Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O Mal jamais conjurado pela civilização em Suspiria: A Dança do Medo, por Wilson Ferreira

Uma bailarina se torna aluna de uma prestigiosa escola de dança em Berlim, que esconde um milenar propósito ocultista assassino num país que tenta se recuperar dos traumas do nazismo

Em um cenário aparentemente acolhedor escondem-se terríveis segredos do passado que estão vivos e ameaçadores até hoje. Desde “O Bebê de Rosemary” (1968), de Roman Polanski, o gênero terror repetidas vezes aborda esse tema. Mas em “Suspiria: A Dança do Medo” (2018), remake do clássico de terror de 1977 de Dario Argento, o tema é elevado a uma jornada pelo inconsciente coletivo: em plena modernidade urbana, o ancestral, o mítico e o arquetípico retornam de forma explosiva e perversa. O Mal, ignorado e jamais conjurado ou expiado pelo mundo contemporâneo. Apenas esquecido.  Uma bailarina se torna aluna de uma prestigiosa escola de dança em Berlim, que esconde um milenar propósito ocultista assassino num país que tenta se recuperar dos traumas do nazismo em plena Guerra Fria.  Mas os problemas é que as pessoas teimam sempre em acreditar que o pior já passou. 

O dia 29 de maio de 1913 ficou marcado pela subversão estética musical do século XX com “A Sagração da Primavera” de Ygor Stravinsky – sua noite de estreia em Paris, marcada pelo escândalo, vaias, caos e protestos, narrava a trajetória de uma garota para ser entregue em sacrifício à divindade primaveril, no auge de um ritual pagão. Modernidade, dissonância e um estranho balé com corpos retorcidos e movimentos frenéticos se juntavam a um conteúdo arquetípico primitivo, um resgate ancestral da arte rupestre.

A conexão Modernidade e primitivismo retorna mais uma vez nos simbolismos dos sonhos dos pacientes de Carl G. Jung, em 1936 – sonhos de crueldade e brutalidade que antecederam a atmosfera da ascensão do nazismo, personificando o deus da mitologia nórdica Wotan – a divindade das tempestades, caos e destruição.

O atávico, o ancestral, o arquetípico e o mítico sempre retornam. As Novas roupagens tecnológicas da modernidade urbana apenas embalam e canalizam velhos conteúdos míticos, muitas vezes resultando em efeitos descontrolados e trágicos como o nazi-fascismo e o holocausto.

Esse é o tema explicitamente colocado pelo filme Suspiria: A Dança do Medo (2018), refilmagem do clássico de terror cult de 1977 que foi o primeiro de uma trilogia de Dario Argento e Daria Nicolodi. O filme acompanha a precoce bailarina norte-americana Susie Bannion (Dakota Johnson) que se torna aluna da prestigiosa escola de dança Markos Dance Co., em Berlim.

Matriarcado sangrento

Ao contrário do filme original em que só no final é revelada uma secreta congregação de bruxas por trás daquela companhia, nesse remake tudo é revelado desde o início – um sangrento matriarcado que perpetua seu reinado hermético e misterioso.

Também diferente do clássico em que Argento investia muito mais na atmosfera (claustrofóbica urbana com um colorido exagerado, grafismo e non sense) do que no roteiro problemático e inverossímil, na versão atual o diretor Luca Guadagnino privilegia o conteúdo arquetípico presente na obra clássica – uma jornada junguiana através do cenário de efervescência política da Alemanha dos anos 1970: referências as marcas do holocausto, guerra fria, o célebre sequestro do avião da Lufthansa pela Frente de Libertação da Palestina e os atentados do grupo armado de esquerda Baader-Meinhof, “Fração do Exército Vermelho”.

Mais uma vez, vemos a Modernidade política e urbana, marcadas pelo balé contemporâneo da companhia, funcionado como a superfície que tenta conter o magma de mitologias herméticas ancestrais que não encontram resolução ou paz – ainda pulsam e sobe mortalmente à superfície, reivindicando atenção.

A linha de diálogo chave da compreensão do drama arquetípico de Suspiria está na fala de Susie, diante da balbúrdia dos conflitos com a polícia nas ruas e os conflitos internos da companhia de dança: “Tudo uma bagunça, não é? A lá de fora e a bagunça daqui. E a que está por vir. Por que todos acreditam que o pior passou?”. Críptica fala de fundo freudiano: o reprimido sempre retorna. Mas dessa vez, o que retorna de forma explosiva são os conteúdos arquetípicos ancestrais que ainda não foram redimidos pela civilização.

O Filme

Para entender esse drama central do filme (e principalmente a carnificina final) é crucial saber quem são as três “mães” míticas, curiosamente subestimado por Dario Argento em 1977. O conceito das três mães foi formulado pela poesia e prosa do ensaísta inglês Thomas de Quincey em 1845 no livro “Suspiria de Profundis”, uma coleção fragmentada de reflexões. Entre essas fantasias estão as três companheiras que serviram a deusa romana do parto, Levana: Mater Tenebrarum (Mãe das Trevas), Mater Lachymarium (Mãe das Lágrimas) e Mater Suspiriorum (Mãe dos Suspiros, a mais antiga e poderosa das três).

Dario Argento e Daria Nicolodi partiram dessas reflexões para criar uma mitologia em torno de três bruxas que já vagaram pela Terra espalhando morte e pestilência desde o século XI. Cada uma construiu sua casa e influência em três partes do mundo: Tenebrarum em Nova York, Lachymarum em Roma e Suspiriorum na Alemanha. Essa é a base da “Trilogia das Mães” de Argento que começou em 1977 com Suspiria, seguida de Inferno (1980) e A Mãe das Lágrimas (2007).

Tanto no clássico como no remake, Suspiria ganha contornos do O Bebê de Rosemary (1968) de Roman Polanski, no qual em um cenário aparentemente acolhedor escondem-se terríveis segredos do passado que estão vivos e ameaçadores até hoje.

O filme começa com a bailarina Patrícia (Chloë Grace Moretz) assustada e paranoica visitando o psicanalista Dr. Klemperer (Tilda Swinton, sob pesada maquiagem). Ela tenta denunciar ao doutor que aquela prestigiosa escola de dança esconde, por detrás das paredes, uma assustadora confraria de bruxas. Nas páginas do diário de Patrícia estão complexas anotações de simbologia ocultista que copila dos rituais secretos daquele lugar.

Como um psicanalista, Klemperer interpreta os relatos de patrícia como sintomas de “transferência”, “identificação” e “projeções. Ele será o polo que vai tensionar o conflito entre racionalidade versus mitologia.

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Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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