O fogo se iniciou na democracia, a Amazônia é apenas uma consequência

Os bombeiros têm que conhecer os labirintos da floresta, mas principalmente conhecer história e os corredores de Brasília atual, porque aí os que estão no poder são piromaníacos

Por Andrés del Río e André Rodrigues

No Justificando

O Bolsonaro tem seus méritos, vamos reconhecer. Ele conseguiu se tornar o demônio na Terra, o alvo preferido de todos, o símbolo do mal global como indicou Maringoni. Além disso, ele tem o mérito de unir diferentes posições globais sobre o meio ambiente: Não existe espaço para o exibicionismo de crimes contra o meio ambiente. Falamos exibicionismo, porque se é por crimes contra o meio ambiente, os países do norte teriam que estar atrás da grades.

Mas no fundo, o que se pergunta fora do Brasil é: o que faz esse presidente minúsculo e caricato ocupando o Poder Executivo de uma das dez economias mais importantes da Terra?

Quando a mídia e as pessoas começam a procurar respostas, as informações incômodas começam aparecer, salientando a complexidade do tema. Falar de Bolsonaro é perguntar quem era o outro candidato. Saber que esse outro candidato a presidente está na prisão injustamente, com a maior vigília no mundo há mais de 500 dias; que existem manifestações na ONU e OEA e em outras organizações internacionais a seu favor; e que esse candidato teve (e ainda tem) mais visitas oficiais nacionais e estrangeiras que os últimos dois presidentes no planalto, a ilegalidade é gritante.

Esse é parte dos primeiros sintomas que começam a sinalizar que os incêndios não começaram na Amazônia, mas na democracia. Ela está em chamas faz tempo, desde 2015, no mínimo (outros falam de 2013). E no Estado de Direito doméstico (ou as ruínas da Constituição Federal de 1988) só sobrevivem aqueles artigos constitucionais que ainda garantem privilégios, os direitos do resto da sociedade se tornaram carvão. Os direitos sociais e os direitos humanos estão em vias de extinção. Especialmente, existe uma rejeição e negação aos saberes ancestrais dos povos locais, sua territorialidade e diversidade, sua visão do mundo. O que governo fomenta é a violação de seus direitos historicamente vulnerados, promovendo a morte indígena, tentando apagar seus saberes e suas memórias. Enfim, fomentar sua eliminação por ser considerados um entrave aos negócios. Desta forma, os reais guardiões da Amazônia, os povos das florestas, estão sendo exterminados, sem visibilidade na mídia. A democracia está ardendo no fogo e a Amazônia é só uma consequência disso.

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Fora do Brasil, assim que Bolsonaro abre a boca, todos ficam boquiabertos. A gente aqui não se acostumou, mas sabe que se trata de um presidente das margens. Um presidente cuja carreira política foi construída pelo voto marginal de setores não majoritários, convivendo no limite entre a legalidade e a ilegalidade. Que ele sempre representou essas margens que não tinham poder nem força numa democracia saudável. A presença dele no centro do cenário da política nacional é uma confirmação que o sistema político não está bem, saudável. Houve irregularidades para que o presidente minúsculo e caricato esteja no poder. Existiu um golpe contra uma presidente legal e legítima, e setores acomodados e nossa elite burra preferiu as margens no centro, a conviver negociando com o Partido dos Trabalhadores. Diante da terra arrasada, das cinzas da democracia, da negação da política, restou o terreno propício para o ódio. Existe o ódio de classe e racial. Ódio mesmo. Tanto existe que preferiram as margens como canal para poder materializar seu projeto de poder concentrador e excludente.

Ao projeto da boçalidade presidencial, não temos o que responder. Todos gritaram que nem lobos: como vai falar isso da primeira dama de outro país? Sim, é um presidente minúsculo, das margens. Só isso. Numa democracia saudável, num processo político legal e correto, ele estaria na prisão, talvez compartilhando cela com seu herói, o ultra-torturador. Chamamos de ultra, porque de brilhante não tem nada.

As margens sempre foram a praia dele. Ele é um macho castrado, impotente, é o pior que temos como sociedade. Mas mesmo sendo um presidente minúsculo, sua inaptidão, negligência e maldade criam e promovem um campo fértil para que surja e nasça os piores demônios, os mais bárbaros incêndios, reflexos da sua própria imagem.

Enfim, não são poucos colegas e amigos estrangeiros que nos contatam e nos perguntam como chegamos a ter que conviver com esse maluco presidencial. A gente só responde: o fogo começou na democracia, a Amazônia é só uma consequência. Os bombeiros têm que conhecer os labirintos da floresta, mas principalmente conhecer história e os corredores de Brasília atual, porque aí os que estão no poder são piromaníacos. Mas a sociedade é água e vamos apagar o fogo do delírio atual.

Andrés del Río e André Rodrigues são doutores em ciência política pelo IESP-UERJ e professor adjunto da UFF.

Redação

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