O bolsonarismo e a censura moderna, por Cesar Calejon

O bolsonarismo e a censura moderna

por Cesar Calejon

Em um mundo repleto de informações irrelevantes, clareza é poder. Atualmente, a censura não funciona única e exclusivamente por meio do bloqueio de certos tipos de conteúdos e ideias, mas, principalmente, por meio de desinformação e distrações. 

Evidentemente, o método mais tradicional adotado pelos militares durante o AI-5 continua vigente, vide o cancelamento da estréia do filme Marighella, que estava agendado para o dia 20 de novembro de 2019, e de outras películas, tais como os títulos Nosso Sagrado, Rebento e Mente Aberta, que também foram vetados no Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro. O espetáculo Caranguejo Overdrive foi retirado da programação do Centro Cultural do Banco do Brasil, também no Rio. Um concurso inteiro da Agência Nacional do Cinema (Ancine) para subsidiar obras audiovisuais foi suspenso, depois que o presidente da República criticou-as nas redes sociais, e a peça Res Publica 2023 foi proibida de ocupar um espaço da Fundação Nacional de Artes (Funarte). Uma verdadeira cruzada contra a cultura brasileira.

Houve diversas outras ocorrências como estas ao longo do primeiro ano da gestão bolsonarista. Invariavelmente, os temas das obras censuradas tratavam de questões LGBT, proteção do meio ambiente, autoritarismo, empoderamento feminino, desigualdade social, intolerância religiosa contra religiões de matriz africana e outras ideias com vieses progressistas.

Contudo, a censura moderna praticada pela administração Bolsonaro é muito mais sutil, elaborada e fundamental para fazer a manutenção do atual paradigma sociopolítico brasileiro. “Quando eu era criança, eles fizeram uma eleição simulada na minha escola. Eu era a favor de John F. Kennedy porque meus pais eram católicos e eu achava que, apesar de serem republicanos, eles simpatizavam com o Kennedy. Mas também porque o cabelo do Kennedy era muito melhor do que o do Nixon. Eu fui para o refeitório (da escola) e, enquanto as crianças entravam na fila com as suas bandejas, eu lhes dizia: o ‘Nixon propôs termos aulas aos sábados’. A simulação, para a surpresa do jornal local, foi vencida pelo Kennedy de lavada. Pela primeira vez na vida, eu compreendi o valor da desinformação”, explica Roger Stone, que foi um dos principais assessores de Trump na campanha para a Presidência da República dos EUA em 2016, em seu livro Stone’s Rules: How to Win at Politics, Business and Style (Regras do Stone: como vencer em política, negócios e estilo).

Observando atentamente e conhecendo um pouco esta estrutura de desinformação e distração, torna-se evidente o quanto o bolsonarismo apóia-se nesta estratégia todas as vezes que os seus principais membros se sentem ameaçados por indícios ou fatos. 

Por exemplo: no dia 29 de outubro de 2019, terça-feira, o Jornal Nacional, da Rede Globo, veiculou uma reportagem implicando o atual presidente da República no assassinato de Marielle Franco (PSOL). Segundo a emissora, no dia 14 de março de 2018, Élcio de Queiroz (um dos suspeitos do crime) entrou no condomínio Vivendas da Barra algumas horas antes do assassinato da vereadora. O porteiro, que o recebeu na guarita, teria interfonado para a casa de Jair Bolsonaro para liberar o acesso do visitante.

Apenas dois dias depois, no dia 31 de outubro de 2019, quinta-feira, Eduardo Bolsonaro apresentou a distração favorita do bolsonarismo. “A gente, em algum momento, tem que encarar de frente (sic) isso daí. Vai chegar um momento em que a situação vai ser igual ao final dos anos 1960 no Brasil, quando sequestravam aeronaves, quando executavam, sequestravam grandes autoridades, como cônsules, embaixadores, execução de policiais, de militares. Se a esquerda radicalizar a esse ponto, vamos precisar dar uma resposta. E essa resposta pode ser via um novo AI-5, pode ser via uma legislação aprovada via plebiscito, como ocorreu na Itália. Alguma resposta vai ter que ser dada”, disse o filho mais novo do presidente, que desconhece os horrores do Ato Institucional Número 5, porque, ironicamente, nasceu em 1984, ano que marcou as Diretas Já e o restabelecimento da democracia no Brasil. 

No dia 26 de novembro de 2019, o dólar estadunidense atingiu o novo recorde nominal desde a criação do Plano Real, fechando em R$ 4,24 na venda. Neste mesmo dia, Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Bolsonaro, disse: “não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”, salientou o economista de Chicago para em seguida afirmar que um novo “AI-5 é inconcebível”. Quais são os reais objetivos ao citar o AI-5 e o quanto a fala de Guedes é responsável pela alta da moeda estrangeira são temas de discussão e discórdia entre especialistas. Certo mesmo, é que a mensagem caracteriza a falta de responsabilidade ou habilidade da atual gestão federal no que tange à confiança do mercado e dos investidores e serve perfeitamente bem o propósito de distrair boa parte da atenção da imprensa e, consequentemente, da própria população. O bolsonarismo, bem como todas as figuras políticas que dele se alimentam, depende deste tipo de abordagem falaciosa e apelativa, que explora o racismo (atacar quilombolas, negros e índios), a misoginia e a homofobia, principalmente, para ganhar ressonância no imaginário do brasileiro médio. 

Segundo um estudo da organização Avaaz, publicado em novembro de 2018, 98,21% dos eleitores de Jair Bolsonaro (PSL) foram expostos a uma ou mais notícias falsas durante a eleição e 89,77% acreditaram que os fatos eram verdadeiros. A pesquisa, realizada pela IDEA Big Data entre 26 e 29 de outubro com 1.491 pessoas no país, analisou Facebook e Twitter”, explica a publicação. Ainda de acordo com a Avaaz, 85,2% dos eleitores (do Bolsonaro) entrevistados leram a notícia que Fernando Haddad implementou o ‘kit gay’ (nas escolas) e 83,7% acreditaram na história. Ou seja, são novas ferramentas e estratégias de comunicação. 

 Desta forma, é absolutamente crucial que a nossa população entenda estas dinâmicas de desinformação e distração praticadas pela gestão bolsonarista e que caracterizam um novo tipo de censura moderna, mais sutil, elaborada, eficiente e complementar aos métodos utilizados pelos militares na década de 1960.

Cesar Calejon é jornalista com especialização em Relações Internacionais e escritor, autor do livro A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI.

 

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