O amor não depende de namoro, por Xico Sá

No dia dos namorados Xico Sá escreveu esse artigo. Interessante, para os anos do século XXI, discutindo que os conceitos, que por décadas formaram , principalmente as mulheres podem estar precisando de revisão urgentemente.

Assim como nas relações entre casais do mesmo sexo, nas relações familiares, nas sociais e, consequentemente nas políticas também.

do El País

O amor não depende de namoro

Xico Sá-12/6/2015

Aqui defendo meu velho fragmento da distopia amorosa; não há o homem da sua vida, há no máximo o homem do ano, do semestre, do mês, da quinzena, da semana…

Fui me despedir da minha Natasha (digo Nastassja) Kinski predileta em uma cabine de peep show do Miami Show Center, ai de mim Copacabana, que encerrou as atividades depois de duas décadas. A derradeira casa do gênero no Rio Babilônia, talvez a última da América Latina. Lágrimas do lado de cá e do outro lado do vidro da cabine de striptease com a “garota número 7”, na ordem das apresentações. Tudo como naquele filme Paris, Texas, com a inesquecível personagem Dela, digo, da menina Natasha que abre as cortinas dessa crônica em veludo azul reluzente.

Meu intocável amor voyeurístico de alguns outonos. Colamos um no outro para o último beijo envidraçado. Minha Natasha dançava, ao som de Aretha Franklin, música Drinking Again, acredite. Minha Natasha como no desenho das ondas sinuosas em branco & preto da avenida Atlântica.

https://www.youtube.com/watch?v=LtJLZ2zL2Os]

 

Flanei por uma tarde-noite no bairro mais famoso do mundo, este sítio que reúne Nova York e Madureira em uma mesma calçada. Depois da cerimônia do adeus só me restava a velha arte de chutar tampinhas pelas ruas, coisa que aprendi com o amigo e escritor João Antônio. Só me restava…

Depois da minha platinum platônica carimbar o batom da despedida no vidro, só me restava torrar a ansiedade em dezenas de coraçõezinhos de galinha espetados, com ensaiado desdém, na noite do Galeto Sat’s.

Nesta jornada, só por castigo, Tália T. não apareceu para um drinque. Lily Carabina tampouco. Quem chegou foi o Ferreirinha, ex-comandante em chefe da Brizolândia, a tropa devota do bravíssimo Leonel Brizola, o ex-governador fluminense que inventou o socialismo moreno nos anos 1980. “Que falta histórica faz o engenheiro!”, Ferreirinha repetia enquanto este cronista espetava corações –não só de galinha mas de amores fiéis e imaginários. Que falta faz o engenheiro nesses tempos bundões, faço eco ao brizolismo da Cinelândia.

Amor é drama

Triste, solitário e final, só me restava fazer do longo adeus do peep show um discurso a favor do amor dramático, prático, olho no olho. O homem e seus contraditórios ambulantes fungando no cangote. O homem e suas circunstâncias…

No que lembro do meu colóquio em São Paulo, coisa de quatro, cinco anos atrás, com o cubano Pedro Juan Gutiérrez, o autor da Trilogia suja de Havana (Companhia das Letras). Foi um lance para a revista Cult, no Sesc Vila Mariana. No que o animal sexual da ilha de Fidel advertiu aos conectadíssimos brasileiros; “Trepem mais, vivam mais intensamente, dramaticamente, não se tornem escravos da virtualidade”.

O macho tem sido, antes de tudo, um fraco, a própria imagem da virtualidade e do pouco comparecimento

O tão-longe-tão-perto da cabine da minha Natasha Kinski de Copacabana talvez tenha sido a invenção da virtualidade amorosa em tempos pré-internet, embora o peep show seja muito mais quente do que qualquer câmera fria da distância. Homens dos negócios do entretenimento, resgatem, por favor, o peep show a qualquer preço, nada mais bonito na arte de amar uma mulher sem tocá-la. Meninos e meninas, vejam imediatamente o filme “Paris, Texas”.

E chega de tão-longe-tão perto. Que o virtual fique restrito apenas ao sagrado e legítimo recurso masturbatório. Não chamemos tal técnica de amor ou sexo. Isso é masturbação. Ponto. O homem em si, digo, o macho, já opera tanto na virtualidade que é chegada a hora de mais dramaturgia do encontro.

Só o encontro educa o homem. Vale inclusive quando a renda do bilro das alminhas perdidas não teça sequer o descuidado pano de prato da rotina. Vale o embeiçamento, o cheiro e até o desnamoro, a crença que aquilo tudo sonhado não tem futuro. Só o encontro tira faísca, inclusive a faísca da impossibilidade. Só o encontro desenha o balãozinho da HQ sobre as nossas cabeças.

Vale a perturbação e o sem-jeitismo da primeira vez. Vale tudo. Menos essa coisa de homem de Ossanha, esse sintoma masculino do nosso tempo. A criatura de tal cepa é o cara que repete aquele refrão do samba de Vinícius de Moraes e Baden Powell: “O homem que diz vou/ Não vai!” O cara que ameaça, ensaia um sexo e longo adeus.

Se é Bayer é bom, se é homem, vai, vai! Os mais antigos entenderão o poder do slogan. Homem é o que levanta e anda, disposto Lázaro do amor e da sorte. Não o que fica em casa rogando por “nudes”e depois da masturbação se dissolve como uma fada. Não ressurge nem no WhatsApp para indagar “foi bom, meu bem?”Antes aquele homem que fumava o king size do pós-gozo com a moça sobre o peito… Mesmo que depois saísse para comprar um novo cigarro e nunca mais voltasse.

Sim, compay Pedro Juan, o macho tem sido, antes de tudo, um fraco, a própria imagem da virtualidade e do pouco comparecimento. Não digo chegar junto para casar etc. Isto é outro samba. Digo chegar junto. Ponto. Mesmo que ela em vez de casamento, peça apenas uma Coca zero.

Digo chegar junto na ideia de mostrar que o mundo ainda é mundo e há sempre uma maçã caramelada no parque de diversões. A vida é eternamente o Gênesis desenhado por Robert Crumb. A vida é um pipoco do nada na nossa frente, não carece de tanta cerimônia. Enlouqueça, surte pelo menos uma vez a cada 27 anos, como diriam meus ídolos que se foram desta para outras capas de discos.

 O namoro morreu

Sei que praticamente não se pede mais em namoro, eis o fracasso-mor do nosso tempo, tudo bem, acontece. Mas que mané amor líquido, chega dessa desculpinha de filosofia barata.

O amor precisa ser tecido de novo: não sob o coro greco-romano do “até que a morte nos separe”, porém dentro das vestes possíveis. Aqui defendo meu velho fragmento da distopia amorosa; não há o homem da sua vida, há no máximo o homem do ano, do semestre, do mês, da quinzena, da semana… quiçá apenas o Homem da Meia Noite, o mitológico personagem do Carnaval de Olinda.

Enlouqueça, surte pelo menos uma vez a cada 27 anos, como diriam meus ídolos que se foram desta para outras capas de discos

Antes a felicidade clandestina do que a fria e irrequentável tapioca da rotina. No que restam apenas queixumes e falsas soluções de pacotes turísticos para salvar o que já era.

Que o amor tenha a mesma intensidade, independentemente do calendário na parede das nossas borracharias mentais. Desde que feito com extrema delicadeza e a coragem de eternizar o momento –sem medo dos clichês.

E como diz uma camiseta do artista plástico pernambucano Fernando Peres; “Deu é amor”. Eis o verbo sagrado. Estou dentro. Até a próxima.

 Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Se um cão vadio aos pés de uma mulher-abismo” (Ed.Fina Flor), entre outros livros.

 

https://www.youtube.com/watch?v=3q1w0rgleKw]

 

[video:https://www.youtube.com/watch?v=BY0sxtPYU5k

 

[video:https://www.youtube.com/watch?v=1JHUiWbgykQ

 

 

 

Redação

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Ossanha: Lázaro do Amor e da Sorte

    Odonir, minha querida amiga!

    Onde está o Cavaleiro da Meia Noite ?  Eu sou da madrugada !!  Você não viu a Paula Toller dizendo na canção ?

    Parabéns pela inspiração. Santo Antonio e mesmo São João hoje devem estar muito felizes e satisfeitos com a tua lucidez e com este belo post; um libelo ao Amor,  sob qualquer forma e disfarce.

