O espantalho da corrupção: uma carta a Deltan Dallagnol, por Sergio Saraiva

Prezado Deltan Dallagnol, não foi sem um bom bocado de preocupação que terminei a leitura de mais um dos seus artigos para a imprensa, neste caso, o ”As ilusões da corrupção” para a Folha de São Paulo de 04 de junho de 2017.

Moro e Aécio

“Todo poder emana do povo e por ele ou em seu nome é exercido”.

Falemos de ilusões.

Abro esta minha carta com o artigo primeiro da nossa Constituição Federal de 1988 – a “Constituição Cidadã”. Em vez dos verbos no presente do indicativo nessa assertiva, talvez fosse melhor tê-los usados no futuro do presente do indicativo. Mostraria melhor nossa situação real e o nosso desejo e nosso otimismo. Mas, se é para abrirmos mão das ilusões, o tempo correto é o do futuro do pretérito. Sou um otimista iludido e incurável.

Quanto às preocupações, elas podem ser resumidas no ato falho contido no seu texto:

“A lei não precisa se ajoelhar diante dos barões; o país não tem que caminhar sobre uma ponte instável; a população não está condenada a ser governada pela cleptocracia”.

Troque a palavra “lei” pela palavra “povo” e eu concordaria inteiramente com ele. Como está, é a causa da minha preocupação. Mesmo o uso da palavra “população” no lugar de “povo” não deixa de ser significativo. População e povo não são as mesmas coisas.

Povo é cidadão. Os escravos do século XIX eram parte da população.

Quanto à lei, como você mesmo lembra ao citar Maquiavel, no mais das vezes, é um instrumento dos poderosos: ”aos amigos os favores, aos inimigos a lei”. Poderia também ter lembrado de Otto von Bismark e a sua sentença em relação à feitura das leis e das salsichas.

Mas não porque as nossas leis gerais sejam más ou escritas especialmente para favorecer. Muitas o foram. Mas porque sua aplicação é seletiva. E a seletividade na sua aplicação depende de o Judiciário ser também ele seletivo.

Como você mesmo sábia e didaticamente explica: “… é simples: o mecanismo da punição é a lei. Os donos do poder garantem sua própria impunidade porque influenciam tanto o conteúdo da lei como quem a aplica”.

Sim, os donos do poder influenciam os que fazem e os que aplicam as leis. Por isso são os donos do poder, quando não são também os pais dos deputados e dos juízes. O povo, constitucionalmente, deveria ser o dono do poder. Mas não o é, pelo menos , por agora.

Não raras vezes a Justiça mostra ter lado.

Lado, partido político e classe social. Basta ver as manifestações públicas de vários dos seus colegas de magistratura desde as manifestações de 2013. Estão nelas uma clara opção sócio-político-partidária.

Onde isso no seu texto? Vê o porquê da minha preocupação?

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Seu texto ataca a corrupção. Mas a corrupção nele aparece como um espantalho.

“Podemos e desejamos eliminar a grande corrupção e alcançar mais igualdade, estabilidade e democracia”.

Os corruptos seriam os políticos que fazem as leis para beneficiar-se e beneficiar os donos do poder.

“Como consequência, aqueles que deveriam representar a população se ocupam de agradar as grandes empresas em troca de leis, subsídios e contratos públicos”.

O judiciário – um dos nosso três Poderes constitucionais – também não é um legítimo representante da “população”? E os promotores e os juízes que aplicam tais leis? E a Corte Suprema que não as declara inconstitucionais?

Como é possível tamanhos podres poderes com a participação de apenas dois dos três Poderes. Os dois que são eleitos pelo povo. O povo não é sábio? Necessita de tutores que o guie pelas escolhas certas? Mais preocupações.

Qual seria a solução?

Nas suas palavras: “este é o momento para ir além da mera alternância no poder dos corruptos de estimação – ou dos menos rejeitados”.

O que você está propondo Dallagnol?

Só não haverá alternância no poder se, suprimindo a democracia, instalássemos uma ditadura no país. Isso não resolve nada. Essa é a pior ilusão – a ilusão totalitária.

