O investimento público e a necessária reconstrução nacional, por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

A grande questão emergente diz respeito a como se deve financiar esse conjunto de investimentos públicos.

O investimento público e a necessária reconstrução nacional

por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Entre as muitas discussões presentes na grande imprensa, encontra-se o debate sobre a sustentabilidade da dívida pública brasileira. Embora cause perplexidade e incredulidade, a coalizão política e ideológica regressiva, instalada na instância federal, busca retomar o aprofundamento da agenda neoliberal, algo que está em rota de colisão com os desdobramentos multifacetados de curto, médio e longo prazos da pandemia de Covid-19.

De acordo com o artigo postado no blog do Fundo Monetário Internacional (FMI), no dia 5 de outubro, “Public Investment for the Recovery”, assinado por Vitor Gaspar, Paolo Mauro, Catherine Pattillo e Raphael Espinoza, o investimento público terá um papel central na recuperação após a pandemia. Nesse artigo, os autores afirmam que “o aumento do investimento público em economias de mercado avançadas e emergentes poderia ajudar a reviver a atividade econômica do colapso econômico global mais agudo e profundo da história contemporânea”. Essa ação dos governos contribuirá para a geração de empregos e rendas no curto prazo.

Em síntese, aumentar o investimento público em 1% do PIB pode fortalecer a confiança na recuperação e impulsionar o PIB em 2,7%, o investimento privado em 10% e o emprego em 1,2%, caso os investimentos sejam de alta qualidade e se os encargos das dívidas públicas e privadas existentes não enfraquecerem as respostas do setor privado ao estímulo. O fato é que o investimento produtivo global já vinha fraco antes da pandemia, apesar das deficiências nas infraestruturas e das baixas taxas de juros em muitos países.

Para Gaspar e outros, “o investimento público pode desempenhar um papel central na recuperação, com potencial para gerar, diretamente, entre 2 e 8 empregos para cada milhão de dólares gastos em infraestrutura tradicional, e entre 5 e 14 empregos para cada milhão gasto em pesquisa e desenvolvimento, eletricidade verde e edifícios eficientes”. No curto prazo, os países devem buscar elevar os gastos públicos na manutenção da infraestrutura, onde for seguro do ponto de vista sanitário.

A grande questão emergente diz respeito a como se deve financiar esse conjunto de investimentos públicos. Em países com elevados recursos produtivos ociosos e inflação baixa, os gastos públicos deficitários podem, muito bem, ser financiados com a emissão monetária. A opção brasileira seguiu outro rumo. Optou-se por financiar gastos públicos deficitários, na pandemia, com a emissão de títulos públicos. Tal escolha reduz a margem de manobra do Estado, uma vez que leva “o mercado” a pressionar o governo federal por um ajuste fiscal duro no curto prazo, o que é praticamente inviável do ponto de vista do jogo democrático. Os governos subnacionais, por sua vez, já foram pressionados para acelerar a retomada das atividades econômicas.

Infelizmente, o necessário debate sobre a reforma tributária está travado no Congresso Nacional, pois a política tem grande dificuldade de enfrentar o conjunto de forças econômicas e ideológicas que aspira por uma regressividade mais brutal no sistema tributário brasileiro. O ajuste fiscal, desde 2016, vem sendo feito em benefício dos mais ricos e em detrimento dos mais pobres da sociedade, aqueles que estão endividados, desempregados ou precarizados e, consequentemente, são mais dependentes dos serviços públicos.

O darwinismo social, uma perversa tradição política no Brasil, recuperou fôlego desde 2016. A proposta de reforma administrativa, que não por acaso deseja blindar o aparato de repressão do Estado, garantidor da “lei e da ordem”, segue a linha da precarização dos serviços públicos para a população e promove um elevado risco de regressão patrimonialista. A “flexibilização” de regras, aquilo que alguns chamam de modernização, abrirá espaço para muitos negócios e escândalos no setor público. As mesmas instituições, que nos conduziram até este momento distópico, continuariam “funcionando” nesse novo tempo. Um “Estado facilitador”, estruturador e reprodutor de uma elevada concentração de renda no topo, será refém de acordos por cima e muito pouco democrático.

Para uma reconstrução sustentável e democrática nacional, é razoável que os mais ricos contribuam proporcionalmente mais em termos tributários. A reforma tributária é importante para que o Brasil se junte aos países democráticos que possuem um sistema tributário de caráter progressivo, como ocorreu após a Segunda Guerra nos Estados Unidos e na Europa socialdemocrata. Não caminhar nesse sentido é empreender uma nova fuga para frente. O Brasil não está executando um projeto nacional de desenvolvimento e, nesse sentido, destacamos a entrevista concedida pelo renomado físico brasileiro Marcelo Gleiser, professor no Dartmouth College, nos Estados Unidos, para o canal de tecnologia do UOL, em 5 de outubro.

Segundo Gleiser, “Brasil não exporta tecnologia e tem espírito de colônia”. Ainda de acordo com Gleiser, “a visão do governo atual, infelizmente, reflete uma atitude muito antiquada para um país com um potencial como o nosso: a ideia de que o Brasil não exporta ideias, não exporta tecnologia. Exporta apenas porco, galinha, arroz, soja e minérios”. O Brasil precisa investir pesadamente em educação, ciência e tecnologia, com enfoques regionais diferenciados, assim como outros países estão fazendo. Uma boa dose de reindustrialização, com competitividade exportadora e adição de conhecimentos, será necessária entre nós. Para tanto, os recursos naturais brasileiros são alavancas importantes de possibilidades de sofisticação das estruturas produtivas domésticas.

A dependência da exportação de commodities é quase exclusivamente um fenômeno de países subdesenvolvidos. Países especializados em atividades “malthusianas” (recursos naturais) permanecerão pobres e com elevada concentração de renda, enquanto os países especializados em atividades “schumpeterianas” (inovações e retornos crescentes) serão capazes de elevar o nível de seus salários e atingir padrões de vida maiores. Do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, a especialização malthusiana é perigosa porque ela está vinculada a rendimentos decrescentes de escala, a círculos viciosos de pobreza, a grandes pressões sobre os recursos naturais e a uma baixa produtividade. O extrativismo predatório é uma herança dos tempos coloniais e, portanto, não devemos insistir nesse paradigma.

Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)     

 

Rodrigo Medeiros

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