O autoengano do cartesiano Ortellado, por Wagner Romão

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Ricardo Stuckert

Por Wagner Romão

O texto de Pablo Ortellado publicado na Folha de S. Paulo no último sábado busca desvendar a “narrativa” do golpe, pela qual o PT teria cooptado a militância de esquerda em defesa do legado lulista. Por esta “narrativa”, segundo Ortellado, se tenta “interpretar todo o processo político recente como uma orquestração conservadora contra os avanços sociais dos governos de esquerda”. 
 
O álibi de Ortellado é a crítica ao programa apresentado nesta semana, “gasto e limitado (…) muito aquém da urgência social imposta pela desigualdade brasileira”, “muito parecido com o que praticou (o PT) nos anos 2000”.
 
No texto, nenhuma palavra sobre o conteúdo do programa do PT. Nada sobre a necessidade expressa de um programa emergencial para sairmos da crise econômica e voltarmos a buscar o pleno emprego. Nada sobre a reforma tributária com olhos para justiça social e distribuição de renda e riqueza. Nada sobre a necessidade de se aumentar o crédito barato às famílias. Nada sobre o resgate da soberania nacional e uma política externa altiva e ativa. Nada sobre a democratização dos meios de comunicação de massa. Nada sobre o combate aos privilégios. Nada sobre a necessidade de um processo Constituinte que possa fazer o Brasil avançar, não andar para trás. Nada, enfim, sobre a revogação das medidas do governo golpista.
 
A narrativa de Ortellado não faz concessões à disputa política a sangue quente. Sua racionalidade é plana, cartesiana, pretensamente ingênua em sua busca da verdade e denúncia de “narrativas” enganadoras e que falseiam os fatos.
 
A Lava Jato apenas teria cumprido seu papel de desvelar a corrupção na Petrobrás, e não se transformara em um instrumento de perseguição política com suas suspeitas delações e sua heterodoxia judicial.
 
Dilma teria sofrido um impeachment por ter um “movimento de massas” em seu encalço, como se as massas trajadas com as caras camisas da CBF fossem justiceiras com todos os corruptos, de maneira apartidária e apolítica.
 
Dilma teria perdido o controle do Congresso por pura incapacidade política, sem que haja uma única frase que considere as circunstâncias do processo político no Congresso pós 2013 e sobretudo em 2015, com a eleição de Eduardo Cunha. Como se Dilma pudesse ter “cooptado” o Congresso, assim como Ortellado acusa o PT de o fazer com a militância de esquerda.
 
É como se o PT jogasse sozinho. Como se não houvessem outros atores no jogo. Como se estes agentes não percebessem a janela de oportunidade aberta – a real fraqueza política do governo em 2015 – e provocassem o golpe. Como se Aécio e o PSDB não tivessem atuado, desde as primeiras horas após a derrota eleitoral para vencer no tapetão. Como se Temer e Jucá não tivessem atuado deliberadamente pela solução golpista.
 
A narrativa do “combate à corrupção” tem sido utilizada pelos adversários políticos do PT para dizima-lo e mesmo que diversas figuras públicas petistas tenham reconhecido que, sim, houve erro e má conduta com o dinheiro público nos governos petistas, permanece a sanha por vincular corrupção ao petismo. Essa é a “narrativa”, caro Pablo, que venceu até aqui. 
 
A ação desencadeada pelo PT em meio ao golpe foi e é uma estratégia política de sobrevivência em um meio e uma conjuntura absolutamente hostil. Se não houvesse algum fundamento na “narrativa” petista, Lula não seria campeão de intenções de voto e com risco a vencer as eleições no primeiro turno. 
 
Os limites, os equívocos e as vitórias do petismo ao longo dos governos Lula e Dilma se devem ao próprio petismo, mas não só. Devem-se também ao modo como funcionam as instituições políticas do país e ao modo como reagiram seus adversários e seus aliados de ocasião, algo próprio do mundo da política realmente existente.
 
Ortellado expressa uma visão que faz a crítica da “narrativa” petista sem que se pesem os retrocessos ocorridos após a destituição de Dilma. Hoje, os grupos que mandam no país não mais têm que lidar com o PT à frente do poder executivo federal. Pode ser pouco para Ortellado, que elabora sua crítica sob o manto de um pseudo-descortinamento da realidade que não considera os percalços e aprendizados do experimentar a política. Mas o povo pé-no-chão que quer Lula e o PT de novo no poder sabe muito bem o que está em jogo nestas eleições.
 
Wagner Romão é professor de ciência política da Unicamp
 
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. Perfeito, Wagner

    Ortellado disse que a narrativa do golpe é um artificio utilizado pelo PT para esconder seus erros.

    Pelo menos tirou a máscara e mostrou o que pensa de fato e de que lado está, não? Considero um avanço.

    Não que os seus textos tenham se tornado melhores. Nada, a mesma porcaria.

