O impeachment e o discurso de Maia e Baleia, de Dilma a Jair, por Wilson Luiz Müller

Podemos ainda extrair, dessa breve retrospetiva, que Maia é um péssimo profeta, quando ele anunciou o ingresso glorioso de Eduardo Cunha para os anais da história

Foto Agência Câmara

O impeachment e o discurso de Maia e Baleia, de Dilma a Jair

por Wilson Luiz Müller

Como o assunto do momento é o impeachment do Jair, convém lembrar os discursos de Rodrigo Maia e Baleia Rossi por ocasião da votação do pedido que afastou a presidenta Dilma.

“Hoje é o dia de devolvermos a esperança ao povo brasileiro. Em respeito à Constituição Federal, em respeito aos mais de 208 mil eleitores que me deram a oportunidade de estar aqui, por São Paulo e pelo Brasil, voto sim. Que Deus abençoe nosso país.” (Baleia Rossi)

“Senhor Presidente [dirigindo-se a Eduardo Cunha, que dirigia a mesa], o senhor entra para a história hoje. Pela minha família, mas principalmente pelo pai, que foi, quando prefeito do Rio, Cézar Maia, atropelado pelo governo do PT. O PT rasga a Constituição do Rio e rasga a Constituição aqui. O meu voto é sim.” (Rodrigo Maia)

Depois dos discursos, Baleia e Maia partiram para a ação. Apoiaram o governo Temer. Em 2018 ajudaram a eleger o Jair. Hoje os partidos de Baleia e Maia (MDB e DEM) integram a base de sustentação do governo Jair.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, sentou sonelemente, covardemente, em cima de uma pilha das denúncias graves de crimes de responsabilidade cometidos pelo seu Jair.

Baleia Rossi, o candidato de Maia para sucedê-lo na presidência da Câmara, agora diz o seguinte sobre o impeachment de Jair:

“Não é o caminho, não é bom para o Brasil. O impeachment é o extremo do extremo do extremo que está na nossa Constituição. Precisamos hoje de estabilidade. E reafirmo que não houve compromisso de abertura de impeachment. Todos têm que trabalhar por uma unidade. A gente fala que a Câmara tem que ser independente, mas tem que ser harmônica. E tem que trabalhar em harmonia com o Poder Judiciário e o Executivo”, afirmou ainda o parlamentar. Baleia defendeu a atual agenda de reformas neoliberais, incluindo a reforma administrativa, que atinge os servidores públicos.

Combinando o discurso e a prática desses dois expoentes do atual bloco dominante da burguesia – responsável pela imposição da agenda neoliberal que está destruindo o país – ,

concluímos que:

1 – com as inventadas “pedaladas fiscais”, o PT e a presidenta Dilma teriam rasgado (nas palavras literais de Maia) a Constituição, crime de extrema gravidade que justificaria a destituição da presidenta Dilma;

2 – as “pedaladas fiscais” teriam sido o extremo do extremo do extremo, algo nunca visto até então (a propósito: como seria classificada a mesma prática adotada em todos os governos anteriores e posteriores ao da Dilma?);

3 – todas as denúncias de crimes de responsabilidade praticados, em tese, pelo seu Jair, inclusive as de que ele esteja ativamente boicotando medidas sanitárias e científicas para o controle da pandemia da Covid-19 – atitudes que fazem aumentar  de forma criminosa o número de mortos (genocídio) – seriam, segundo a lógica de Baleia, muito menos graves que as “extremas” pedaladas fiscais da Dilma; por isso a resistência de Baleia em abrir um processo de impeachment caso seja eleito presidente da Câmara.

Podemos ainda extrair, dessa breve retrospetiva, que Maia é um péssimo profeta. Quando ele anunciou o ingresso glorioso de Eduardo Cunha para os anais da história, certamente não foi com o vislumbre de vê-lo em seguida atrás das grade acompanhado de uma montanha de provas sobre seu passado corrupto.

E Baleia não entrega o que promete. Prometeu devolver a esperança ao povo brasileiro ao votar pela destituição da Dilma. Mas entregou-nos Temer; e em seguida nos presenteou com o Jair, espantalho que o fascismo estrutural brasileiro utiliza para impor, a ferro e fogo, a agenda ultraliberal que permite uma super-acumulação de capitais em brevíssimo período.

Não há, portanto, nenhuma razão para levar a sério as opiniões de Maia sobre um impeachment futuro do seu Jair, tendo ele tido a oportunidade de fazê-lo na prática por 60 vezes. Em todas essas belas oportunidades ele preferiu  acovardar-se. Podia ter ao menos  tentado barrar o avanço fascista. Teria um lugar na história como alguém que tudo fez quando estava ao seu alcance. Agora, passa à história da mesma forma como seu ídolo Eduardo Cunha, como covarde que se move apenas por interesses mesquinhos.

De igual forma o Baleia. Inútil alimentar qualquer esperança. A depender da sua coerência (na verdade a falta dela), o extremo do extremo do extremo jamais chegará para o seu Jair.

