O espírito neopentecostal de um Brasil intolerante, por Albertino Ribeiro

O novo testamento que os neopentecostais leem está cheio de exemplos sobre tolerância e bondade, mas eles gostam mais do "dente por dente e olho por olho" do velho testamento.

O espírito neopentecostal de um Brasil intolerante, por Albertino Ribeiro

Penso, como todo cristão, que Deus governa o mundo e permite que o sol nasça e a chuva caia sobre pessoas boas e ruins todos os dias. Também permite que as vicissitudes da vida ocorram com todos indiscriminadamente. Podemos dizer, com base na afirmativa, que ele possui uma inclinação para a democracia e não obriga ninguém a ser religioso.

Os cristãos precisam entender essa natureza de Deus que a própria bíblia revela. Por outro lado, é necessário também entender que Deus não precisa da nossa sede de vingança como muitos pensam, colocando-se como seus defensores.

Lembro-me do texto bíblico onde Pedro, o discípulo de Jesus mais ativista, pegou uma espada e cortou a orelha de uma das pessoas enviadas para prender a Jesus. O mestre o repreende e disse-lhe que, se fosse necessário, ele mesmo teria convocado uma legião de anjos para protegê-lo. Nesse mesmo texto, numa atitude de amor, Jesus, ainda, cura o homem golpeado pelo discípulo intransigente.

O Brasil vive uma marcha fundamentalista liderada por “cristãos” imaturos e hipócritas, pessoas que tomaram para si a função de bedéis do senhor da mesma forma que os fariseus e os discípulos mais imaturos faziam há mais de dois mil anos.

Não caro leitor! Esse não é o espírito do evangelho que deve governar os corações e mentes do nosso país. Então, o leitor me pergunta: qual seria o espírito do evangelho de Cristo? Na bíblia, no evangelho de Lucas, você encontra uma narrativa esclarecedora. Nela, Jesus deseja entrar em um vilarejo, mas é rejeitado pelos moradores. O mestre não falou nada e resolveu ir embora, mas a reação de dois discípulos foi consentânea com o espírito que domina os nossos dias bolsonaristas:

“E os seus discípulos, Tiago e João, vendo isto, disseram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?

Voltando-se, porém, repreendeu-os, e disse: Vós não sabeis de que espírito sois.

Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.”

O novo testamento que os neopentecostais leem está cheio de exemplos sobre tolerância e bondade, mas eles gostam mais do “dente por dente e olho por olho” do velho testamento.

Recentemente a empresa responsável pela produção artística do grupo “Porta dos Fundos” sofreu um ataque com coquetel molotov por ter feito uma sátira sobre a história de Jesus. O autor do ataque, que não foi um neopentecostal, mas um integralista também defensor da moral cristã, ateou fogo no estabelecimento e nem pediu autorização aos céus.

Circula um vídeo na internet onde Roberto Alvim, ex-secretário da cultura, recebe uma profecia na Igreja neopentecostal Bola de Neve no fim do ano passado. Nessa profecia, o pastor, fingindo-se falar em nome de Deus, tece vários elogios ao ex-secretário, dizendo que ele recebeu o dom da sabedoria e influenciaria as leis do país. Menos de um mês depois todos viram no que deu a falsa profecia, inclusive, agora pouco, Alvim disse que sua demissão foi fruto de uma intervenção satânica.

Essa afirmativa revela uma outra face dessas linhas teológicas, pois eles outorgam mais poder ao Satã do que a Deus, porque logo depois de uma profecia caprichada, onde o próprio “Deus” falara com o cara, ele perde tudo para o chifrudo.

Que Deus frágil é esse, Alvim?

O Brasil corre grande risco se o estado laico for preterido em nome de uma religiosidade vazia, calcada na estupidez e na intolerância.

 

Redação

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