Urariano Mota
Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".
[email protected]

O carnaval do vídeo da fome na Venezuela, por Urariano Mota

O texto bem podia se chamar  “A farsa do vídeo de Jorge Ramos”, a quem o portal G1 considera  “um dos jornalistas de língua espanhola mais respeitados dos EUA”.

O carnaval do vídeo da fome na Venezuela

por Urariano Mota

O texto bem podia se chamar  “A farsa do vídeo de Jorge Ramos”, a quem o portal G1 considera  “um dos jornalistas de língua espanhola mais respeitados dos EUA”. Ou como desinformou o Jornal Nacional em mais uma de suas edições. Vale a pena copiar a indignação que se edita:

Na Venezuela de Nicolás Maduro, a detenção e até o sequestro de jornalistas são frequentes. Nas últimas 24 horas, houve mais dois casos.

Foram essas imagens que enfureceram Nicolás Maduro e o levaram a deter jornalistas de uma TV americana: três jovens reviram um caminhão de lixo em busca de restos de comida. O rapaz diz: ‘Estamos com fome’. O homem se revolta, diz que é pai de família e faz isso todos os dias para conseguir comer. ‘É preciso trocar o presidente, não podemos viver assim’, diz ele.

O vídeo foi gravado em Caracas por Jorge Ramos, um dos jornalistas de língua espanhola mais respeitados dos Estados Unidos. Segundo o repórter, quando ele mostrou as imagens, Maduro se levantou e interrompeu a entrevista.

‘Eu disse a ele: ‘Isso é o que ditadores fazem, não os democratas’, contou Ramos, já no aeroporto”.

O vídeo gerou nos comentaristas da Globo News as reações mais chocadas, pelo que se falavam. Quero dizer, em lugar de chocadas, o vídeo gerou reações chocantes pelo grau da hipocrisia cristã, horrorizada ante a miséria humana jamais vista no mundo. Melhor ir ao próprio massacre das imagens aqui       

Agora, acompanhem por favor algumas observações sobre as cenas mais chocantes da humanidade. Na primeira delas, observo que os personagens  comem o lixo sem voracidade. É como se o provassem apenas. O ator principal degusta a iguaria à semelhança de quem prova uma empada em coquetel. Do alto, do baixo e debaixo da minha experiência, sei que esfomeados não têm regras, etiqueta ou educação. Esfomeados agem sem freios como autênticos animais que são diante da presa. É comer e comer, e mal falam ou se falam: “Hum, hum, hum!”. Mas o protagonista do vídeo põe a sua iguaria entre os dedos e dá um belo discurso. Jamais vi um faminto tão virtuoso.      

Na segunda observação, noto que os trabalhadores do caminhão de lixo esperam pelo famintos para juntos comporem a cena. O caminhão para, e não se veem os trabalhadores pegando sacos de lixo na rua de qualquer natureza. Autêntica solidariedade fílmica. Mais: os comedores de lixo não vão às casas, à frente dos edifícios. Pegam-no de um caminhão, onde não têm tempo para a escolha do melhor para comer. Mas isso não é o comportamento universal dos comedores de lixo. Nem mesmo dos urubus. Eles esquadrinham, rondam, visualizam, bicam e reviram a sujeira. Tanto o bicho urubu quanto o bicho homem.    

Não é supresa para ninguém que até fotógrafos sérios por vezes preparam a cena para o “flagrante”. Imagine-se um filme. A cena do filme de Jorge Ramos possui todas as características de armação. A direção do cenário do horror da fome aponta para uma composição do vídeo.

Observo que o primeiro entrevistado sorri de lado, furta o sorriso e a câmera muda o foco. Então o  personagem seguinte do lixo – o cara – fala para a câmera como um ator digno de Hollywood. Aliás, só em produções da Netflix há semelhante realismo. Por quê? A câmera o segue – lembram de filmes de cinema? O protagonista interrompe o ato de comer e fala com um maravilhoso petisco à mão. E fala, entre outras coisas, que vive na miséria desde Hugo Chávez. A partir de Chávez? A partir do governo que realizou uma redistribuição de renda na Venezuela? Se isso não é discurso de propaganda política, de guia eleitoral para o golpe dos Estados Unidos, não sabemos mais o que vem a ser.   

Na internet, há um comentário de César Hernández que fala: o vídeo da televisão é “mais falso que os programas de Laura Bozzo”, Para quem não sabe, Laura Bozzo é uma apresentadora de sucesso que não mede esforços para a audiência – já chegou a pagar uma pessoa na platéia para lamber as axilas suadas de um fisiculturista. O que não deixa de ser o lixo adaptado ao vídeo de Jorge Ramos.  Outro comenta: “parece uma montagem pelos bonés de marca e cabelos bem cortados dos famintos”.

Outros internautas falam que há pessoas no fundo de cena que passam carregando alimentos. Ah, mas estamos numa sociedade de classes, isto é, nem todos têm o que comer. Mas é inegável que há comida boa jogada ao  lixo na Venezuela. Então não há falta, há sobra. Mas estamos numa sociedade de classes, lembremo-nos da nossa pátria, salve,salve. Pois bem: se os comentaristas de tevê querem motivos para sua santa indignação, aqui no Brasil há um cenário imenso de comedores de lixo sem qualquer ajuda humanitária. Em dúvida, usem melhor o seu ar de choque e de horror:

https://static.congressoemfoco.uol.com.br/2018/01/fome.png

https://www.causaoperaria.org.br/acervo/wp-content/uploads/2017/10/deu-no-new-york-times-pobreza-no-brasil-aumentou-depois-do-golpe-1024×585.jpeg

https://www.politicanarede.com.br/wp-content/uploads/2017/08/sertao_lixo.jpg

O flagrante da rua do Brasil possui a vantagem de nem precisar da montagem da cena. A infâmia brasileira bem que deveria servir para o jornalismo chocado e chocante. Ver é só olhar. Sem edição.

Urariano Mota

Escritor, jornalista. Autor de "A mais longa duração da juventude", "O filho renegado de Deus" e "Soledad no Recife". Também publicou o "Dicionário Amoroso do Recife".

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. 9 entre 10 artigos escritos por Jorge Ramos se resumem a mesma cantilena de sempre contra Cuba e Venezuela. Eh tao transparente que da ate vergonha. O jornalista tem curtido a popularidade em alta por ter se chocado com Donald Trump na questao da imigracao. Tirando a questao imigratoria, Ramos nao passa de mais um fulano a servico dos interesses estadosunidenses.

  2. Esse jornalista sensacionalista deveria vir ao Brasil para filmar e fotografar as crianças brasileiras catando comida nos aterros sanitários e, depois deveria levar as imagens ao Bolsonaro para perguntar o que ele tem a dizer a respeito.
    Certamente o Bozo diria que trata-se de “coitadismo”.

  3. Esse video é uma fraude encenada, qualquer um que ande nas ruas das grandes cidades brasileiras (infelizmente) sabe que pobre não é burro, eles pegam a comida antes na lixeira ou antes mesmo de ser jogada fora, a comida nem vai parar no caminhão. E é obviamente 10 mil vezes melhor e mais fácil que correr atrás de caminhão cheio de coisa podre.

    Atrás do cara sendo entrevistado tem um senhor segurando um engradado, esperando darem a entrevista, ele cansa, vai e vira o engradado que deixa no caminhão.

    Qualquer faminto de verdade estaria de olho no engradado, procurando comida menos estragada.

    Mas os fake nem olham para o senhor e o engradado que ele carregava.

    Fraude para gringo ver (e brasileiro privilegiado que só anda de carro e só vai em Shopping).

    Além do fato que tem pobre pegando comida do lixo nos EUA também (por isso mesmo que fizeram esse video fake com o caminhão de lixo, se fosse “só” pegando comida da lixeira não teria impacto).

    Notem como tem um cara todo de preto filmando na frente do portão laranja, que simplesmente some depois, e como o cara de cinza faz questão de entrar no enquadramento depois, dando um passinho.

    Cadê os outros vídeos, tinha pelo menos duas outras pessoas filmando.

  4. Mas os imbecis por aqui, famintos de ódio, se alimentam de mentiras, não acreditam nelas exceto os imbecís mais tapados, mas precisam acreditar para justificar seu apoio eleitoral à um miliciano contra o crime, chefe de peculatos contra a corrupção, lider de laranjas para moralizar a política, coniventes com caixa 2 inocentados por um sem moral, ora ora, só tapando os ouvidos, fechando os olhos para e verdade agora nua ao desmascarar mentirosos, o que fazer? Simples, alienem-se mais, pensem que está tudo bem, mas não se iludam encarem a realidade monstruosa que apoiaram.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador