O Brasil pós-Temer, uma tragédia nacional. Parte 1: a democracia tutelada pelas corporações estatais

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por Cesar Cardoso

O governo Temer acabou; Temer virou o novo Sarney, na presidência para cumprir horário. Os “seis meses” da Doutrina do Choque acabaram, e com ele a falta de reações às reformas ultraliberais. O país e sua população vão perdendo a esperança em velocidade talvez só vista no pós-confisco da poupança de 1990. Neste pano de fundo, os atores da aliança golpista deflagaram uma guerra intestina que definirá como o Brasil se reorganizará politicamente para os próximos anos.

Vou tentar organizar algumas ideias e pensamentos em 4 partes para tentar mostrar minha visão do futuro que me parece altamente provável com os atuais movimentos.

Organizei da seguinte maneira:

Parte 1: a democracia tutelada pelas corporações estatais

Parte 2: o Grande Acordo Nacional e o business as usual

Parte 3: “whoever wins… we lose”

Parte 4: 4+1 motivos para não haver 2018

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O mercado, especialmente o mercado financeiro, já há algum tempo vem se incomodando com o fato de que seu império tem sido sistematicamente incomodado com a política. Depois do desmoronamento da Terceira Via e da re-ascensão do populismo, que trouxe a política de volta ao centro da disputa social nesta década, o rentismo teve que sair da sua zona de conforto.

A solução clássica é lançar mão do fascismo; é isso que está ocorrendo na Europa e nos EUA. Mas está claro que isto não é suficiente; a grande lição da Manu Pulite é que ao campo arrasado da política (e dos políticos) vem algum populismo autoritário que não só reverte a limpeza, como suja mais ainda tudo – a Itália, hoje, é um país ainda mais na mão das máfias do que, digamos, há 20 anos atrás. E, como se sabe, populismo autoritário traz um monte de problemas para o rentismo – não apenas o despedaçamento da democracia, mas também ter que tratar bem e dividir lucros com a quadrilha que se forma em torno do líder (e se apossa do Estado e da Nação).

Então o rentismo precisa de um plano B. Um plano que não envolva a solução autoritária, porque é necessária manter a ilusão democrática; ao mesmo tempo, a democracia precisa estar dentro de certos limites, do “senso comum”, ou seja, da primazia do rentismo sobre o resto da economia e sobre o social – que a eles, o Deus Mercado Financeiro, devem servir sem pestanejar. Um plano que envolva a transformação das corporações estatais em Poder Moderador.

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A Constituição de 1988 teve a louvável intenção de profissionalizar a carreira pública; no entanto, não impôs nenhum contrapeso aos poderes e à proteção das mudanças políticas que ofereceu aos setores profissionalizados do Estado. O excesso de poder sem nenhum controle e responsabilização dado a estas corporações – criadas numa mistura de concurseirismo, deslumbramento jeca com os EUA e a boa e velha arrogância da classe média/alta brasileira – gerou uma situação em que um país pode ser jogado no caos por um burocrata da RFB, um delegado da DPF, um procurador ou um juiz de primeira instância.

O rentismo captou isso e, usando a grande mídia e o PSDB, alçou estas classes concursadas ao panteão dos Heróis Nacionais contra a corrupção, transformada convenientemente no Único Problema Nacional. E a partir daí as corporações estatais começaram a “botar as asinhas de fora” e entender que os políticos, e a política, atrapalhavam seu trabalho e, portanto, precisavam ser jogados para escanteio… justamente o que o rentismo queria.

A Lava-Jato marcou a entrada definitiva das corporações estatais no jogo político; o golpe de 2016 as colocou no centro do poder, parte da aliança golpista vencedora, apoiando decisivamente a entrega da política econômica e do desmonte da presença do Estado na economia produtiva ao rentismo, recebendo nacos de poder e rifando grupos rivais, caso da ex-CGU, atualmente um ministério irrelevante.

Tudo ia bem até que os famosos seis meses do prazo de validade da Doutrina do Choque se esgotaram; com apenas a PEC da Morte realizada da agenda ultraliberal, e com as classes políticas se reorganizando em torno do Grande Acordo Nacional, a paciência da aliança rentismo-mídia-corporações foi se esgotando, se esgotando… e se esgotou. Ficou ali, esperando, uma oportunidade; e ela apareceu quando o governo Temer acabou abruptamente, em algum momento entre o Carnaval e a Páscoa.

A Lista de Janot é, ao fim das contas, as corporações estatais tentando um golpe dentro do golpe.

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No caso de derrotarem a classe política, o que as corporações estatais colocarão no lugar?

Não poderão colocar uma ditadura, porque ditaduras podem ser derrubadas, podem acabar – e, na saída, naturalmente os vencedores irão no sangue dos vencidos, e as corporações estatais seriam as primeiras a serem dizimadas. Precisam, isto sim, de uma democracia tutelada.

Uma democracia tutelada, sim. Com toda a aparência e formalidade democrática, multipartidária, mas que a Constituição e o sistema político garanta a primazia do rentismo e das corporações estatais, deixando uma frestinha para o surgimento de partidos que formalmente contestem a situação, mesmo sabendo que não tem chance alguma de serem relevantes, mas sabendo que estão lá para garantir a aparência democrática.

Por isso a grande mídia começa a falar em nova Constituição: a Constituição atual dá chance demais pro azar, pra eleições de outsiders, e na democracia tutelada não pode haver zebra, apenas a paz dos cemitérios nos grandes assuntos e alguma disputa política periférica para, de novo, manter a aparência democrática. E notem que o Estadão pediu explicitamente que a nova Constituição proíba cargos comissionados; cargos comissionados são ocupados por gente que tem compromisso com uma ideia política, pouco importa qual seja, e o que se quer é que o Estado seja inteiramente sequestrado pelas corporações.

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Se as corporações estatais conseguirem o golpe dentro do golpe, o Brasil será o primeiro teste da democracia tutelada… mas porque eu chamo de teste?

As pessoas começam a perder a fé na democracia e começam a entender que só há saída pelo outro lado, seja pelo ultranacionalismo, seja pela ultraradicalização à esquerda. A instabilidade política se torna a norma. E o rentismo, como se sabe, detesta a instabilidade; no máximo, aproveita rapidamente o lucro fácil que ela lhe traz, saindo na primeira oportunidade.

Então, caso o teste da democracia tutelada no Brasil não apenas emplaque mas seja bem sucedido, este modelo poderá ser espalhado para outros países na fronteira desta luta, gerando um conjunto de países onde a prioridade será o rentismo e as corporações estatais, garantindo alguma estabilidade para a exploração extrema; a economia produtiva, a sociedade, estarão todos subjugados, numa servidão (que se espera) eterna, pagando tributos do Deus Mercado Financeiro na esperança que ele fique feliz.

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Na Parte 2, vamos ao Grande Acordo Nacional, a outra parte da aliança golpista.

Redação

7 Comentários

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  1. QUAL IMPACTO DA LAVA-JATO NA CORRUPÇÃO MENOR???

    Será que a corrupção Estadual e Municipal foi impactada pela Lava-Jato? 

    Nao vi nenhum texto sobre o assuntoo mas tenho a forte convicção que não mudou nada no Brasil real… as prefeituras de interior continuam com suas notas frias, obras superfaturadas, nepotismo… nenhuma atitude real foi tomada para diminuir a corrupção no Brasil.

    A Lava-JAto ainda manda uma mensagem sobliminar de que “foi só para destruir o PT”… se não fosse isso nem aconteceria… ou seria uma pequna operação que só pegaria os nomes mais óbvios, como Cunha.

    1. A corrupção nos Estados e

      A corrupção nos Estados e Municípios continuam absolutamente livre, leve e solta – com a exceção do RJ, onde querem emplacar que o que Sérgio Cabral e sua gangue levaram é o suficiente pra salvar o estado da bancarrota (não é e não será, o que vai começar a salvar o RJ da bancarrota é o petróleo voltar a 100 dólares e a indústria de petróleo e gás ressucitar).

      1. As leis não evoluem… os partidos e políticos SIM!

        A lição que a Lava-Jato vai deixar:

        1-LEIS QUE NÃO PERMITEM MAIS ESSA ROUBALHEIRA

        OU

        2-POLÍTICOS E PARTIDOS QUE NÃO COMETERÃO MAIS OS MESMOS ERROS

        Infelizmente eu fico com a segunda opção… em poucos anos os esquemas retornarão, mas com uma advertência: “Cuidado para não falar nada por telefone… cuidado para não deixar nada em planilhas… cuidado para não usar familiares no esquema… cuidado para não deixar de fora parceiros da imprensa e STF… cuidado para não aumentar muito o esquema”

        1. Acho que vai ser 3, que é,

          Acho que vai ser 3, que é, rigorosamente, o contrário de 1. A Lava-Jato era só para pegar o PT. Quando essa turma cair, seja daqui há um ano, seja daqui há 30, vai acontecer o que aconteceu em muitos países latino-americanos acossados por golpes militares. As FA foram enfraquecidas, aqui, quem perderá força é o judiciário.

          Imunidade parlamentar, foro privilegiado, etc, não são coisas saídas do C… da classe política. Exisatem por que no passado, políticos foram vítimas de exceção, como estão sendo hoje. 

          Vou chutar algumas medidas

          – Extensão do foro privilegiado para ex-ocupantes de cargos públicos por até 8 anos (mesmo que o foro privilegiado acabe nessa trajetória, se  acabar, será criado e mais abrangente, para evitar perseguições políticas à um antigo governo quando houver alguma troca).

          -Foro privilegiado vitalício para ex-presidentes, para evitar que um juizinho de provincia macomunado com potência estrangeira persiga algum ex-presidente).

          -Extensão do foro privilegiado para pparentes de políticos, para eles não poderem serem chatangeados por juizinhos de província.

          -Só não haverá foro privilegiado se o próprio STF rodar em algum novo ordenamento.

          E infelizmente, a turma do enriquecimento ilícito e bandidos comuns se valerão dos privilégios, utilizarão as salvaguardas constitucionais para evitar perseguições políticas como álibi para cometerem crimes comuns…

          Se duvidar o judiciário deixará de ser poder e virará um prestador de serviço, tal como saúde e educação.

          Os membros do judiciário Perderão os penduricalhos nos salários. Ao contrário das FA, que são um poder armado, a nova ordem não precisará se preocupar em agradar tanto os antigos ocupantes do poder. Provavelmente a única consequencia boa disso tudo. Não sei se o judiciário no futuro será mais eficiente, mas sem dúvida, será BEM mais barato.

           

  2. Da multiplicidade de caminhos a um só

    A principal tarefa política da classe trabalhadora, passa a ser a derrota do Golpe em nosso país. Já para os golpistas, as tarefas passam a ser logicamente o contrário disto, isto é, impedir que a nova ordem institucional golpista seja derrotada. Para esta realização, contam com todas as táticas e estratégicas políticas que possam desfrutar, indo desde a preparação do golpe dentro do golpe, ou seja, a retirada do Temer por outro mandatário; eleições para viabilizar eleitoralmente o golpe, sejam elas em 2018 ou unificadas em 2021; aprovar o parlamentarismo como grande “ revolução” política; o uso de forças armadas na contensão das massas; destruição moral e prisões das lideranças populares; inviabilizar a existência de organizações dos trabalhadores, partidos de esquerda etc…, etc… Talvez, as únicas perspectivas descartadas pela direita fascista, é as diretas já e a anulação do impeachment, que se ligariam as palavras de ordem do Fora Temer.

    Uma eleição chamada em 2017, constituiria para os golpistas um esforço extra, no sentido de mobilizar esforços internos para unificar candidatos, comprar votos, aparar arestas e ânimos exaltados dentro da esfera burguesa, selar novos acordos, acomodar desafetos, etc. Por isso, essa palavra de ordem diferencia das demais por essas questões e ainda pelo fato de que os golpistas vão levar consigo parte do fardo da atual conjuntura econômica, tanto do governo Federal como dos Estados. Uma eleição nesse quadro, propiciaria talvez, uma discussão ampliada sobre o golpe, ampliando a compreensão popular, quanto a natureza do golpe e a sua extensão na conjuntura da América Latina e ao imperialismo como um todo e principalmente ao Ianque. Além do mais, com essa palavra de ordem, já se iniciaria abertamente um processo eleitoral, seja para já, ou para 2018. Assim, também poderia ter força popular, caso a burguesia golpista, resolvesse adiar para 2021 todas as eleições.

    Portanto, é uma palavra de ordem, que pode servir a luta dos trabalhadores. Porém, a mesma além de indicar um caminho prematuro de ação, não pode ir mais que suas pernas permitem, isto é, o regresso na institucionalidade. E que institucionalidade? Além da ordem golpista em vigor, a ordem da crise sistêmica do Capital, a mesma que fez o golpe acontecer e a mesma que fez a presidenta Dilma Russef a tomar medidas impopulares. Essa conjuntura continua a mesma, pior, aprofunda-se a sua degeneração, em estado crescente de Fascismo contra a classe operária e o povo em geral no mundo inteiro. A subestimação das leis da Economia Política capitalista em troca de políticas econômicas salvadoras da Pátria, leva muitas lideranças populares e progressistas a perderem a cabeça literalmente, caso do Kadaffi, presidente da Líbia, morto em praça pública.

    Não haverá portanto, pela via institucional, mudanças na condução do básico que o golpe estabelece. A ideia de que a volta, por via eleitoral, conduzirá a um retorno ao que era em anos recentes, é a mais profunda ilusão. Por isso, os Partidos de esquerda, os movimentos populares, Democratas e Progressistas só resistirão ao aprofundamento do Golpe e consequentemente a sua derrocada, com o povo na rua fazendo a resistência. É também dessa luta que se instrumentalizará o povo e as forças avançadas, na condução do novo poder político, consonante com a força política.