    Xico, chutando tampinhas pela rua em sua verve reveladora de muita vida vivida transmutada em sedução…

    Você, lúcida e tranquila com cada palmo do conhecimento conquistado – duramente por certo – que te trouxe por calçadas iluminadas, aportando aqui e nos entregando de tuas mãos – ou cotovelos – este presente.

    Só a construção interior, a vivência, a vida mastigada poderia criar este belo post!

    Parabéns!

    E vamos aqui com Canto de Ossanha e o Lázaro que não levanta e anda, citações de inteira responsabilidade, claro, do sábio Xico Sá!

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=_hstxID1kAs%5D

  2. Conquistando espaços, entendendo-os como veredas de ventos

    fortes, de ventos fracos, botando a boca ressecada num gole da caneca de ágata, desgastada, descascada, mas que tira a sede ou diminui a sede. Na caneca há letras, há frases, há músicas.

    E coragem. 

  3. Que lugar é esse?

    Publicação no Scriber (http://wescribe.co/) de autoria de Natália, 18 anos.

    O essencial é invisível aos olhos.

    Sobre o irremediável.

    O irremediável vem lento, gruda. E se tem um lugar que é irremediável é esse. Seus efeitos são imutáveis. É um lugar quase mágico. Quase isolado do mundo lá fora. Aqui todo mundo parece mais permissivo, mais carismático. Cativantes. E isso modifica. A atenção que recebemos modifica. O modo como somos tratados. Desde os funcionários do local aos frequentadores. Cada um entra um e sai múltiplo do que sente. Sai renovado. Não há quem entre e saia ileso. Somos todos vítimas de um tiroteio de amor. Não há local como esse. Não há pessoas como essas. E, embora haja mais ou menos um tempo definido para ficarmos lá dentro, há quem fique mais. Há quem fique menos. E esses são os que perdem. Os que gozam rápido demais. Os que tremem da raiva de não ter apreciado tudo calma e lentamente. De não poder curtir todos os efeitos de cada milésimo de segundo lá dentro. Não, não é a mesma coisa. Quem começa e sai fora antes do tempo mínimo sabe disso. Sabe que deixou um trabalho interminado que jamais poderá ser remediado. Sabe do que perdeu. E tenta se agarrar às lembranças. Às pessoas. Às memórias. Quem finaliza o que tem que fazer lá dentro, quando finaliza, sai quase as pressas. Mas logo sente falta. Não há lugar como esse. Não há onde você acha pessoas com essa determinação em te ajudar, em fazer o bem contigo. Em te ver feliz. Não há como entrar e sair com mágoas. Há o tempo do desconhecido, das flechas que cortam. Passado esse tempo, tudo se acerta. Passa o ódio. Passa a raiva. Permanece a amizade que cresceu. Em alguns mais, em outros menos. Não importa. Sempre existe. E no final vêm as lágrimas. Desesperadas. Copiosas. Enfurecidas de, apesar de ter sido exaustivo, ter acabado rápido. Uma rapidinha. Não dá pra se presenciar tamanha demonstração de carinho e continuar o mesmo. Não dá mais pra se satisfazer com pouco. E isso nos deixa quase loucos de procurar tanto em outros lugares e jamais encontrar. Não há. Tateamos às cegas no escuro interminável de gente boa e gente ruim que há no mundo. Encontramos, com certa sorte, gente que nos lembre dos momentos incríveis. Gente com aquela visão de mundo. Com aquele tanto de carinho pra dar. Com aquela atenção e aquele cuidado. Nos tornamos esse tipo de pessoa. Amamos tão calma e intensamente que chega a doer. Aprendemos que aquele, sim, é um lugar incrível. Que somos, sim, pessoas incríveis. Basta que nos encontremos. Que nos encontrem. E esse é o lugar pra errar e pra aprender a acertar. Aprendizado pra vida. Amizade pra vida. Lugar pra vida inteira.

    De Natália Melo, em http://wescribe.co/t/o-essencial-e-invisivel-aos-olhos

    1. Belo texto: descritivo dos espaços da alma ou talvez seja uma

      narrativa de ação em desenvolvimento ?

      Esse lugar parece não exibir placas de aluga-se, nem de vende-se.

      Trata-se de um lugar onde se faz uma invasão, uma apropriação, sem documentação, sem exigências legais.

      Ocupa-se !

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador