O eixo Unasul-BRICS como alternativa para o desenvolvimento, por J. Carlos de Assis

Há cerca de um ano me convenci de que a economia brasileira teria crescimento zero este ano. Acertei, mas por razões não totalmente certas. Achava que o problema era com o manejo incompetente da macroeconomia, notadamente a realização continuada de superávits primários, quando o motivo real da estagnação é o esgotamento de um ciclo econômico de consumo por crescimento de renda e crédito. A macroeconomia tem ajudado no desastre sim. Mas o verdadeiro bandido da história é o ciclo.

A realização de superávits primários tem um efeito de contração da economia que pode ser contrabalançado pelo déficit nominal e, sobretudo, pelo investimento na economia real de juros recebidos da dívida pública. Quando faz um superávit primário o governo retira mais recursos financeiros da economia do que lhe devolve sob a forma de gastos públicos na economia real. Quando o credor do governo gasta os juros da dívida pública recebidos, produz automaticamente em efeito expansionista, contrabalançando a contração anterior.

Minha leitura era que, por causa dos altos juros e da fraca demanda, os donos da dívida pública não gastariam os juros recebidos, retendo-os na forma de aplicação na própria dívida. Isso significa que não haveria uma forma de contrabalançar o efeito contracionista do superávit primário. Como o efeito do superávit é cumulativo, cedo ou tarde, dada a continuidade de sua realização, apareceria o resultado da política macroeconômica na forma de estagnação ou mesmo contração do PIB abaixo de zero.

Esse efeito foi grandemente anulado, em 2009 e 2010, pela injeção de recursos do Tesouro para financiamento de investimentos pelo BNDES. Tratando-se de financiamento deficitário, teve um efeito expansivo, contrabalançando o superávit primário. Como resultado, tivemos um crescimento espetacular de 7,5% do PIB em 2010, após contração no ano anterior como efeito direto da crise iniciada em 2008. Nos anos posteriores os recursos repassados pelo Tesouro ao BNDES diminuíram, o crescimento do PIB caiu e atingimos o auge do ciclo de consumo estimulado pelo aumento da renda salarial e, sobretudo, pelo crédito.

A baixa demanda explica o desestímulo ao investimento, inclusive na forma de fluxo de caixa em moeda remunerada (juros e principal da dívida pública no over). E é justamente aí que entra o ciclo. Na verdade, não estamos sozinhos. Embora sejamos um país subdesenvolvido em termos produtivos, estamos alinhados ao primeiro mundo no ciclo de consumo: a parafernália de aparelhos eletrônicos vendidos no mercado brasileiro é basicamente idêntica ao que se vende na Europa e nos Estados Unidos. E o ciclo mundial desses produtos, sobretudo os constituintes da indústria de informação, perdeu sua força dinâmica porque a parte do mercado que tem renda ou crédito para adquiri-los ou já os adquiriu, ou os adquire apenas na margem para manutenção do “estoque”.

Isso significa que para conseguirmos maiores taxas de crescimento acima da virtual estagnação temos que ingressar num novo ciclo de produção e consumo. No pós-guerra, passamos sucessivamente do ciclo da indústria básica e da infraestrutura financiada pelo Estado para a industrialização por substituição de importações, daí para o ciclo da indústria de insumos básicos no esquema tripartite do II PND, daí para a longa estagnação da crise da dívida, daí para a retomada do ciclo produtivo arrastado pelas commodities importadas pela China no Governo Lula, e agora no soluço do ciclo de consumo da indústria de informação.

No passado, cada um de nossos ciclos de crescimento estava animado, do lado da demanda, por alguma dinâmica de consumo interno ou externo, o qual estimulava um ciclo de crescimento produtivo. Agora tivemos o empuxe dado pelas exportações de commodities para a China, porém numa razão decrescente, pois o crescimento chinês saiu da faixa dos 10% para 7,5%. Isso significa que não será possível confiar apenas na exportação de commodities para a Ásia a fim de garantirmos crescimento mais elevado. Temos que inventar um novo ciclo, o que será particularmente difícil em razão de nossos condicionantes macroeconômicos.

Acho que a saída é aproveitar nossa condição de subdesenvolvido para preencher buracos na industrialização que vimos deixando abertos ao longo do tempo. É que não completamos sequer a etapa da indústria básica (metais), primeiro passo na escalada capitalista. Acredito que é aí que está a nossa oportunidade. A Ásia, notadamente China e Índia, defrontam-se com graves problemas de poluição, de escassez de água e de energia elétrica. Não obstante, a China, para manter seu crescimento de 7%, dobrando seu PIB a cada dez anos, precisa de metais. Fazê-los no próprio território chinês será uma temeridade. A saída é o outsourcing, ou seja, a industrialização de recursos minerais fora de seu território.

O Brasil e os demais países da América do Sul constituem o espaço ideal para um grande projeto de industrialização de múltiplos minerais, dos quais temos amplas reservas, com financiamento e demanda garantida chinesa. Temos água, temos energia elétrica, temos mão de obra qualificada, temos todas as condições para implementarmos a industrialização básica com mínimas perdas ambientais na medida em que utilizemos tecnologias ultramodernas e com grande eficiência energética. Isso puxaria um novo ciclo produtivo e de consumo, arrastando para o crescimento também a indústria de bens de capital. Na medida em que um projeto como esse de articulação BRICS-Unasul avançar, estaremos deslocando o eixo geoeconômico brasileiro para Leste, lançando bases firmes também para uma macroeconomia autônoma e expansionista.

 

*Economista, doutor pela Coppe-UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.  

Redação

10 Comentários

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  1. boa proposta do mestre

    boa proposta do mestre assis.

    o brasil já tem uma estrutura energética considerada

    importante para que a proposta seja efetivada.

    acho que é só aperfeiçoá-la, é isso?

  2. Quer enfiar ideologia em

    Quer enfiar ideologia em politica economica, o Brasil só crescerá sendo global, sem essa de “”EIXO””, o ultimo EIXO da Historia se deu muito mal, o Brasil deve ter relações comerciais e financeiras com todo o mundo, não só com  a Venezuela e a Argentina,  Brics e outros pretensamente afinados, que papo mediocre.

  3. Só tem um detalhe

    Só tem um detalhe: O que será feito quando os recursos aqui da AL também esgotarem? Seria a vez do ciclo na Africa? E depois que a Africa também acabar?

     

    O termo “macroeconomia” talvez precise de leituras ainda mais “macros”, algo realmente sustentável..

  4. Há também as oportunidades

    Há também as oportunidades decorrentes do aumento da renda e, subsequentemente, do consumo, no continente africano.

  5. [  Nos anos posteriores os

    [  Nos anos posteriores os recursos repassados pelo Tesouro ao BNDES diminuíram] Pelo contrário. A enormidade disto foi tanto que por falta de projetos nacionais para se gastar, foram aplicados em Cuba, Bolívia, Venezuela, Argentina..

  6. [  Acho que a saída é

    [  Acho que a saída é aproveitar nossa condição de subdesenvolvido para preencher buracos na industrialização que vimos deixando abertos ao longo do tempo. É que não completamos sequer a etapa da indústria básica (metais)]      isso só possível com mão de obra pouco escolarizada. Hoje não é mais possível, pois quem tem diploma de nível superior vai trabalhar em coisa menos pesada.

  7. Lacuna importante na abordagem do tema…

    Professor  J. Carlos de Assis,

    Bom dia.

    Sua análise é muito  interessante e leva à um caminho comum, onde compartilhamos nossas visões para a o melhor caminho para nossa economia. No entanto apresentamos divergências significativas na análise do cenário passado, comentadas a seguir:

    “…não será possível confiar apenas na exportação de commodities para a Ásia a fim de garantirmos crescimento mais elevado. Temos que inventar um novo ciclo….”

    Nunca foi possível confiar na exportação de comodities, nem interessante para qualquer país. A exportação de comodities sempre foi um mal necessário para o Brasil subdesenvolvido, e deveria ser um mal necessário somente para um período em que o país se preparava para a exportação de manufaturados. Era urgente buscar o desenvolvimento de um portfólio industrial.
     

    “…a saída é aproveitar nossa condição de subdesenvolvido para preencher buracos na industrialização…”

    Esta não é somente a saída para este cenário atual ou para o Brasil. A saída de buscar o desenvolvimento e industrialização é a saída para qualquer nação. Mesmo para países em situação extrema de subdesenvolvimento ou para nações extremamente desenvolvidas.
    Nossa condição de subdesenvolvido não é algo que possa ser aproveitado, mas sim que deve ser superada; temos que superar as dificuldades inerentes ao subdesenvolvimento brasileiro (elevedo custo do estado, infra-estrutura deficiente, mão de obra despreparada) para que seja possível montar uma indústria competitiva internacionalmente.

    A falha na abordagem está na colocação implicita, ao longo da matéria, de uma mutabilidade de coisas, que na verdade não existe. Para o futuro do Brasil no curto até médio prazo continuamos extremamente dependentes da exportações de comodities, porque não fizemos até o momento um bom trabalho no desenvolvimento de uma indústria de manufaturados competitiva internacionalmente. Mas temos que fazê-lo agora, porque este é o único caminho a seguir.

    PS.

    Lembrando a máxima de Keynes de que “o Estado deve intervir na economia sempre que necessário e na medida necessária para garantir o desenvolvimento econômico sustentável” podemos afirmar com certeza que o governo brasileiro tem falhado sistematicamente nesta missão ao longo dos últimos 25 anos (especialmente durante o período pré administração PeTista), permitindo grandes mudançãs no cenário econômico interno, que tornam parques industriais, empresas e segmentos inteiros extremamente interessantes para investimentos ou totalmente inviáveis em períodos extremamente curtos.

    O Estado precisa estar atento, em tempo integral; precisa ser eficiente em detectar e entender que toda pressão exercida na indústria  somente tem sentido enquanto tem por efeito a busca pela melhoria de competitividade, a busca por eficiência, a redução de custos, a melhoria de qualidade, a utilização de materiais e processos mais ecologicamente sustentáveis. 

    Quando a entrada de importados, a política ambiental, a cobrança de impostos, a burocracia, a legislação trabalhista, tem por efeito o encolhimento da indústria é quase certo que estas políticas estão causando excessiva pressão sobre a indústria e estão trazendo mais males que efeitos positivos. A desindustrialização é um processo que quase sempre passa por políticas públicas equivocadas.

    Não são as empresas que são ineficientes e não são competitivas no cenário internacional, é o Brasil que é ineficiente com seus custos que envolvem governo, infra-estrutura, empresas e trabalhadores.  A solução para o Brasil vem do fato de que temos um mercado interno forte e podemos contar com este mercado para o nosso desenvolvimento, enquanto não nos tornamos competitivos internacionalmente.

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