Pela (in)coerência de Baleia, não se deve querer adivinhar o que o seu Jair teria que fazer ainda para ser tão extremo quanto a Dilma. Baleia, tal como Maia, vive longe das agruras do povo, que sofre vendo seus iguais morrerem como se fossem moscas.

Para a esquerda, convém dar uma espiada na história, visando tirar alguns aprendizados a serem utilizados nas táticas para a luta pelo impeachment do presidente.

Entre as variáveis que podem levar a um impeachment, enumero algumas condições imprescindíveis, (com base na história) por ordem de importância:

1 – o bloco dominante da burguesia precisa querer tirar o presidente;

2 – a burguesia precisa ter certeza de que o afastamento do presidente lhe assegura uma posição de hegemonia no governo seguinte; que, tirando o presidente, ela não perca o controle do que vem em seguida;

3 – o presidente precisa ter baixa popularidade;

4 – tem que ter povo na rua pedindo o afastamento do presidente.

Em nossa história tivemos 2 impeachments aprovados pelo Congresso (Collor e Dilma). Já os pedidos de impeachment do presidente Temer foram rejeitados pelo Congresso.

No governo Collor estavam presentes as 4 condições. Itamar Franco, vice de Collor, assumiu o governo e criou as bases para que FHC se credenciasse para derrotar Lula na eleição de 1994. Não fosse o impedimento de Collor, Lula seria seu antagonista principal. Com o impedimento de Collor, a burguesia se reorganizou em torno de Itamar, o PT perdeu protagonismo como oposição e  Lula foi derrotado com facilidade por FHC.

No caso da Dilma também estiveram presentes as 4 principais condições. Temer conspirou e conduziu a transição.

Em seguida, a burguesia (seu bloco hegemônico) manteve o controle do processo garantindo a eleição de Bolsonaro.

Temer, por sua vez, tinha a mais baixa popularidade de todos os presidentes, e as acusações contra ele eram eram as mais graves que pesaram até então contra um presidente. Mas a burguesia não queria o seu impedimento, pois ele vinha implementando a agenda neoliberal e não havia povo nas ruas pedindo seu afastamento.

Em relação ao Jair, a burguesia não quer o impedimento. Jair cumpre com maestria o papel de espantalho. Assusta, confunde, manipula a sociedade. Enquanto isso, as oligarquias se fartam e se locupletam com as políticas neoliberais do seu governo.

A popularidade do Jair não deve cair a níveis muito baixos no próximo período, apesar do seu desgoverno que aprofunda rapidamente a crise econômica e social. Também não há povo nas ruas pedindo seu afastamento. Tampouco há perspectiva de retomada das mobilizações populares enquanto a pandemia da Covid não estiver minimamente controlada.

Historicamente, o placar dos impeachments, considerando os interesses do bloco hegemônico contra os do bloco popular é de 3 x 0.

A conclusão é de que o impeachment só sai quando a burguesia quer. E quando a burguesia quer, o povo sai perdendo. Pelo menos foi assim até aqui.

Mas a história não é critério de verdade. De modo que o próximo impeachment pode ser diferente de tudo o que ocorreu antes.

Um aspecto que não pode ser desprezado é que o processo de luta pelo afastamento de um presidente gera uma energia que dificilmente se consegue com lutas isoladas e específicas. E essa energia pode ser transformada em acúmulo de forças, criando uma nova organicidade com vistas a embates futuros.

Cresce também a percepção, nos movimentos sociais e populares, de que a aliança do neoliberalismo com o neofascismo praticamente anulou qualquer possibilidade de avanço em lutas específicas. E que há mais chances de conseguir avançar na luta dentro de uma estratégia de enfrentamento global do que gastar energia em lutas isoladas que não tem nenhuma chance de êxito.

Neste momento de reorganização do campo popular, talvez o mais importante não seja a garantia de que é possível afastar de fato o espantalho. Pois herdaríamos um outro espantalho, fardado e estrelado, tão lúgubre quanto o original, que daria continuidade à mesma obra.

O importante então é retomar a luta popular, colocar o povo em movimento. Ter as ruas novamente como palco principal e o povo como protagonista da política e da história. Porque sem povo nas ruas não haverá futuro para a esquerda.

Não haverá sequer vitórias eleitorais, como mostraram os resultados das eleições de 2016, 2018 e 2020.

A esquerda só tem chance de vencer eleições contra a burguesia se as classes populares estiverem nas ruas lutando concretamente por seus direitos. Por qualquer coisa onde haja convergência do campo popular. Se isso for possível com a luta pelo impeachment, que seja este o eixo central.

Se o impeachment pode representar essa confluência das dispersas vontades populares, então os partidos de esquerda devem abraçar a causa, apesar do histórico negativo acima referido. Mas essa luta deve ser feita com consequência e coerência. Não pode ser apenas um jogo de palavras ao qual ninguém dá consequência.

Se a esquerda quer o impeachment do Jair, não deve esperar isso do Baleia como esperou, em vão, do Maia. Deve fazer acontecer, convocando o povo às ruas assim que isso for possível.

Wilson Luiz Müller – Auditor Fiscal da Receita Federal aposentado

 

Redação

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