Andre Motta Araujo
Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo
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O acordo comercial Brasil-EUA e seus riscos geopolíticos, por Andre Motta Araujo

Os grandes CLIENTES do Brasil são a CHINA e a ARGENTINA, países que serão NEGATIVAMENTE AFETADOS por um Acordo do Brasil com os EUA, verão com maus olhos esse Acordo.

O acordo comercial Brasil-EUA e seus riscos geopolíticos

por Andre Motta Araujo

Aqui um resumo da extraordinária entrevista concedida pelo Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araujo ao jornalista Andres Oppenheimer da CNN de Miami. As afirmações são espantosas e inacreditáveis e o que o Ministro pretende é ainda mais chocante, pelas razões mais ilógicas imagináveis e pelo cenário que ele desenha, todo recheado de ideologias conspiratórias e argumentos que agridem a História, a geopolítica e a diplomacia.

Segundo o Ministro, o povo brasileiro sempre esteve ansioso por um Acordo Comercial com os EUA, que só não foi celebrado porque os governos anteriores eram “anti-americanos”, e agora temos um governo pró-americano que pode realizar esse acordo. É uma leitura histórica descabida porque acordos comerciais não são “desejo” da população, são atos diplomáticos que têm que ter alguma lógica econômica e política e um Acordo com os EUA não interessou aos governos do Brasil desde o Governo militar de 1964.

Lembrando que o Governo Geisel rompeu o Acordo Militar com os EUA que vinha desde a Segunda Guerra, por razões objetivas. Os EUA eram contra toda uma política de pesquisa nuclear do governo brasileiro, contra ações diplomáticas do Brasil no Oriente Médio e África, como o reconhecimento do governo do MPLA em Angola, os acordos com os EUA TOLHEM E TRAVAM ações soberanas dos Estados que celebram esses acordos, que, sem exceção, ditam salvaguardas estratégicas aos interesses dos EUA em setores estranhos ao Acordo.

AS TRAVAS DE UM ACORDO COMERCIAL COM OS EUA

Os Estados Unidos historicamente têm uma visão messiânica superior quando celebram acordos com outros Estados, NÃO É UM ACORDO DE PARTES IGUAIS.

Os EUA, tradicionalmente, IMPÕEM cláusulas de veto e controle de ações sobre o Estado contraparte, amarrando esse Estado aos interesses dos EUA.

Por essa razão, a iniciativa da ALCA não foi aceita pelos países latino-americanos e morreu no berço. O único grande país latino-americano que tem acordo com os EUA é o México, parceiro do NAFTA, por razões geopolíticas especiais. O México tem fronteira com os EUA e existem 27 milhões de mexicanos morando nos EUA, MAS neste ano de 2019 o México colheu um amargo dissabor com esse tratado comercial. Trump AMEAÇOU impor tarifas não previstas no Acordo, de 5% dobrados a cada semana, SE O MÉXICO NÃO AGISSE COMO GENDARME DOS EUA barrando migrantes centro-americanos que atravessem o México em direção aos EUA. Um ato vexatório para a soberania mexicana e não previsto em nenhum Acordo. O México foi OBRIGADO a obedecer e, na semana passada, o Ministro do Exterior mexicano foi a Washington com uma delegação apresentar o relatório sobre a barragem de migrantes centro-americanos na sua fronteira sul. Dois ex-Ministros do Exterior, da outrora orgulhosa diplomacia mexicana, deram entrevistas na TV dizendo que essa exposição de “lição de casa” em Washington foi o momento mais vexatório da diplomacia mexicana em um século, um País obedecendo a outro contra sua vontade, para implantar a odiosa política anti-humanitária de Trump, o México servindo de “capitão do mato” para os interesses dos EUA.

ACORDO COMERCIAL COM OS EUA NÃO TEM LÓGICA ECONÔMICA PARA O BRASIL

A economia brasileira não é complementar à economia americana na pauta de exportações, o Brasil hoje importa muito mais dos EUA do que exporta porque não tem muito o que exportar. Os EUA são concorrentes do Brasil em soja, milho, algodão, aço, forjados. Os grandes CLIENTES do Brasil são a CHINA e a ARGENTINA, países que serão NEGATIVAMENTE AFETADOS por um Acordo do Brasil com os EUA, verão com maus olhos esse Acordo.

ARGENTINA E MERCOSUL

O Brasil hoje NÃO PODE CELEBRAR acordo comercial com os EUA, só o MERCOSUL pode. O Brasil não pode celebrar acordos isoladamente a não ser que saia do Mercosul e ai perderá o mercado argentino, que compra do Brasil 4 vezes mais do que vende, gerando um excelente saldo para o Brasil.

Sair do Mercosul, implodindo o bloco, dará ao Brasil um megaprejuízo, além de ter implicações geopolíticas imensas. A Argentina é nosso vizinho, com ou sem Mercosul, é um país estratégico para o Brasil há 200 anos, não se pode mudar a fronteira, esta é uma realidade geográfica e política.

Se o Brasil romper o Mercosul, a Argentina se aliará à China, que já é o primeiro parceiro comercial da Argentina e aumenta a cada dia sua influência no País vizinho, onde está fazendo grandes investimentos. O Brasil perde um parceiro e vizinho, um desastre diplomático e geopolítico.

BRASIL E CHINA

A China é de longe a maior parceira do Brasil. É graças à China que o Brasil tem saldo comercial enorme e construiu suas reservas cambiais. Um Acordo com os EUA será, antes de mais nada, ANTI-CHINA, e assim será visto em Pequim. Os EUA estão em GUERRA COMERCIAL com a China e, com esse Acordo com os EUA, o Brasil estará tomando lado nessa guerra. E a batalha começará logo, fazendo o Brasil arriscar a perda do mercado chinês para seu agronegócio e minérios. Os EUA já declararam que o Brasil NÃO DEVE OPERAR com a empresa chinesa de tecnologia HUAWEI, que é o centro de sua guerra comercial com a China. Essa empresa pretende construir uma mega fábrica no Brasil. O Brasil vai vetar essa fábrica? Os EUA vão exigir isso para fazer o Acordo. Como fica?

A UNIÃO EUROPEIA E OS EUA

Os EUA têm sérias divergências comerciais com a União Europeia, ainda não é uma guerra, mas caminha para ser. A União Europeia ofereceu um acordo com MERCOSUL, em grande parte, para aumentar suas forças frente aos EUA. Um Acordo Brasil EUA vai na contramão desse objetivo e a União Europeia pode pensar duas vezes antes de aprovar esse acordo com o MERCOSUL, especialmente após os problemas ambientais do Brasil.

UM ACORDO COMERCIAL COM OS EUA TERÁ FOCO EM SERVIÇOS, PATENTES E FINANÇAS

É da lógica dos acordos comerciais com os EUA uma série de vantagens e garantias que os EUA exigem de países contratantes nos temas de SERVIÇOS, PATENTES, GARANTIAS PARA INVESTIMENTOS. O malfadado ACORDO JUDICIÁRIO BRASIL-EUA DE 2001 já custou ao Brasil mais de US$5 bilhões em multas ao Departamento de Justiça, indenizações e honorários, mais a obrigação de aceitar escritórios de advocacia americanos para caríssimas tarefas de compliance e monitoramento da PETROBRAS. Em um acordo comercial novo eles vão exigir de tudo, especialmente na área de tecnologia, vão amarrar o Brasil dos pés à cabeça, especialmente contra a China. O Brasil vai hipotecar seu futuro nesse acordo, um puro ato ideológico que não atende ao interesse nacional, às relações do Brasil com a América do Sul, com a Europa, com a China e mais ainda, tudo atrelado ao Governo Trump que pode ou não ser reeleito e cuja confiabilidade a nível mundial é zero. O Brasil atrelado a um político controvertido em seu próprio Pais e que já chutou um de seus braços direitos, John Bolton, exatamente um dos principais elos de ligação com o governo Bolsonaro, hoje expelido assim como Steve Bannon, também anterior elo com o grupo no poder no Brasil. Trump tem uma corte instável, inconfiável como ele, o Brasil vai se amarrar nesse time?

OS RISCOS DE NEGOCIAÇÃO

Esse Acordo será negociado pelo lado brasileiro por representantes ansiosos para agradar a Casa Branca, mostrar uma amizade forçada e um certo prazer na submissão, por um pseudo companheirismo ideológico que só existe em mentes confusas. Os EUA, como País, não são fanáticos conservadores, é só uma parte minoritária da população mais atrasada que é, os grandes núcleos de pensamento e liderança intelectual e social dos EUA nos Estados de Nova York, da Nova Inglaterra, da California, são liberais no sentido americano de abertura à diversidade. Os EUA não são Trump, um acidente de percurso histórico que passará. O Brasil não se ofereceu de graça aos EUA nem durante o drama da Segunda Guerra, entrou ao lado dos Aliados porque navios brasileiros foram afundados e mandou tropas à Itália mediante um alto preço exigido e pago pelos EUA. Vargas foi um duro e exigente negociador e o Brasil colheu da vitória dos Aliados um enorme capital diplomático e geopolítico, nada disso está à vista agora.

Um Acordo Brasil EUA trará pouco ou nenhum ganho ao Brasil, vai criar imediatos problemas com a China, criar atritos óbvios com a União Europeia, pode significar a implosão do MERCOSUL e o afastamento imperdoável da Argentina, seria um rosário de perdas para o Brasil, para nada, tudo o que precisamos dos EUA podemos ter sem Acordo, como temos tido há décadas, um Acordo de graça onde só temos a perder o selo de uma diplomacia competente e independente para se mostrar ao mundo como uma colônia disfarçada dos EUA, uma espécie de Porto Rico sem passaporte.

