O Encontro no Brasil Rua, por Márcia Moussallem

Por fim, terminamos o almoço e José falou: “Obrigado, moça. Você é humana. Infelizmente eu não tenho expectativa de vida… a minha expectativa é só de morte. Adeus!”

Foto: Gabriel Higute/Observatório do Terceiro Setor

do Observatório do 3º Setor

O Encontro no Brasil Rua

por Márcia Moussallem

É alarmante o crescimento da população em situação de rua no Brasil nos últimos quatro anos. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2016 o número chegou a mais de 100 mil pessoas, concentrando-se nas grandes capitais brasileiras.

A ausência do Estado na construção de políticas públicas específicas para essa população é notório. Estão predominando cada vez mais ações de violência e genocídio, validado por uma grande parte da sociedade. Tal cenário está presente em todos os momentos.

Nos últimos dias do mês de janeiro, estava almoçando no centro histórico de Recife. Observei um número grande de pessoas (famílias) dormindo nas calçadas e outras pedindo dinheiro ou comida na área dos restaurantes.

Chamou-me a atenção um jovem indo a cada mesa pedindo comida. As pessoas nem mesmo levantavam a cabeça para olhar para ele. O mesmo foi ficando agressivo e começou a falar com um tom mais alto. Mas, nada adiantou…

Aproximou-se da mesa que estava comendo, e disse: “moça eu estou com muita fome. Por favor, não me diga não… ninguém olha para mim”. Disse para ele sentar que iria dividir o meu almoço. Pedi um prato para o garçom, e logo fomos alvo de olhares raivosos.

Ele sentou, agradeceu e começou a comer. Conversamos por mais de duas horas. Contou a sua história de vida marcada pela fome, violência e seca do interior de Pernambuco. Relatou ainda que foi preso aos 23 anos por ter matado um homem que negou comida e ainda o agrediu no rosto.  Foram 30 golpes… De muita raiva e muita revolta.

Nesse momento disse o seu nome, José. E continuou: “Eu existo, tenho fome, sou gente… é revoltante quando o outro não te olha, não te escuta, te trata como bicho… eu só queria um prato de comida.”

José olhou para as pessoas que estavam sentadas nas mesas ao redor e falou com uma voz firme: “Eu tenho vontade de matar todas essas pessoas. Elas não têm coração. Mas eu não vou fazer isso (já fiz, quando matei aquele homem) porque tenho a arte na minha vida. Desenho, pinto, faço artesanato. Isso é bom para o meu psicológico.”

Escutando aquelas palavras lembrei-me do filme “Coringa”, que assisti recentemente. Filme que retrata por meio da arte a vida de muitos Josés e Coringas (Arthur), frutos de uma longa história de abandono, violência, tragédias e exclusão.

Por fim, terminamos o almoço e José falou: “Obrigado, moça. Você é humana. Infelizmente eu não tenho expectativa de vida… a minha expectativa é só de morte. Adeus!”

Parti, andei durante algumas horas, sem chão, sem vento, sem sol, sem alegria…

Márcia Moussallem – É socióloga, assistente social, mestre e doutora em Serviço Social, Políticas Sociais e Movimentos Sociais pela PUC-SP. Tem MBA em Gestão para Organizações do Terceiro Setor. Professora da PUC-Cogeae/SP  e da FGV-Pec/SP. 

Redação

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  1. Dia 16. Passando pela Marginal Tietê no meio das faixas congestionadas contei 20 vendedores ambulantes “trabalhando” entre os veículos, inclusive um cadeirante.
    Dia 18. Vou pegar o Metrô na Estação Catete e vejo vários jovens dormindo nos jardins e acessos da estação. Ao descer na estação Cinelândia e seguir para o VLT que me levaria ao “Museu do Amanhã”, contei 5 jovens dormindo em colchões. O cheiro ao lado era insuportável, Insuportável, mesmo!
    Dia 24. Voltando da viagem, paro no pedágio da BR 376, São José dos Pinhais – Paraná e conto 14 ambulantes abordando os veículos nas filas.
    Perguntei para a mocinha do pedágio, “foi para isso que derrubaram a Dilma?” Ela não respondeu, claro!
    Mas nós sabemos que, sim, foi para isso. Só o povo não sabe e nunca saberá!

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