O dinheiro dos ricos e a crise econômica, por Alexandre Filordi

O dinheiro oculto dos privilegiados move a sustentabilidade de crenças compradas pelos incautos.

(Sleep – Salvador Dalí)

O dinheiro dos ricos e a crise econômica: IPVA para jatinhos, helicópteros e iates; tributar lucros e dividendos, taxar as fortunas

por Alexandre Filordi

Em Dinheiro oculto a histórica secreta dos bilionários nos bastidores da ascensão da extrema direita (Dark Money – The hidden history of the billionaires behind the rise of the radical right – 2017), Jane Mayer revela como a elite econômica, notadamente a norte-americana, produz uma rede de autoproteção para defender seus interesses. O Brasil e o mundo copiam as mesmas estratégias.

Os ricos compram políticos, financiando-os; criam fundações para transferir, ocultar e proteger recursos – o Itaú acaba de fazer isso no Brasil: doou 1 Bilhão de reais para si mesmo, ou seja, para a Fundação Itaú, divulgando que era para  combater o Covid-19: por que não doou diretamente ao SUS? –; pagam think tanks para reproduzir e defender seu ideário de autoproteção, por exemplo, a de que a taxação de riquezas gera desemprego; investem pesado em meios de comunicação para difundir seus interesses; subvencionam grupos de pesquisas, inclusive em universidades, fantasiando suas estratégias em roupagem científica etc. 

O dinheiro oculto dos privilegiados move a sustentabilidade de crenças compradas pelos incautos. Assim, o trabalhador pensa que o empresário representa seus interesses; que o rico se preocupa com o desemprego, de verdade, e não com lucros; que o dono da empresa quer mesmo investir no “recurso humano”, quando tudo não passa de reduzir a potência humana em autoexploração aceitável e acrítica.

No Brasil tocado pela pandemia, a elite não move uma palha para reverter a catástrofe social que se agudizará. Aliás, a pandemia trará certa vantagem para este governo federal medíocre: jogará nas costas do Covid-19 a responsabilidade pelo fracasso de sua política econômica desastrosa. Justificará por aí o desemprego disparado, o aumento da miséria, a retomada econômica que não chegará, dentre outras diatribes. O fato, porém, é que todas as estratégias de cortes financeiros foram maximizadas no lombo do trabalhador. Enquanto isso, os poderes legislativos e executivos deixam passar a oportunidade de reverter a injustiça social cada vez mais aberrante entre nós. E num futuro próximo, poderão justificar novas medidas contra o trabalhador.

Seria urgente começar a cobrança de IPVA dos jatinhos, helicópteros e iates dos afortunados. O precariado que vende cachorro-quente precisa pagar o IPVA de sua pequena van ou trailer; o entregador com sua moto também paga IPVA. Os magnatas que privatizam ilegalmente a costa do Brasil navegam calmamente com suas lanchas e iates, sem pagar IPVA. Atalhando o trânsito caótico das grandes cidades em seus helicópteros, os ricos seguem no conforto bonificado, sem IPVA. 

Apenas o Brasil e a Estônia não tributam dividendos dos rentistas. Isso causa um impacto na distorção social absurda. Um empresário que decide vender sua empresa e aplica todo o seu recurso na bolsa de valores não pagará um centavo sobre os dividendos acumulados. Eis uma das mágicas do rentismo no Brasil e da concentração de renda. Não é à toa que no meio de tanta desgraça a bolsa de valores segue fornecendo lucros: e há os que associam essa “mágica” com crescimento econômico. 

Ora, não podemos desprezar os rentistas defendendo cortes nas redes de proteção social pública, a privatização, a supressão do salário mínimo, o fim dos direitos dos trabalhadores e, talvez, a volta à escravidão.

Aliás, esses mesmos rentistas se somam aos mais ricos e afortunados do planeta. Se houvesse um imposto sobre a própria fortuna, destinado diretamente à saúde e à educação públicas, a sociedade brasileira estaria consolidando uma estratégia mais justa para suprimir a distorção histórica de um país inaugurado sob capitanias hereditárias e escravidão. 

Esses três aspectos, IPVA para os jatos privados, helicópteros e iates; tributação dos dividendos e lucros, além da taxação das grandes fortunas, são dimensões práticas e civilizatórias para se reverter uma situação que está se escancarando nesses tempos: quem socorre, de fato, as pessoas é o Estado. Por que, então, não fortalecer o Estado sacando dos que militam contra o próprio Estado, apenas para manter, de modo oculto e distorcido, suas riquezas e benesses? 

Do contrário, o Brasil seguirá sendo o detentor mundial de concentração de renda, atrás apenas do Catar, sem mencionar o aumento no número de pobres e miseráveis, hoje próximo aos 50 milhões de indivíduos. A quem isso interessa? 

Talvez o Brasil seja uma grande metáfora da pintura Sleep, de Salvador Dalí. A grande cabeça distorcida dos privilegiados repousa tranquila sobre as frágeis estacas de uma sociedade que precisa, de fato, se despertar.  Do contrário, a grande cabeça dos afortunados seguirá dormindo em “berço esplêndido”, “ao som do mar”, com suas lanchas e iates, e “à luz do céu profundo”, com seus helicópteros e jatinhos, celebrando o “sol do Novo Mundo”: o dos ricos de sempre.

Alexandre Filordi (EFLCH/UNIFESP)

Redação

5 Comentários

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  1. Excelente análise. É uma desfaçatez realizar uma autodoação e atribuir a ela o selo da solidariedade ou de compromisso social. Desde 2015 o Itaú tem sido o banco que vem acumulando o maior lucro líquido anual entre os bancos brasileiros. “O lucro líquido foi de R$ 26,583 bilhões em 2019”. Imposto progressivo Já!!! Quantos trabalhadores poderiam ser remunerados com o lucro liquido anual do Itaú? considerando um salário de R$ 1.045,00? Imagino o café da manhã de uma trabalhador em comparação ao de um acionistas do Itaú. É justo? É juro….

  2. Bill Gates é sabidamente um grande filantropo. Há cerca de 25 anos, na primeira doação que fez a um país africano para o combate a malária, o dinheiro foi diretamente ao governo daquela nação que simplesmente sumiu com a grana. A partir daí, o dinheiro dele é doado à sua fundação e ela que o encaminha aos organismos assistenciais competentes que fazem dele o melhor uso sem roubá-lo ou surrupiá-lo. Creio que por essa razão o Itau passou ao largo do SUS e dos políticos que nele mandam.

    1. Luis, são essas instituições que corrompem os governos…que pressionam por determinada politica monetária….são agentes, corruptores….Não sejamos ingênuos de achar que o Estado é corrupto e a iniciativa privada não…esse foi o espírito da lava a jato….

  3. Muito bom. Excelente texto e tema para discutirmos. As fundações como Itaú (não é a única) além de doarem a si mesmos muitas vezes recebem dinheiro além de benefícios do estado. A justificativa muitas vezes é que a compra pelas fundações são menos burocráticas. Falamos aqui nas licitações que as instituições precisam fazer. As fundações podem replicar seu dinheiro comprando deles próprios ou entre eles. Enfim…

  4. Boi come R$ 1,500 e dono abate o bicho para resgatar o dinheiro

    “Quando o último peixe for pescado
    Quando a última árvore for derrubada
    É quando o último rio tiver secado
    O homem vai finalmente descobrir que não se come dinheiro”

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