    Todas as tentativas de não ver a profundidade do Golpe e a par disso a Crise Sistêmica do Capital, conduzem a tentativas simplificadas de saídas imediatas, conciliadoras as vezes ao extremo, que longe de salvar o povo do derramamento de sangue, o conduzem para o matadouro. Por isso insistimos que, nada do que foi será e só o povo na rua unido poderá derrotar o golpe e avançar em uma nova perspectiva de poder político, que não virá obviamente pela via eleitoral.

    Novas Forças, Novas Tarefas dizia Lênin. As forças do poder no Brasil mudaram, são golpistas de direita, fascistas, pró imperialistas, anti populares, neoliberais; portanto são novas as tarefas que a classe operária está chamada a atuar. A construção de Frentes antifascistas como a Frente Brasil popular, Povo sem medo e a criação de Comitês contra o Golpe, são as novas tarefas. Assim como a Greve Geral, instrumento poderoso na luta contra os golpistas e de unidade e mobilização popular, além de inúmeras iniciativas de resistências que deverão fazer parte deste novo processo de luta de classes em nosso País. Nossas palavras de ordem são: Unir, resistir e lutar contra o golpe. 

     

    O Proletário, edição do dia 28/Março de 2017

  3. Lava Jato é um movimento político

    Lava Jato é a tomada de poder pela Globo e pelos que ela representa no Brasil (Bancos Internacionais). O resto é conversa.

    Moro e o Janot não são ninguem sem o aparelho da propaganda diária e agressiva, com mentiras descaradas de 5h às 23h.

    É necessário incluir o Brasil no jogo político internacional para entender a magnitude do que nos acomete. Os EUA simplesmente resolveram ser um império, começou com Obama. Trump ameaçou mudar, mas foi vencido por quem realmente manda (Os bancos).

    Concordo que além do Judiciário muitas estatais começaram a querer ter agenda própria, fora da agenda política. Foi o caso na era Dilma, onde pelo menos uma estatal começou a se entregar de corpo e alma aos EUA até que a patranha foi descoberta e o seu presidente exonerado por Dilma.

    É o caos.  Os caciques dos estados e municípios estão sendo perseguidos pelo MP, pelo menos no meu estado. Com abuso ou não de autoridade, mas com pleno apoio da mídia que protege o seu dono, o mafioso-mor. O fato é que esse movimento moralista esconde o movimento entreguista.

    Quem contra os bancos internacionais?

    Há outro movimento em curso no mundo que vem para acabar com tudo: o fim do papel moeda, a ìndia foi seu último laboratório. É a escravidão planetária enquanto os tolos passam o dia TEXTING.

     

  4. Creio que os recebimentos dos

    Creio que os recebimentos dos políticos pelas empresas privadas n~´ao se configura necessariamente uma corrupção lesadora do país… Acho que este espetáculo feito pela mídia é muito mais lesador do país… Está incorreto receber dinheiro destas empresas por debaixo dos panos para investir nas campanhas eleitorais? Pelo que diz a lei, me parece que sim… Mas, isto não se configuria necessariamente um desvio direto de dinheiro público, já que estas empresas venceram licitações (talvez com auxílio destes mesmos políticos) e realizaram as obras de acordo com o proposto nas licitações… Trata-se corrupção, isso é claro pra mim… Mesmo que de uma forma indireta… Mas, acredito eu, é um tipo de corrupção praticada em todo o país em que as campanhas políticas são financiadas por políticos com dinheiro de empresários… A saída seria um investimento direto nas campanhas políticas de quem quer que se candidate a um cargo público? Seria esta a saída? Acho que só assim poderia haver um fim neste tipo de recebimento inconstitucional… Creio que na américa do norte também é praticada esta atividade de fincaniamento de campanha, pois a campanha por lá é bilionária… Então, porque eles também não investigam por lá? Porque eles estão se focando por aqui, se for verdade que eles estão apoiando alguns elementos da polícia federal daqui de forma inconstitucional e portanto criminosa? Então… Seria o caso de analisarmos as reais motivações deste desmonte do cenário político brasileiro… Eu não quero dizer com isso, que todos estes plíticos evidenciados pela mídia não tenham contas a pagar com a justiça… Mas todo este circo que está sendo montando tem alguma motivação… E talvez a motivação seja nos fazer de palhaços… Eu não sei… Gostaria que houvesse uma discussão maior neste sentido… Para um melhor entendimento de minha visão…

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