Uma luta do bem contra o mal que só pode ser vencida com mais punição e mais poder a Justiça? Mas se a Justiça tiver lado…

Um salvador da Pátria puro e incorruptível? Mais poder a ele para nos salvar da corrupção? Já tivemos vários. Todo poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente.

Podemos apontar e devemos apontar muitas falhas em relação à Lava-Jato. Que avançou sobre direitos individuais, que se vale demasiadamente da escandalização, que é parcial ou que foi instrumentalizada. Mesmo assim, há nela e no que ela se transformou no imaginário popular – uma entidade à parte do nosso sistema de poder – um mérito inegável: tornou palpável algo que era, antes dela, um sentimento generalizado – a corrupção é parte inerente do nosso sistema de poder. Não temos mais ilusões.

Esse tipo de corrupção tem um nome: patrimonialismo. Superá-lo é parte do nosso caminho de aprendizagem coletiva da vivência democrática e republicana. E a Lava-Jato, por vezes de modo contraditório, tem contribuído muito para isso.

Necessitamos fazer deste país democrático um país republicano. Isso é avançar. Mas isso não parece ter sido percebido no seu texto.

“É preciso coragem e perseverança, insistindo em reformas que, em meio a indesejáveis dores do parto, possam nos trazer um novo Brasil”.

Que reformas dolorosas são essas, Dallagnol? Quem fará as vezes da parteira e quem suportará as dores do parto?

Vamos reformar o Judiciário? Tornar mais democrático o acesso a ele, incluso o acesso às prerrogativas de exercê-lo como poder?

Vamos tornar mais efetivo e menos sujeito à constrangimentos judiciais o execício do artigo 5º da nossa Constituição? Nele estão o direito de livre manifestação do pensamento, o direito de resposta e o direito à liberdade de consciência e de crença – e penso eu, da falta dela. Além do direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

Quantos dos que lhe apoiam pelas redes sociais em sua luta contra a corrupção não atentam, eles próprios, paradoxalmente, contra esses direitos?

Você pleiteia mais poder para prender a “elite”? Corre o risco de somente colocar outra ou repor a mesma “elite” de sempre, mais poderosa agora, no mesmo lugar de sempre. Essas são ilusões perigosas. Já nos ensinaram:

“há que se mudar tudo para que tudo fique da mesma forma como sempre foi”.

Não temos elites, temos classes dominantes. E se me permite? Inclusive e principalmente no Judiciário.

Você pede reformas? Então, siga em frente com a Lava-Jato. Mas tire dela todo e qualquer ranço de seletividade. Abandone os espantalhos.

Você quer mais poder para isso? Pleiteie mais poder para o povo. Se posso lhe dizer alguma coisa.

Comece, já no seu próximo texto, por utilizar sem temer a palavra povo. E passe a pedir sem temer por “Diretas Já”.

“Todo poder emana do povo e por ele ou em seu nome é exercido”.

Nada apavora tanto aos donos do poder.

Um abraço fraternal.

 

PS1: Oficina de Concertos Gerais e Poesiasão ridículas todas as cartas de amor – Fernando Pessoa. Nesta Oficina, inclusive as de amor à causa.

PS2: para não dizer que não falei de flores:

Redação

30 Comentários

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  1. Lava Jato, Dal Agnol, etc.

    A lava jato é um estupendo remédio e o judiciário seu aplicador, ambos indispensáveis enquanto preservadores dos objetivos maiores da nação e se mantiverem subordinados à superiormente indispensável harmonia dos poderes! Espero que os interesses corporativos e as vaidades que se tem feito evidentes com frequência preocupante sejam superados pelo pleno funcionamento das instituições democráticas duramente recuperadas com a luta de muitos.  

    1. Lava Jato estupendo

      Lava Jato estupendo remédio?

      O Judiciário seu aplicador?

      É esse tipo de pensamento primário que deu corda a essa guerra de gangues. Meu amigo, vemos uma guerra de membros da elite, incluindo os deuses do judiciário.  Ninguém está preocupado com Interesse Nacional.

      Se para vc salvar o Brasil significa entregá-lo aos EUA. Ok. Se entregar ao deus mercado? Ok.

