O Estado não é um banco, o ministro não deveria pensar como um banqueiro, por Adalberto Cardoso

Guedes finge ignorar que as “empresas pequenininhas” são cruciais para o bom desempenho da economia brasileira e para o bem estar de nossa população.

Trabalho e Reforma Trabalhista

O Estado não é um banco, o ministro não deveria pensar como um banqueiro

por Adalberto Cardoso

Na fatídica reunião de 22 de abril de 2020, na qual o governo Bolsonaro expôs suas vísceras, o ministro Paulo Guedes disse o seguinte: “Nós vamos botar dinheiro, e vai dar certo e nós vamos ganhar dinheiro. Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas…”.

Compreende-se porquê, passados mais de dois meses daquela reunião, a prometida ajuda às “empresas pequenininhas” nunca tenha saído do papel. E elas estão quebrando às centenas de milhares.

Homem do mercado financeiro, Guedes raciocina como se o Estado fosse um banco, e como se sua função, como CEO, fosse maximizar o lucro de seus acionistas (no caso, os credores da dívida pública). Como tal, finge ignorar que as “empresas pequenininhas” são cruciais para o bom desempenho da economia brasileira e para o bem estar de nossa população.

Para demonstrá-lo, proponho exercício simples, baseado em matemática elementar.

(A). Em 2019, 70% da renda das famílias brasileiras eram provenientes do trabalho de seus membros, segundo o IBGE (os outros 30% provinham de outras fontes, como aposentadorias e pensões, alugueis, renda financeira etc.).

(B). Em 2017-2018, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares, também do IBGE, 81% da renda das famílias destinaram-se ao consumo.

(C). Elemento crucial do exercício: 65% do PIB do Brasil em 2019 resultaram do consumo das famílias, segundo a mesma fonte.

(D). No mesmo ano, 74% dos brasileiros ocupados trabalhavam em empresas ou empreendimentos informais de até 50 empregados, ou em “empresas pequenininhas”, segundo a PNAD Contínua.

Levando tudo isso em conta, é possível estimar que:

  1. (A)*(B) ≈ 57% do consumo das famílias são sustentados exclusivamente pela renda do trabalho (isto é, 70% de 81%).
  2. (C)*[(A)*(B)] ≈ 37% do PIB são explicados pelo consumo decorrente de renda do trabalho das famílias (isto é, 65% dos 57% de “a.”).
  3. (D)*{(C)*[(A)*(B)]} ≈ 27,4% do PIB decorrem do consumo de famílias de trabalhadores ocupados em micro, pequenas e médias empresas (ou 74% dos 37% de “b.”).

Em estimativa subdimensionada (porque não considera a economia informal) o SEBRAE sustenta que as micro e pequenas empresas são responsáveis por 27% do PIB, em termos de valor adicionado[1]. Considerando, pois, o impacto da renda obtida nos empregos nesse segmento no consumo das famílias e a participação no PIB, as “empresas pequenininhas” respondem, nessa estimativa subestimada, por pelo menos 54% do PIB.

Essas empresas e empreendimentos estão desaparecendo muito rapidamente em razão da decisão do governo de privilegiar o salvamento “das grandes”. Milhões de ocupações estão sendo destruídas no país (mais de 8 milhões na estimativa mais recente do IBGE).

A fala do ministro denota o seguinte: o governo não está emprestando para salvar as empresas, mas, como fazem os bancos, para assegurar que terá o dinheiro de volta quando tudo se normalizar, e com lucro. O ministro sabe que as empresas grandes (incluindo os bancos!) têm seus mecanismos de defesa, e que o empréstimo está garantido de antemão. Montadoras não quebrarão. Bancos não quebrarão. Grandes produtores e exportadores de soja para a China etc. tampouco. Suas dívidas são securitizadas de diversas maneiras, transnacionais podem recorrer às suas matrizes etc. Logo, os grandes conglomerados financeiro-produtivos de fato não precisam do Estado, mas usam o fundo público como recurso em última instância em crises como esta, à custa de todos, incluindo as micro, pequenas e médias empresas, lastro da renda de 70% dos brasileiros.

Para que não fiquem dúvidas: a renda que sustenta o consumo da maioria das famílias não depende das grandes empresas. Destas últimas depende o faturamento dos grandes acionistas e fundos de investimento de todo o mundo, e emprestando a elas sem que de fato necessitem, e sem contrapartidas, o governo transfere diretamente dinheiro do tesouro para os acionistas privados desses conglomerados, que continuam recebendo seus dividendos.

Não admira que os mercados acionários estejam tão exuberantes enquanto o mundo soçobra na doença e na morte.

Um ponto parece ter passado despercebido pelo governo Bolsonaro. Como esperar a retomada da economia quando tudo se normalizar, se as “empresas pequenininhas”, que são de fato uma enorme rede de proteção para milhões de famílias, desaparecerão, sem que seus agora falidos proprietários sejam capazes de pôr algo no lugar, porque não encontrarão crédito no deserto que já se está configurando?

Se o ministro Paulo Guedes conhecesse o país em que vive, teria olhos para a desertificação econômica em curso. Os oásis que sobreviverão com dinheiro do contribuinte não terão água nem comida suficiente para as massas esfomeadas.

Adalberto Cardoso (Sociólogo, professor do IESP_UERJ)

[1]     https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/mt/noticias/micro-e-pequenas-empresas-geram-27-do-pib-do-brasil,ad0fc70646467410VgnVCM2000003c74010aRCRD

Redação

1 Comentário

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  1. Nassif: o pior é que GuéGué nem chega a “pensar”. Isso é um verbo defectivo, em sua conjugação simplória e mercadológica. Algo doloroso, como parir porcoespinho. Aliás, parece, ele só sabe conjugar (e só no presente do indicativo) o verbo FATURAR. Todos os outros são gramaticalmente inúteis. As pessoas normais, quando sofrem de insônia, vêem carneirinhos pulando o cercado. Ele (dizem as máslínguas) enxerga só $ifrõe$. Enfim, cada qual com seu cada qual…

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