    Ele nega que  houve uma ofensiva conservadora contra os avanços socias, nega que a lava jato seja partidaria e seletiva, insiste fortemente no discursinho anticorrupção e “esquece” que Dilma foi afastada por notórios e comprovados corruptos sem nenhuma justificativa legal.

    Ele ainda desmerece sem nenhuma fundamentação os  progressos dos programas socias do PT. E como qualquer textinho raso, preenche espaços com a narrativa da globo e do psdb:  “a corrupção do PT”.

    Sobre o programa “uma máquina do tempo para idade média” do PSDB/PMDB nehuma palavra.

    Por falar em programas sociais, tenho lido diversos depoimentos lindos de pessoas de origem pobre que se beneficiaram e mudaram sua realidade atraves desse programas, que para elas foi sim profundamente revolucionário. Valia a pena compilar isso e fazer um doc

    Enfim, Ortellado ainda não entendeu que a realidade bateu na cara do povo e esse discurso não cola mais.

    A mim ficou bem claro que a direita está é profundamente incomodada com a estratégia do PT de manter  a candidatura de Lula.

    E embaraçados pelas próprias narrativas confusas e recheadas de interesses velados essa direita neoliberal globalista e seus intelectuais isentões estão é desesperados e apelando pra textos que causam vergonha.

     

  2. bom comentario

    Não sei quem é Ortellado ( deveria saber?), mas pelo que leio deve ser um desses “intelectuais” do psdb.

    Para eles, o PT é o culpado de tudo, todos os demais são probos!

  3. Escriba a soldo: de quem?
    Esse não é o fulano que dirige pesquisas sobre política e mídias sociais na USPauperizada, que participou de um evento sobre o tema bancado pela Veja?
    É um boca de aluguel com currículo acadêmico, do tipo que a mídia corporativa gosta de usar para conferir autoridade ao seu discurso. Não por acaso, em momento de retração nas verbas e financiamentos às universidades públicas, o fulano consegue patrocínio privado e visibilidade para certificar a “voz do dono” – algo complementar às Agência Farisaicas de checagem de fatos, pela via da “análise e formação de opinião”, o que, vindo de alguém que se pretende “científico”, alega neutralidade como última forma de covardia intelectual.
    E já foi apontado pela blogosfera independente e progressista, quando conveniente, como ” especialista em fake news e mídias sociais”…
    Mas parece que o pessoal da unicamp o conhece bem, vide artigo do professor lá formado, agora na UnB, Luís Felipe Miguel (aqui http://justificando.cartacapital.com.br/2017/11/23/pensar-tambem-tem-lado-resposta-ao-texto-de-pablo-ortellado/) do qual reproduzo trecho que resume a fisiologia intelectual do fulano, sr. TemladoORnotTEmLADO, rs.

    “A discussão superficial, restrita a slogans, que se vê nas velhas e novas mídias, realmente não estimula a reflexão. Fora destes espaços – em movimentos sociais, em núcleos universitários, em coletivos diversos – há um debate bem mais denso e produtivo, que seria importante reforçar, mas que o discurso da superação da divergência simplesmente apaga. É um debate que não se faz de uma perspectiva olímpica, de quem está acima dos conflitos. Ao contrário, está posicionado. Porque não é apenas a polarização cega que não nos deixa pensar. A pretensão de neutralidade tem o mesmo efeito, apagando os conflitos, descuidando dos interesses em jogo, desinflando as tensões que nascem da dinâmica social. Pensar também tem lado.

    Luis Felipe Miguel é doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).”

    O fulano também tem lado, e só de se apresentar como neutro ou isento é motivo para desconfiar de sua intenção em dissimular seu alinhamento. Já o panfleto que publica o fulano, para quem ainda dá palanque pra pirralho fascista o sr. SemLado é a versão “universi(o)tária” da mesma pobreza mental direitosa in progress. Como dizia o apresentador-mascate da tv brasileira em um de seus programas, a F@lha “pede ajuda dos universitários” pra manter a sua narrativa golpista ainda válida, ao menos pros anunciantes, dentre os quais o usurpador Quase-Fora Temer.
    “Na F@lha de SP: Farsa, não dá pra não ter”.

    Sampa/SP, 29/07/2018 – 22:06 (alterado às 22:14 e 22:16).

  4. ‘Biruta’, Vago ou Híbrido?

    Não perco tempo em ler o manjado, mas certamente merece não apenas o tempo, como a devida ‘análise’ dos que dedicam-se a desvendar as entranhas da guerra híbrida no Brasil, sobretudo as chamadas “jornadas de junho de 2013″, determinando ‘onde estava’ e com quem, nas ‘jornadas”, como está e com quem, hoje, por onde flutuou e onde sempre esteve ancorado, com que objetivo.  

  5. Novo Bucci

    Esse é mais um daqueles “progressistas” convenientes à direita. O modelo é Eugenio Bucci. Mas este foi pior: deu conselhos ao PT que contribuíram para deixá-lo vulnerável à grande mídia.

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