O espectro do desenvolvimentismo assombra os liberais, por Guilherme Santos Mello

Os ‘desenvolvimentistas’ precisam desconstruir a caricatura de que são alvo e expor de forma clara seu compromisso com o equilíbrio fiscal, o controle inflacionário, a justiça social e o crescimento econômico, por meio de estratégias diversas das professadas pelos raivosos liberais

O espectro do desenvolvimentismo assombra os liberais, por Guilherme Santos Mello

do Brasil Debate

Um espectro ronda o Brasil: O espectro do “desenvolvimentismo”. Todas as potências do velho liberalismo unem-se numa Santa Aliança para conjurá-lo. Que economista heterodoxo não foi acusado de “desenvolvimentista” e apoiador da “nova matriz econômica” por seus adversários? Que liberal nunca usou a pecha de “desenvolvimentista” para ofender seus oponentes?

Duas conclusões decorrem desse fato: 1) O “desenvolvimentismo” já é reconhecido como força por todas as hostes liberais; 2) É hora de os “desenvolvimentistas” (mesmo os que não gostam desta alcunha, mas se identificam com as propostas) exporem seu modo de pensar, seus fins e seus propósitos, elucidando mistificações e unificando proposições.

O pavor que despertamos em nossos adversários só é menor que aquele que os comunistas (do qual o clássico manifesto inspira estes primeiros parágrafos) despertavam na burguesia.

Após dez anos de ensaios de gestão “desenvolvimentista”, responsáveis (dentre outros fatores) por promover o crescimento econômico, a geração de empregos, a ascensão social e a distribuição de renda, os liberais finalmente enxergaram na atual crise a chance de voltarem ao poder. Para isso, é preciso construir uma caricatura do “desenvolvimentismo” e exorcizá-la, relacionando todos os problemas nacionais a sua “desastrada” experiência.

Qual o conteúdo da caricatura? Trata-se de imputar aos heréticos a pecha de “irresponsáveis”, portadores de um “pensamento mágico” e “falseadores da realidade”.

“Irresponsáveis” por apontarem saídas para a crise que não envolvem o corte dos gastos sociais e do investimento público, se recusando a diminuir o papel do Estado. Portadores de um “pensamento mágico” por apontarem os efeitos multiplicadores do investimento público, defendendo sua manutenção para a retomada do crescimento e para a obtenção do almejado equilíbrio fiscal.

Por fim, “falseadores da realidade”, por atribuírem a crise a uma série de fatores estruturais que não apenas a condução da política econômica no primeiro governo Dilma, criticando-o naquilo que os liberais mais defendem (a isenção de impostos) e apontando para o recente “ajuste” como fonte principal da recessão atual.

Por sua vez, os “desenvolvimentistas” acreditam que irresponsabilidade é jogar o país em recessão, através de um ajuste fiscal e monetário que nunca se completa, por promover a queda da receita pública e aumentar o déficit nominal.

Acreditam que “pensamento mágico” é apostar que, com a redução do investimento público, o empresário privado será enfeitiçado pela “fada da credibilidade” e passará a investir em seus negócios. Por fim, acreditam que “falsear a realidade” é negar os evidentes custos sociais do ajuste, atribuindo os problemas nacionais aos direitos sociais, enquanto não se discute os 8% do PIB gastos com juros pagos ao sistema financeiro.

A denúncia do evidente fracasso do ensaio liberal recente é rechaçada como heresia daqueles que pretensamente não reconhecem seus erros. Para confundir a população, acusam-se os “desenvolvimentistas” de defenderem aquilo que nunca defenderam (inflação alta e descontrole fiscal); de propor “insanidades” que levariam a economia a um suposto caos (instalado de fato pela atual gestão liberal); de um “governismo” que não combina com as duras críticas feitas a gestão econômica dos dois governos Dilma.

Resta aos “desenvolvimentistas” das mais diversas tendências desconstruírem a caricatura de qual foram alvo, expondo de maneira clara seu compromisso com o equilíbrio fiscal, com o controle inflacionário, com a justiça social e com o crescimento econômico, por meio de estratégias diversas daquelas professadas pelos raivosos liberais.

Superar o bloqueio ao debate imposto a base de “chineladas” àqueles que pensam diferente é a primeira tarefa de qualquer desenvolvimentista, sem a qual não será possível construir um país mais justo, democrático e reindustrializado.

 

Redação

6 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Números

    Olhe… Sou leigo, e torço para que isso que você diz seja mesmo sustentável. Seria útil começar a fazer essa sustentação de modo mais claro. Segunda a presidente Dilma, não há dinheiro para cobrir os gastos. Qual é a proposta, nesse caso? Mexe-se onde, no CURTÍSSIMO prazo? Se vocês pudessem pôr números sobre a mesa, a discussão ficaria muito mais clara. Tem rombo, ou não tem? É do tamanho que a presidente diz, ou não é? Cobre-se como (no curtíssimo prazo, veja bem…)? Corta-se onde? Arrecada-se mais como? Quanto? São essas as questões.

     

  2. DESENVOLVIMENTISMO?

    Por puro instinto, simto-me desenvimentista. Mas, como aponta Andre Araújo, não há estratégia econômica que se aplique com êxito em qualquer cenário. As estratégias tem de se adequar às circunstâncias. O desenvolvimentismo dos anos 70 se esgotou pelo aumento rápido da dívida externa, problema que Figueiredo não corrigiu a tempo, o que levou à década perdida dos anos 80.Na década 2000-2010, o crescimento fenomenal da China propeliu todos os países exportadores de commodities, e Lula viu no cenário uma oportunidade de aumentarmos o mercado interno por meio de programas sociais e pelo pleno emprego sustentado quase inteiramente pelos serviços pelo consumo. Os paralelos dessa política com o keynesianismo são incorretos. Pois em 1933, Keynes passou a comandar o país com a maior capacidade produtiva da História, mas com a economia paralizada por falta de consumo. A solução era óbvia, quase trivial: criar empregos por meio de obras governamentais e desse modo realimentar o consumo. O paralelo com uma Ferrari parada por falta de um motor de arranque não me parece impróprio. Na década de Lula, trocamos fábricas por shopping centers, como diz o clichê. Só cresceu a mineração e a agropecuária, além de um setor de telecomunicações sustentado em parte pela imposição de preços abusivos, sem inovação e muito menos tecnologia. Esse ciclo se esgotou. A década 2011-2020 já está perdida, ninguém em boa consciência enxerga qualquer modo de resgatá-la. Temos de pensar na próxima década. O que fazer para viabilizá-la? Nem governo nem oposiçã tem a menor ideia O ajuste fiscal de Lévy, isoladamente, está obviamente piorando as coisas, e o discurso de essa piora é pouco duradoura não convence. Os desenvolvimentistas aventam projetos que elevarão nossa dívida pública a 80% do Pib,mais que o dobro da observada nos demais países emergentes. Um emergente com tal nível de dívida é presa tão fácil dos predadores quanto um antílope com a perna quebrada na savana africana. ENQUANTO NÃO EDUCARMOS A POPULAÇÃO TEREMOS CILOS DE CRESCIMENTO INTERROMPIDOS POR CRISES

  3. Liberais não.Neoliberais
    A primeira questão a superar no debate é a confusão entre liberalismo e neoliberalismo, que, em muitos aspectos, são até opostos, como sugerem diversos pensadores de Foucault s Laval.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador