O desenvolvimento da marca golpista na cabeça do eleitor, por Álvaro Miranda

Dallagnol fez o que agentes públicos do bem não estão acostumados a fazer, isto é, aplicar os princípios do marketing privado às ações estatais.

Foto Marcelo Camargo – Agência Brasil

O desenvolvimento da marca golpista na cabeça do eleitor

por Álvaro Miranda

Engenhoso e inteligente Deltan Dallagnol em suas ideias de marketing da Operação Lava Jato, a julgar pelo que está vindo a público, como a intenção que lhe ocorreu de propor a construção de um monumento às ações da força-tarefa. O procurador fez o que agentes públicos do bem não estão acostumados a fazer, isto é, aplicar os princípios do marketing privado às ações estatais. E estes não possuem esse hábito, dentre outros motivos, talvez por uma crença de fundo cultural, segundo a qual marketing é coisa do mundo privado vinculada a vendas. Como diz os papas no assunto, “marketing nada mais é do que o desenvolvimento da marca na cabeça do consumidor”. 

Ocioso definir aqui o que seria agente público do bem, considerando que, para bons entendedores, certas obviedades bastam. Na verdade, o agente político (inclusive, o administrador público) em geral tem cometido o erro ingênuo de acreditar que governos não devem fazer marketing porque não representam empresas privadas, isto é, não agem para vender mercadorias. Uma vez eleito pelo princípio majoritário, pressupõe que suas ações, sendo públicas, são aceitas por si só e compreendidas de forma unânime pela sociedade. Esse foi um dos grandes erros do PT ao acreditar, com presunção e arrogância, poder contar com a TV Globo para divulgação e explicação dos seus programas de políticas. 

No entanto, especialistas em marketing sabem como essa área de conhecimento, com MBAs (Master Business Administration) caríssimos, cursos de graduação e diferentes tipos de especializações mundo afora, compreende ferramentas diversas e sofisticadas da concorrência utilizadas pelas empresas na selva capitalista. Nesta, o Estado pode ser leão, cordeirinho ou um simples verme a ser esmagado pela sola de sapato de executivos e acionistas de grandes corporações. Além das armas e do sucesso da aceitação e imposição de novas tecnologias, o imperialismo e suas guerras são feitos também de marketing.

O erro e a ingenuidade, portanto, dos agentes políticos e administradores públicos do bem é achar que não precisam fazer marketing de suas ações. É não considerar que, embora o Estado não sendo um ente privado, nos moldes de uma corporação pertencente a pessoas físicas, age no mundo da concorrência, sendo, simultaneamente, estruturante do sistema capitalista e feixe de conflitos. O Estado não visa lucro, mas acaba sendo concorrente (ou sócio) de empresas que tentam miná-lo (ou apoiá-lo) na busca de seus lucros.

Além de sua concretude materializada em organizações definidas, com logradouro identificável, o Estado também é uma abstração. Numa e noutra condição, sofre assédios, concorrências, sabotagens de diferentes forças dentro e fora de sua jurisdição formal e material, incluindo, obviamente, ações de empresas privadas nacionais e internacionais, além de máfias internas e governos estrangeiros. Golpes perpetrados por forças externas só são bem sucedidos com apoio de grupos e agentes nacionais. O que alguns observadores querem reduzir a “guerra de narrativas” é concorrência de marketing na luta de classes. Ou seja, não se trata só de semânticas, mas de sinonímias, deontologias e teleologias. 

Mesmo dentro do âmbito do Estado, o marketing é necessário entre agentes públicos, no que diz respeito, por exemplo, a programas concorrentes de políticas públicas. Na teoria política contemporânea, a questão da transparência, por exemplo, tem sido assunto nevrálgico nesse ponto porque programas de ações dentro de um mesmo governo concorrem entre si para fins de sua aprovação tanto pelo Executivo como pelo Legislativo. 

Daí ser comum o marketing reverso do silêncio, isto é, a famosa “caixa preta”, quando esta não é aberta por interceptadores de diferentes origens e métodos nos conflitos rotineiros de uma sociedade democrática. Isso, porque, em determinadas situações, a divulgação de ações durante sua formulação e implementação pode gerar resistência, sabotagem e concertações de opositores para a sua não aprovação.

Ocioso também perguntarmos agora por que Deltan Dallagnol precisava e se esforça ainda por fazer marketing da Lava Jato. Só criancinhas ou adultos ingênuos do bem podem ainda continuar acreditando que esse pessoal da Lava Jato estava imbuído de uma missão civilizadora de passar o rodo na corrupção, em outras palavras, “passar o Brasil a limpo”.

Além dos ingênuos, incluo aqui os desinformados bem intencionados que desconhecem as leis, os mecanismos estatais, as relações entre os poderes e mais ainda: ignoram que é impossível entender a crise que vivemos hoje sem compreender os nexos entre democracia, estado e capitalismo. Ignoram que até as virtudes precisam de limites e que só a sociedade organizada e atuante de forma permanente, e não só durante as eleições de quatro em quatro anos, pode impedir o desenvolvimento da marca golpista na cabeça do eleitor.

Álvaro Miranda – Jornalista, mestre e doutor em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento pela UFRJ, por onde também tem especialização em Análise de Políticas Públicas, e com especialização em MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas.

Redação

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