      Fora isso, Lava Jato é um circo dos horrores que sacrifica o Brasil em nome de um moralismo barato. Dallagnol representa os moralistas com privilégios.

      E outra meu amigo. A coorrupção não nasceu no Brasil e nem morrerá aqui. A Lava Jato aposta num Brasil de terra arrasada, pnde sobrará a mesma elite e os iluminados parasitas do judiciário.

      Dallagnol é mais um cínico anti-Lula. Da mesma grei do Aécio.

    2. Seu comentário chamou-me
      Seu comentário chamou-me atenção justamente pelo fato pitoresco de ninguém ter entendido zorra nenhuma,mais ainda de ser uma cópia fiel dos discursos escritos por Ze Cardozo,o falso valente,para a leitura tormentosa da ex Presidenta Dilma.

  2. sei lá, estamos em metástase fecal

    Um espelho, ausência do ridículo, certeza e acreditar em um deus maluco guia e inspirador, o lugar errado no momento errado, tá aí a monumental obrada deste doidão noia.

  3. libertas

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    Procurador,Liberte- se ou morra sem encontrar. Não existe concurso para viver.Não passarão.

     

     

     

     

  4. Juventude AH ! Juventude.

    Conforme dizia a minha mãe, vcs precisam comer ao menos 2 sacos de feijão, antes de se acharem os conhecedores das leis e quem merece sua aplicação.

    Parabéns Sérgio ! pelo texto , como sempre .

    1. mudanças urgem no MP…

      que tal começar por, além de ter passado em Concurso, o candidato a procurador tenha tido experiencia de fato de uns  5 anos de experiencia na advocacia , preferentemente criminal?

       

      Acho que melhoraria em muito a oferte de procuradores…

  5. Raro
    Uma pena, caro Sergio, que não vá encontrar teu belo texto ressonância e acolhimento no destinatário. Não somente por notória refração à razão – a condução até aqui indica – mas por lhe faltar, acredito, bagagem, leitura, vida vivida e experimentada que permita absorver o profundo e – tão brilhantemente construído – irônico que tua página traz.

    Quisera eu ter passado pela forja que me fizesse capaz de formular uma peça a traduzir o que vai em minhas entranhas no momento em que leio as barbaridades postas por esta chamada “força”…

    Mas então, incapaz, venho aqui e encontro o que gostaria e o que jamais poderia formular nas tuas palavras.

    Da Oficina, as peças saídas do formão mais afiado. E restauradoras de minha moribunda esperança; havendo homens de valor, muito além do poder conspurcado, haverá saída para o Brasil?

  6. Seria certamente grosseiro

    Seria certamente grosseiro indagar, de chofre, o que esse fedelho pensa que é. Então vamos, tal qual o articulista, circunscrever o comentário aos aspectos objetivos da questão. Mesmo porque seria de um despropósito total, dada a imensa assimetria, contrapor a figura real e simbólica de Lula frente a esse procurador Dallagnol. 

    Assim, indaga-se objetivamente: dentre as inúmeras responsabilidades do Ministério Público elencadas pela Constituição ou por legislação complementar, há alguma lhe outorgando a função de corregedor geral da Nação?

    A resposta é NÃO! Não cabe a esse quase-Poder o papel de emitir pregações políticas travestidas de sermões moralistas. Se o fazem é porque efetivamente lhes falta o essencial, o necessário, que é um libelo consubstanciado em fatos e provas concernentes a causa e que vão auxiliar o Juiz do feito a tomar sua decisão.

    Urge, nesse sentido, que o dito parquet reveja todo o seu modo de atuação para que volte a ser o que o ordenamento jurídico do país lhe impõe e não o que alguns dos seus pavões imaginam que são. 

     

  7.                              

                                           Nunca nesses meus anos de lida com à internet,ninguem escreveu um texto no qual me sentia tão contemplado.Muito obrigado Sergio.

  8. Belo texto mas…

    Se chegar ao destinatátio ele não vai entender bulhufas, seja por ignorância mesmo ou cegueira ideológica total.

    Parece que ele quer ser presidente…ai gente, tadinho #SQN.

