O dia em que fiquei sem lado, por Gi Oliveira

O dia em que fiquei sem lado

por Gi Oliveira

Você conhece a parábola do Filho Pródigo? Eu a conheço desde criança e tenho que admitir que sempre pensava que o filho mais velho ficou mordido de inveja do irmão mais novo tanto pelos motivos apresentados por Jesus como pelas experiências e histórias que o caçula acumulou ao ousar se aventurar pelo mundo. Comecei a escrever este texto como uma fervorosa advogada do primogênito, mas fui seduzida por uma nova percepção.

Para quem não está lembrado, aqui vai a história, contada pelo apostolo Lucas e atribuída à Jesus:  https://www.bibliaonline.com.br/nvi/lc/15/11-32

Eu imagino que a intenção da história é nos alertar para a importância de permanecer dentro das regras, sob a proteção do Pai e principalmente sobre arrependimento e perdão. Mas gente, eu sou assim, meio rebelde, e por mais que tentasse ater meu raciocínio a essas lições, eu sempre abria outro capítulo, um adendo e acabava pensando que além das festas, do churrascão e do anel, o filho pródigo voltou como um herói, cheio de aventuras para contar, porque ele ousou. Fez um pedido inusitado para a época, um adiantamento de herança e o pai não ofereceu nenhum empecilho à solicitação fora do comum, acatou e repartiu os bens. Não sei dos detalhes da transação, se vendeu parte das terras, se tinha a quantia necessária debaixo do colchão; Jesus era muito direto em suas parábolas, não era detalhista como eu contando histórias, uma pena!

O rapaz teve a audácia de juntar as malinhas e ganhar o mundo. O aventureiro, ao que parece, não tinha um plano de contingência, fez e aconteceu feito o Pica Pau no episódio Trabalhadores da Floresta e quando chegou o inverno viu o monstro da fome dentro do armário… Bom, daí ele lembrou que o genitor só havia adiantado os cascalhos, mas estava vivinho-da-silva e residia no mesmo bat-local. Num movimento magistral, voltou e humildemente se colocou à disposição para trabalhar como um desconhecido, um diarista nas terras… do irmão. Aí eu vi um golpe de mestre! Porque se ele tinha ganhado o mundo com a parte que lhe cabia da herança, o que restou pertenceria logicamente ao irmão mais velho, e o espertinho do caçula não foi homem o suficiente para pedir uma oportunidade de trabalho ao maninho, recorreu ao coração do papai. Tanto lugar neste mundo para o irmão “se achar” e ele tinha que escolher justo as terras do irmão mais velho? “Pai, pequei contra o céu e diante de ti: já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus diaristas. ”

Voltamos ao início da minha explanação: Como não querer advogar pelo irmão mais velho? Aquele que aceitou as regras, continuou com o negócio da família, sem ajuda, (inclusive estava trabalhando quando o candidato a diarista chegou), e que teria que se alegrar e ser compreensivo, porque o promíscuo, o maluquinho, o inconsequente se deu mal e aí, depois de demonstrar nenhuma consideração pelo pai ou irmão saiu pelo mundo sem dar satisfação ou notícias. As coisas deram errado? Resolveu voltar? Estava morto e reviveu? Então ótimo, bora trabalhar como todo mundo que está vivo faz, se não estiver torrando dinheiro de herança.

O que mais me chatearia se eu fosse o primogênito seria ter que ouvir as histórias do “ressuscitado” sobre mundos que provavelmente eu jamais conheceria, experiências que eu nunca teria e que dinheiro algum seria capaz de comprar. Mas e se eu fosse o mais novo? Sai confiante de que tudo seria mágico, fantástico, sempre estimulante e mais interessante que na fazenda. Nem por um minuto pensei que invejaria a sorte dos porcos. E agora preciso voltar e contar a todos que não foi bem assim, que não planejei direito, preciso ser humilde e assumir diante de quem magoei que preciso de ajuda, me submeter a julgamento. Enfim, para ser bem sincera, tenho que confessar que acabei desistindo de escolher de que lado ficar, porque agora não vejo vantagem, razão, em nenhum dos dois papeis.

Apesar de viver no mesmo espaço físico e ali compartilhar regalias e agruras, cada um fez as escolhas que lhe pareciam mais acertadas no momento. A fazenda era suficiente para o irmão mais velho, ele não tinha a ambição de conhecer outros lugares, outras culturas e realidades. Aquilo lhe bastava. Era feliz ali e daquela forma. O mais jovem, no entanto, desejava novos ares, pessoas diferentes, experiências que ali não conseguiria obter. Precisava ir em busca de mais. Cada um com seu modelo de mundo, com seu próprio e exclusivo filtro, percebendo aquela fazenda e as relações que ali se desenvolviam a partir de sua perspectiva.  Um copo meio cheio para um, um copo meio vazio para o outro.

Conclusão, esta parábola reforça que não há fracasso, há experiência. E a experiência não é, a priori, boa ou ruim, ela pode, caso se permita, ajudar a amadurecer e enxergar a vida sob uma nova perspectiva, com um novo filtro. Enquanto alguém caminha, inevitavelmente a paisagem muda, seu olhar muda, percebe coisas novas ou as mesmas coisas de uma forma diferente. O que você decide fazer hoje é, neste momento, a sua melhor opção. Quer ficar na segurança da fazenda? Fique! Quer arriscar e ganhar o mundo? Vá! Mas não exija que o outro enxergue essa decisão pelos seus olhos, utilizando a sua lente enquanto você não está se esforçando para entender o ponto de vista dele. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Não tem vilão ou mocinho neste conto, tem pessoas que fizeram opções diferentes e tiveram resultados singulares. Enfim, descobri que os irmãos não precisam de uma advogada, só de empatia e respeito mútuo. Que bom, eu não conseguia escolher um lado mesmo!

Gi Oliveira – Estrategista de Marcas Pessoais e Consultora de Imagem Profissional

Redação

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