AMA

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Andre Motta Araujo

Advogado, foi dirigente do Sindicato Nacional da Indústria Elétrica, presidente da Emplasa-Empresa de Planejamento Urbano do Estado de S. Paulo

6 Comentários

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  1. Andre, li não me lembro onde que a China cogita com o provável novo governo argentino a ajudar a Argentina com sua dívida externa. Isso é uma possibilidade real nos bastidores do xadrez internacional?

    1. A China já despejou US$53 bilhões na Venezuela com risco de não receber, para a Argentina o interesse da China dve ser ainda maior e poderá sim auxilia-la financeiramente, a Argentina é tambem grande exportadora de soja para a China.

  2. Copiando comentário feito em outro poste, relacionado com este:
    É comum que os opositores de Lula tentem desmerecer seu sucesso dizendo que foi por causa da alta do preço das commodities.
    Embora o fato seja verdadeiro (a alta), esquecem de mencionar que mesmo sem reduzir as exportações para os EUA, nosso então maior parceiro comercial, ele intensificou pragmaticamente o comércio com a China, que se tornou um múltiplo do valor com nossos north bros.
    Não foi uma troca, mas um complemento, uma adição multiplicadora. Aliado ao investimento social, inserindo gente na economia (o verdadeiro sentido de “mercado”), o sucesso pode ser explicado bem além do mero (e depreciativo) aumento de preço de commodities.
    Os imbecinaros que adoram falar em “ideologia” são exatamente aqueles que, por mera ideologia, desgastam ou destroem relações comerciais de relevante interesse do país.
    Sem mencionar que como bons “meus garoootos”, querem devastar até a Amazonia para ceder mais e apenas meras commodities aos seus”meus paipaaais”.
    Ó do borogodó.

  3. Primeiro, precisávamos ‘descobrir’ que a Gerra Fria terminou. Nos moldes Capitalismo X Socialismo. E não precisamos nos sujeitar a um pretenso ‘cabresto yankee’ que nunca existiu. Mas como disse Nassif em entrevista a Juca Kfouri : “Bolsonaro quer acabar com o Estado Varguista sem ter nada para colocar no lugar…” Tem sim. O real problema é que Nossas Elites não evoluíram, nem conseguem abandonar o Estado Varguista. Estamos acorrentados por 9 décadas ao Absolutismo Caudilhista Ditatorial, inflados na arquitetura do Estado Novo e suas ligações às Forças Esquerdopatas. E o discurso não muda. É secular e interminável. Como a matéria explica, quando os EUA tentaram colocar um cabresto nos Militares (cabresto em Forças Nacionalistas Militares? Somente na Fantasia de Nossas Elites) Geisel deu um “baile”. Alguns exemplos estão na matéria. Mas já podemos elogiar as muitas brilhantes políticas do Governo Militar? Já superamos os preconceitos pueris? Podemos começar a Negociar feito “Gente Grande”? Vamos voltar a olhar para o espelho e enxergar o Gigante que sempre Fomos até a doutrinação menor e ridícula a partir da Ditadura de 1930? O que os EUA podem oferecer à esta Potência Brasileira? E a China? O que pode oferecer? O que receberemos que será mais produtivo e proveitoso para a Nação Brasileira? E a Europa? O que o Brasil pode oferecer, somente o Brasil possui. Dificilmente encontrarão em outro lugar do planeta e em tamanha abundância. O que os EUA podem oferecer, podemos conseguir com outros parceiros. A China também. A Europa, então, é um parceiro menor e ultrapassado que estamos tratando como sendo 1.o time. Deixou de ser há muito tempo. Somente a doutrinação, a Síndrome de Vira Latas, que numa Lavagem Cerebral fez um Gigante se enxergar como Bolívia, Guatemala, Porto Rico, Uruguai,….ainda atrapalha Forças Políticas medíocres que Nos governam. Não precisamos de muito. Basta Nos enxergarmos. O Parceiro que o Mundo inteiro quer e digladia por isto. E Nós Brasileiros cultivando este Quintomundismo, mesmo depois de 40 anos de Redemocracia? Pobre país rico. Onde estão Nossos Cérebros?

  4. Temerario e plenamente plausivel o quadro que o Andre Montou. O que choca que mesmo a vista tal quadro, O Brasil não dispõe de grandes personalidades, para enfrentar e propor uma saída. Ciro ainda morre de inveja por não ter sido escolhido para o 2 turno. A tal frente democratica por direitos, ao que tudo indica é um centro de reabilitação das cagadas do PSDB. Falta homens de culhões como um Vargas, coragem com Brizola, Sonhador como JK….triste era dos mediocres.

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