  9. Resistimos do jeito que

    Resistimos do jeito que podemos, que temos, e teu texto é  para nós que resistimos como podemos, inspiração. Mas como diz Ann_ não vai encontrar ressonância no destinatário.Acrescentaria mais um motivo: desarranjo mental.

  10. Tempos Estranhos

    O Brasil vive tempos estranhos, não apenas a falta de modéstia é que permite que esse concursado público medíocre acredite poder atentar contra Lula, como fazem há anos em conluio, e a sociedade brasileira, transmutada em saciedade brasileira, não reagir e pior, considerar esse medíocre cidadão associado a outros, digno de qualquer consideração como esse post do qual jamais seria merecedor, se não fosse pela anomalia que tomou o país e bagunçou a nossa capacidade de indignarmos e mandarmos esses maníacos para a tumba de onde desgraçados os despertaram à vida sem modéstia, não própria a medíocres e descerebrados funcionais.

  11. Por falar no espantalho Dallagbosta…

    Outro dia meu tio fez a festa de 15 da minha prima e eu que, tal qual o Gilmar Mendes, não perco uma boca livre, estava lá me matando. Olha quem aparece na casa do Titio: $érgio Moro. Ele fic ou na mesa do itio e eu lá pertinho, fingindo que estava alheio ao papo deles, mas ligadaço.

    Então meu tio pergunta se ele não vai libertar o herói Cunha, que nos livrou dos petistas. O Moro diz que não há como não absolvê-lo pois as propinas recebidas por Cunha era presumidamente lícitas e ainda que não fossem, ele não teria como saber que a origem da propina era ilícita. Portanto, ele afirmou que vai absolver o Cunha.

    Titio indagou-llhe se o MPF vai recorrer. Ele disse que vai ter recursos apenas para fazer média mas o Cunha, no final das contas, será liberado, pois inocente.

    E eu lá. bebendo e comendo todas.

  12. Dallagnol ( procurador da força tarefa da operação farsa jato)
    “Quase todos os homens são capazes de suportar adversidades, mas se quiser por à prova o caráter de homem, de-lhe poder”. ( Abraham Lincoln)

  13. Usa um conceito do Conde di
    Usa um conceito do Conde di Lampedusa, de O Leopardo. “A mudança nada mais é do que uma nova ordem das mesmas coisa”. Que foi traduzida por “é preciso que tudo mude para que tudo fique como está”. Ou manutenção do status quo. Me engana que eu gosto!!!

  14. Com gente como essa as
    Com gente como essa as famíglias podem ficar susas, daí não sai nada, o.medinho de quem realmente manda não deixa…..

  15. Esse Dallagnol é uma cria

    Esse Dallagnol é uma cria evangélica da elite patrimonialista e corrupta que ele diz combater, sociólogo de botequim culpa os degredados portugueses do séc XVI pelos males que nos afligem, me pergunto como alguem com uma cultura tão rasa consegue ser aprovado em um concurso tão disputado?

  16. Esse MPF de Curitiba. . .

    Esse MPF de Curitiba não passa de um bando de messiânicos loucos, que acham que vão salvar o Brasil, torná-lo um Estados Unidos, se prenderem Lula e outros políticos petistas, agindo com partidarismo e sem isenção. Podem prender Lula e todos os políticos do país que o Brasil não vai melhorar, nosso problema é de matéria prima, o povo que é de onde saem os políticos, tanto os do PT, como dos outros partidos.

  17. O espantalho da corrupção: uma carta a Deltan Dallagnol, por SS

    Este sujeitinho que e funcionario do Povo Brasileiro, tem seu salario e mordomias pagas por nos para fazer seu trabalho de defender a CIDADANIA & AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS vem aos meiso de comunicação escrever que necessita ir alem … então como diz o artigo do Jornalista Sergio Saraiva  (“Que reformas dolorosas são essas, Dallagnol? Quem fará as vezes da parteira e quem suportará as dores do parto?”) … para mim chega de MENTIRAS … Queremos #FORATEMER, #FORAJUDICIARIO, #FORAMPF, #FORAPF, #FORALEGISLATIVO, #FORATODOS, – #DIRETASJA … !!!

