trabalhistas” do HaAvoda garantiu a vantagem estratégica na política dos pogroms das aldeias árabes.

De 1948 até os dias de hoje o poder do lobby israelense-sionista em Washington é hegemônico e consegue sustentar o esforço da economia de guerra permanente a partir das verbas do orçamento federal da superpotência e da emissão de mais dívida pública imperialista para o mundo pagar. Não é nenhum exagero afirmar é um “Estado transnacional” manipulado desde a sua concepção por eurojudeus aliados dos impérios do momento. É como uma frase clássica do fisiologismo parlamentar: “se há governo, sou a favor”. No caso dos seguidores de Theodor Herzl, Ben Gurion e Menachem Begin poderia ser: “se há império, somos aliados”.

A unidade árabe que tanto precisamos

Na magistral obra de Oswaldo Truzzi, Patrícios (Editora Unesp, São Paulo, 2008), o autor demonstra o momento de transição das identidades e clivagens da colônia. Na primeira geração era formada basicamente por ex-camponeses residentes em pequenos vilarejos na terra de origem, transformados em mascates no Brasil. O mito fundador do mascate errante indo sertão adentro deu lugar para o reforço posterior dos laços sectários com as tensões originadas da partilha secreta de nossos territórios invadidos pelo Acordo de Sykes-Picot.

Truzzi aponta: “Na verdade, grande parte das rivalidades foi estimulada a partir do momento em que a colônia se diferenciou, quando suas figuras proeminentes constituíram lideranças que passaram a competir na busca de status e prestígio. A mudança em relação ao clima vigente entre os primeiros imigrantes vindos ao Brasil, numa época em que a colônia era menor, mais homogênea e provavelmente mais unida, foi sentida e lamentada por Duoun (obs nossa, trata-se de um autor fundamental no tema da imigração árabe no Brasil), que vinculou o fenômeno à vinda de intelectuais e sacerdotes, por ele chamado de emissários” (pág. 111).

Mais à frente na obra, o pesquisador nos comenta que o termo árabe, como forma de identificação, está vinculado nas origens à condição de militante, da intelectualidade e com algum grau de reforço após as derrotas de 1948 e em especial a de 1967 (pág. 117). Sendo menos pessimista do que o referendado autor, podemos afirmar que ser árabe no Brasil deixou de ser a condição de mascate para ser a de quem defende sua terra de origem invadida. Logo, o dia da Nakba e a solidariedade para o povo palestino é central tanto em nossa causa como em nossa própria existência.

Tudo o que nos divide favorece o inimigo. Só o que pode nos dividir é estar ou não em luta anti-imperialista nos nossos países de origem e de forma incondicional, apoiar a libertação da Palestina nos termos que a luta possibilitar. No Brasil, ser árabe e não apoiar a luta do povo palestino é como ser afrodescendente e relativizar o racismo. No mundo também.

O 15 de maio é a data da Nakba, onde reforçamos nossos mais sagrados compromissos como brimos e brimas lutando pela Palestina Livre. Estamos diante de uma encruzilhada: ou nos pintamos de “brancos” em um país estruturalmente racista, ou trilhamos o caminho da redenção, enfrentando o sionismo tanto aqui como na terra.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Bruno Lima Rocha

Bruno Lima Rocha Beaklini é jornalista formado pela UFRJ, doutor e mestre em ciência política pela UFRGS, professor de relações internacionais. Editor do portal Estratégia & Análise (no ar desde setembro 2005), comentarista de portais nacionais e internacionais, produtor de canal estrangeiro e editor do Radiojornal dos Trabalhadores.

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