  18. Qual a solução para a crise?

    https://rebeldesilente.wordpress.com/2017/06/04/brasilumpaisporfazer/

     

    Existe solução para o grave momento político em que nos encontramos???

     

    Neste novo texto do Rebelde Silente, o debate se abre, sem pré conceitos e de forma corajosa, para que encontremos uma saída para problemas seculares que temos.

     

    “Um caminho de mil quilômetros começa com o primeiro passo”, que comecemos, então o nosso, pois temos um país por fazer, e que, durante nossa caminhada, não nos transformemos naquilo que eles são.

  19. Talvez ele não merecesse o seu texto, mas é preciso

     

    Sérgio Saraiva,

    Muito bom.

    O nosso representante no Ministério Público Federal realmente está perdido. Imagino que nos atos de contrição dele, ele, como todo ser humano pleno de contradições, se de um modo se arrepende de outro blasfema por considerar que Deus errou ao permitir a convivência da democracia com o capitalismo. Se bem que para essa consideração seria preciso entender a gênese da democracia e do capitalismo que ele dá prova não saber.

    Não há um só trecho em todo o artigo que ele não esteja demostrando não compreender direito o que ele está dizendo. Seja por exemplo o sentido do que ele diz na frase a seguir:

    “A lei não precisa se ajoelhar diante dos barões”.

    Como não, se nas palavras do próprio Deltan Dallagnol, são os barões que “influenciam tanto o conteúdo da lei como quem a aplica”. Aliás, embora não saiba bem o que está a dizer, o membro do Ministério Público defende o seu interesse ao direcionar a crítica aos donos do poder pela influência que exercem de modo restrito ao Poder Legislativo na elaboração da lei e ao Poder Executivo que aplica a lei de ofício e ao Poder Judiciário que aplica a lei quando demandado, esquecendo de referir-se ao Ministério Público que teria sempre, como fiscal da lei, que acompanhar como a Lei está sendo aplicada. Aliás como capacitados a arguir a constitucionalidade da lei, eles também fiscalizam a elaboração da lei tanto no aspecto formal como no seu conteúdo.

    Todo o texto então é uma demonstração de alguém que se encontra em um emaranhado do qual não se sabe como sair. Outro exemplo é a seguinte frase:

    “Quando circunstâncias históricas excepcionais violam a proibição de prender criminosos da elite, os Poderes são conclamados a restabelecê-la.”

    Onde está essa proibição se não na lei? Lei influenciada pelos poderosos. E então, o que ele propõe, diante de “circunstâncias históricas excepcionais”? Ele propõe a violação da lei.

    No fundo é o problema de falta de compreensão da realidade da política como ela é e como sempre será: política é essencialmente um processo de composição de interesses conflitantes. E a composição de interesses conflitantes não é feita segundo o bem comum e de acordo com princípios éticos, mas mediante uma luta de defesa de interesses aos quais não se pode renunciar, mas sim compor. O limite a que se impõe a composição de interesses conflitantes é a lei. Lei que é de certa forma o bem comum. E lei que infelizmente é feita pelos poderosos e provavelmente vai favorecer que os interesses dos poderoso venham prevalecer. Contra isso é preciso de muita luta e muito tempo.

    Não é violando proibições impostas pelos poderosos que se consegue ter uma democracia que não seja distorcida. Para que o povo seja governo é preciso que o povo seja constituído de iguais. Esse é um processo longo em que se vão criar mecanismos capazes de reduzir ou amenizar a desigualdade natural do ser humano e que provavelmente só se realizará plenamente dentro de limites aceitáveis de desigualdade quando não houver mais capitalismo, pois esse, de per si, gera a desigualdade.

    Penso que cabe aqui que eu faça uma espécie de périplo para mencionar um comentário recente meu que é bem pertinente. Enviei hoje, domingo, 04/06/2017 às 16:36, um comentário para Fernando Horta junto ao post dele “Canja de galinha não faz mal a ninguém, por Fernando Horta” de quinta-feira, 01/06/2017 às 16:33, aqui no blog de Luis Nassif e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/canja-de-galinha-nao-faz-mal-a-ninguem-por-fernando-horta

    Meu comentário era para salientar que o conselho dele em favor de não se ir com muita sede ao pote querendo acabar de uma vez com a figura do foro privilegiado, e com o qual eu concordava, caberia também em não se ir a favor das eleições diretas já. Em meu entendimento lutar pelas eleições diretas já só é aceitável se se reconhecer que se trata de um objetivo impossível, mas que visa atingir um objetivo possível, qual seja, eleições diretas em 2018.

    Aproveitei meu comentário para fazer a defesa do político sobre o técnico. O grande problema da concepção da realidade política de Deltan Dallagnol, além desse obnubilamento das idéias que acontece com ele, parece-me ser uma visão extremamente técnica dessa realidade. Em meu comentário eu destaco dois textos em defesa da política. Um é o discurso do ministro Gilmar Mendes no lançamento da 11 edição do Anuário da Justiça e reproduzido no site do Consultor Jurídico em reportagem que recebeu o seguinte título “Não pode haver política sem políticos, afirma ministro Gilmar Mendes” e que pode ser vista no seguinte endereço:

    http://www.conjur.com.br/2017-mai-31/nao-haver-politica-politicos-ministro-gilmar-mendes

    E o outro é um comentário crítico à ex-presidenta às custas do golpe Dilma Rousseff que foi enviado quinta-feira, 26/06/2014 às 01:45, por Marco Antonio Castello Branco junto ao post “Para entender o desgaste do governo Dilma” de segunda-feira, 16/06/2014 às 16:47, aqui no blog de Luis Nassif e de autoria dele e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/para-entender-o-desgaste-do-governo-dilma

    É bom que se diga que dada a extrema disfuncionalidade da democracia, disfuncionalidade essa que Deltan Dallagnol chama de distorções, talvez a maior parte dos intelectuais de esquerda tenham também essa visão que eu considero tacanha em Deltan Dallgnol, mas que é também a concepção da ex-presidenta às custas do golpe Dilma Rousseff e que o Marco Antonio Castello Branco criticou. Grande parte da esquerda considera a política uma coisa podre

    Aliás, embora outros autores de esquerda já tenham criticado o que se tem denominado de criminalização da política, e eu dei como exemplo o post “O STF e a criminalização da política” de quinta-feira, 25/10/2012 às 17:29, reproduzido aqui no blog de Luis Nassif e de autoria de Paulo Moreira Leite, não vi o destaque devido ao excepcional discurso de Gilmar Mendes no lançamento da 11 edição do Anuário da Justiça. O endereço do post “O STF e a criminalização da política” é:

    https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/o-stf-e-a-criminalizacao-da-politica

    Para grande parte da esquerda a política é suja e seus “pilares estão corroídos, apodrecidos, prontos a desmoronar a cada próximo escândalo”, como escreveu Deltan Dallagnol. E mesmo que fosse, o equívoco é querer acabar com isso de uma só vez como se não existisse na realidade requisitos ou condições suficientes para que esses problemas permaneçam ainda por muito tempo.

    Enfim mesmo com seu belo texto há inúmeros escorregões de Deltan Dallagnol que teriam que ser apontados se a análise pretendesse ser mais exaustiva. Não me pareceu ser essa a sua intenção e nem é a minha também, mas gostaria ainda de lembrar aqui da referência dele ao dizer que vários “estudos internacionais mostram que a corrupção sistêmica é incompatível com o desenvolvimento econômico e social”.

    Primeiro perguntaria porque essa mania pelos estudos internacionais e não por estudos brasileiros. Depois lembraria que há estudos e estudos. Recentemente alguém fez menção a uma forma de rebater um discurso em que se alega respaldo em vasta literatura a respeito. Para rebater o melhor que se tem a fazer é pedir a indicação de dois desses estudos que sejam clássicos.

    E há sempre que mencionar que foi com base em estudos da mais profunda inteligência que George Walker Bush, o filho, acusou Saddam Hussein de possuir armas químicas. E por fim há também estudos que não cansam de mencionar a China como um país extremamente corrupto, e, no entanto, a China é um dos países que mais crescem no mundo.

    Não vou estender mais. Até porque desmerecer muito o artigo de Deltan Dallagnol é desmerecer também o seu e o meu comentário também.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 04/06/2017

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